LANÇAMENTOs Em destaque, novos álbuns de
artistas da
free music vindos de diferentes partes do globo... Ouça,
divulgue, compre os discos...
Por Fabricio Vieira
Breezy
(Exit) Kanarr
Sonic Transmissions Records
O contrabaixista norueguês
Ingebrigt Haker Flaten concebeu o
projeto
(Exit) Kanarr em 2020, durante o Vossa Jazz. O sexteto/septeto reúne
instrumentistas experimentados da Escandinávia e dos EUA e se apresentou no
Brasil em janeiro deste ano. O segundo álbum do (Exit) Kanarr foi gravado logo
após a passagem por aqui, tendo sido registrado em fevereiro no Juke Joint
Studio, em Notodden, na Noruega. Participaram do registro os saxofonistas Mette
Rasmussen (alto) e Karl Hjalmar Nyberg (tenor e soprano), o trompetista Erik
Kimestad Pedersen, o pianista Oscar Grönberg, o guitarrista Jonathan F. Horne e
o baterista Olaf Moses Olsen.
Breezy – uma homenagem à trompetista Jaimie
“Breezy” Branch, morta precocemente em 2022 – traz cinco peças, todas
assinadas por Flaten. Destaque para a faixa “Free The Jazz”, que bem ilustra o
enérgico som da banda. O álbum está saindo em CD, LP e digital.
Breaking Stretch
Patricia Brennan Septet
Pyroclastc Records
A vibrafonista e compositora mexicana
Patricia Brennan tem
surpreendido a cada novo projeto. A artista, radicada em Nova York, partiu de
seu usual quarteto – Kim Cass (baixo), Marcus Gilmore (bateria) e o
experimentado percussionista cubano Mauricio Herrera – para criar este novo
projeto. Adicionando três sopros – Jon Irabagon (sax alto e soprano), Mark Shim
(tenor), Adam O’Farrill (trompete) –, reuniu um poderoso septeto, perfeitamente
ajustado para explorar suas novas inspiradas composições. São nove peças, que
mostram um free jazz potente marcado por certo groove e elementos
latino-americanos temperando as coisas aqui e ali. Com os sopros na linha de
frente, as peças trazem texturas complexas que se abrem a certeiras improvisações,
sempre preservando a noção de conjunto. “Los Otros Yo” inicia o registro com
irresistível tema puxado por saxes e baixo, logo entrecortado por ligeiro solo
de vibrafone, que se desdobra em ataques justos em que os sopros ampliam a
alucinante ritmicidade em crescendo – a faixa sintetiza com perfeição o tom
irresistível do álbum. Um dos discos mais empolgantes do ano. Sai em CD e
digital.
States of Restraint
Gonçalo Almeida
Clean Feed
O baixista
Gonçalo Almeida é uma das vozes mais ativas e
inventivas vinda da cena portuguesa. Radicado na Holanda, Almeida está
envolvido com muitos projetos de alta voltagem. E com este novo trio apresenta
um pouco do que de mais interessante tem feito atualmente. A seu lado estão os
também portugueses
Gustavo Costa (bateria) e a sempre surpreendente
Susana
Santos Silva no trompete. O trio se uniu em um raro encontro no Porto (os três
moram em outros cantos da Europa), em julho de 2023, no Sonoscopia. Almeida,
Silva e Costa já trabalharam juntos em outros contextos, então sabem por onde
andam as ideias criativas e limites expressivos de cada um. As cinco peças –
mais contemplativas e minimalistas do que a princípio pode se esperar dos
integrantes desse trio – são descritas nas liner notes como “
five
tension-fuelled abstracts which, taken together, comprise a mesmeric form of
temporal liturgy, delineated through standard notation and graphic scores,
animated via splendidly spartan increments of surge, drone and ceremonial
carillon”. Um disco de reverberação profunda, que deve ter soado impressionante
quando gestado ao vivo. Editado em CD e digital.
Run the Gauntlet
The Kris Davis Trio
Pyroclastic Records
A pianista
Kris Davis vive talvez o melhor momento de sua carreira. Nascida no Canadá em 1980, ela tem visto seu trabalho receber um amplo reconhecimento em anos recentes. Assim, cada novo projeto dela tem gerado inevitável expectativa. Desta vez, ela aparece em sua forma mais despida, comandando um clássico trio de piano-baixo-bateria. A seu lado nessa empreitada estão o contrabaixista Robert Hurst e o baterista Johnathan Blake. Captado em janeiro de 2024 no Brooklyn Recording,
Run the Gauntlet traz 11 peças. O álbum foi concebido como uma homenagem a pianistas mulheres que influenciaram Kris Davis (ou que ela admira). Suas composições celebram Geri Allen, Marilyn Crispell, Angelica Sanchez, Carla Bley, Renee Rosnes e Sylvie Courvoisier (no encarte, ela fala sobre o impacto que a música de cada uma dessas artistas causou nela). Um belíssimo registro, editado em CD e digital.
