Darius Jones: um artista sem medo de criar


LANÇAMENTOs O saxofonista Darius Jones comanda um afiado sexteto nesta sua mais recente irresistível obra... 


 

Por Fabricio Vieira


Este foi um ano em que uma linhagem da free music teve destaque especial: os trabalhos com perfil composicional. Nem só de improvisação livre se vive os melhores momentos da música criativa. Nem todo mundo vai explorar vias composicionais e isso não é um problema, claro. Mas não é acaso que muitos dos melhores trabalhos editados em 2023 tenham sido fruto de reflexões mais pausadas, ido além do juntar parceiros e improvisar – há algo muito intenso acontecendo por esses campos, fácil notar. E o saxofonista Darius Jones foi um dos que brilharam aí.

Darius Jones é um cara que tem feito sua carreira no tempo necessário. Aos 45 anos, diferentemente de muitos de seus pares no free jazz, conta com uma relativamente enxuta discografia, com apenas cerca de uma dúzia de títulos. A estreia deste saxofonista vindo da Virginia ocorreu em 2009, com o muito elogiado “Man’ish Boy” (AUM Fidelity), quando já havia adentrado os 30 anos de idade. E desde então tem editado certeiros trabalhos, que o levaram em diferentes oportunidades às listas de destaques do ano. Agora ele chega ao que talvez seja sua obra mais importante: fLuXkit Vancouver (its suite but sacred). Fruto de uma parceria com o Western Union, um centro cultural gerido por artistas em Vancouver (Canadá), este trabalho foi desenvolvido durante uma sucessão de residências de Jones por lá entre 2019 e 2022.


Para aproveitar as ideias que vinha desenvolvendo ao máximo, Jones montou um grupo com uma formação muito particular. Junto a seu sax alto estão o antigo parceiro Gerald Cleaver (bateria) e um quarteto de cordas formado pelos canadenses Jesse e Josh Zubot (violinos), Peggy Lee (violoncelo) e James Meger (contrabaixo). Após muitos encontros, o sexteto se reuniu no dia 25 de junho de 2022 no Grand Lux Hall, no Western Union, para a gravação do álbum. O resultado é uma suíte em quatro movimentos, totalizando pouco mais de 45 minutos de música. E que música! Darius Jones utilizou em sua partitura uma linguagem gráfica que ele criou, buscando relacionar o que ouvimos ao como vemos. E por meio desse roteiro gráfico, dessa trilha que os músicos iam percorrendo, com inevitáveis espaços improvisacionais, desenvolveu uma música que se abre ao lírico, adentra passagens camerísticas e atravessa momentos da mais enérgica linhagem free jazzística (como bem mostra a faixa de encerramento, a incandescente “Damon and Pythias”). Do alinhadíssimo trabalho em grupo do sexteto aos pontos de brilhos individuais, fLuXkit Vancouver é um mundo único, que somos convidados a adentrar e só sair quando cada um de seus movimentos terminarem de ser executados. “I needed to stop being afraid as an artist”, vemos Jones dizendo em uma palestra recente. E foi exatamente o que ele fez aqui, abrindo ao máximo suas veias criativas e chegando a um resultado de impacto inescapável. Não há por que ficar narrando o desenvolvimento de cada faixa, os fluxos ondulantes e cortantes das cordas, o pulso justíssimo de Cleaver, os solos precisos do sax...; já que esta música está facilmente disponível em incontáveis canais digitais, ouça, apenas (não deixe de ouvir!). fLuXkit Vancouver (its suite but sacred) foi editado em CD e LP, em uma parceria dos selos We Jazz Records e Northern Spy. Sem dúvida, um dos grandes trabalhos dos últimos anos.

 

 


fLuXkit Vancouver (its suite but sacred)  *****

Darius Jones

We Jazz Records/Northern Spy




 

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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)