Flip Side
Lina Allemano’s Ohrenschmaus
Lumo Records
Após sua bem-recebida estreia em 2020, com “Rats and Mice”,
o trio
Ohrenschmaus apresenta seu mais recente rebento. Comandado pela trompetista
canadense
Lina Allemano, que se divide entre Toronto e Berlim, este é um grupo
baseado na Alemanha e traz ao lado dela o norueguês Dan Peter Sundland
(baixo elétrico) e o alemão Michael Griener (bateria). Neste novo registro, há
a participação da artista estadunidense Andrea Parkins (acordeon, eletrônicos)
em três das sete peças do álbum.
Flip Side mostra uma música que pode ir de
um envolvente free jazz mais direto, não deixando de lado o trato com
linhas melódicas (como nas ótimas “Signal” e “The Line”), a momentos de
explorações mais abertas, a destacar “Sidetrack” e “Sidespin” (estas, com a
participação decisiva de Parkins). Editado em CD e digital.
What Times Are These
The Jamie Baum Septet+
Sunnyside Records
A flautista
Jamie Baum tem neste septeto seu projeto mais destacado.
Há mais de duas décadas ela comanda uma formação dessas, com mudanças nos instrumentistas-parceiros
nessa jornada, que já rendeu cinco títulos publicados. Para o novo registro de
seu septeto, a artista de Nova York convocou um grupo que traz nomes com
trajetórias diversas, como o trompista Chris Komer (que tem trabalhos tanto no
campo erudito quanto com artistas pop), o pianista Luis Perdomo e nomes ligados
ao free jazz, caso do trompetista Jonathan Finlayson e do baterista Jeff
Hirshfield. Diferentes faixas trazem convidados também, como a vocalista
portuguesa Sara Serpa. O título do álbum é inspirado em um poema de Adrienne
Rich e refere-se “ao ambiente surreal e caótico” decorrente do surto da
pandemia de Covid-19 em meados de 2020. “
It was biblical, like the plagues.
We’re going along, and then boom, we’re stopped in our tracks”, diz. Isolada em
seu apartamento em Manhattan, Baum começou a trabalhar em composições, que
resultaram nas dez peças, de um jazz contemporâneo de variadas inspirações e
expressões, que formam este muito interessante disco. Gravado no Oktaven Audio,
Mt. Vernon (NY), em 10 e 11 de abril de 2023. Editado em CD e digital.
Oils
Charles Gayle & Szilárd Mezei Quartet
FSR
Imagino que muita coisa, ao vivo em especial, de
Charles
Gayle (1939-2023) vá surgindo com o passar do tempo. O saxofonista, morto no
ano passado, é um dos maiores de seu instrumento em todos os tempos e o resgate
do que deixou espalhado por aí parece algo inevitável, dado o interesse que
novas gravações suas sempre despertam. Desta vez, é o selo polonês FSR que traz
algo inédito e adiciona Gayle a seu catálogo. Aqui temos o mestre do saxofone
ao lado do quarteto do violista sérvio
Szilárd Mezei – grupo de inusitada
formação, com dois contrabaixistas, Ervin Malina e Ernő Hock, e a bateria de István
Csík. A gravação vem de um concerto que o quinteto realizou em setembro de
2009, em um festival na Sérvia. Gayle, que toca aqui, além do sax tenor, alto e
piano, sempre gostou de estar ao lado de cordas e seu som flui com potência e
foco neste encontro. São seis enérgicas peças, com cerca de uma hora de
duração. O título do álbum,
Oils, vem de uma história contada por Mezei, de que,
na hora de negociar a gig com Gayle, ele topou, mas fez uma exigência: ser
presenteado com uma garrafa de azeite de oliva quando se encontrassem. O álbum
sai nesta sexta-feira, em CD e digital.
Legend of e'Boi (The Hypervigilant Eye)
Darius Jones
AUM Fidelity
Após editar o ambicioso
fLuXkit Vancouver (its suite butsacred), composição para sexteto que liderou a lista de melhores de 2023 do
FreeForm, FreeJazz, Darius Jones retorna de forma mais enxuta e direta – mas não
menos excitante. Seu novo registro,
Legend of e’Boi (The Hypervigilant Eye), apresenta
um trio que coloca seu sax alto para trabalhar ao lado de Chris Lightcap
(baixo) e de seu antigo parceiro Gerald Cleaver (bateria). São seis excelentes novas
faixas assinadas por Jones (na verdade, uma delas, “No More My Lord”, é um
arranjo baseado em uma
prison song. Esta peça é profundamente tocante, com o
sax dedilhando com vagar uma melodia simples e melancólica, enquanto o baixo
corta o espaço com hipnotizante uso do arco, que nos conduz à explosão final –
arrepiante). Os temas relativamente longos, oscilando entre 8 e 11 minutos, gravados
no The Bunker Studio, Brooklyn (NYC), permitem que ele exiba seu sax em toda sua
versátil força expressiva, embalado pelas fundamentais pulsações de Cleaver e o dedilhado envolvente de Lightcap.
Legend of e’Boi faz parte de um projeto mais
amplo de Jones, iniciado com “Man’ish Boy” em 2009: é a sétima parte de um
programa que se propõe a alcançar 9 capítulos, formado por um conjunto de
discos que ele tem gravado como líder nessa década e meia. E, mais uma vez, vai
ser difícil Darius Jones não aparecer em muitas listas de melhores do ano. Lançado
hoje em CD, digital e LP (edição limitada de 600 cópias).
---------
*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em
Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por
alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou
também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos
anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de
liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo
Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live
in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)