CRÍTICAs Novo encontro entre Ivo Perelman e Matthew Shipp, agora com o String Trio, traz momentos da mais fina improvisação livre e criativa...
Por Fabricio Vieira
O Matthew Shipp String Trio ruma para três décadas de
história. O grupo comandado pelo pianista Matthew Shipp é completado pelo
contrabaixista William Parker e o violinista/violista Mat Maneri. A primeira
gravação que fizeram, em agosto de 1996, saiu pelo selo hat Art como “By The
Law Of Music”. Depois viriam “Expansion, Power, Release” (2002) e, mais
recentemente, o brilhante “Symbolic Reality” (2019, Rogueart), um dos melhores
discos daquele ano. Se não gravaram muito com este trio, Shipp, Maneri e Parker
estão envolvidos em uma infinidade de parcerias nessas décadas. Agora, aparece
em novo registro ao lado de um antigo companheiro de batalhas.
Armageddon Flower une o String Trio ao saxofonista Ivo Perelman, em um encontro que ocorreu no dia 10 de setembro de 2024 no Park West Studios, Brooklyn (NYC). Mixado e masterizado por Jim Clouse, o álbum apresenta quatro extensas peças, que variam de 11 a 21 minutos, totalizando pouco mais de 1 hora de fina improvisação livre. O fato de este disco ser assinado por “Ivo Perelman & Matthew Shipp String Trio” e não por “Ivo Perelman/Matthew Shipp/Mat Maneri/William Parker” deve ser levado em conta. O String Trio tem uma vida própria, uma marca expressiva que justifica o fato de ter um nome próprio (e não apenas o sobrenome dos músicos). E se o sax tenor leva o String Trio a ampliar seus caminhos sonoros, o String Trio convida Perelman a adentrar seu território, em um encontro com vibração muito particular, que oscila entre o sombrio e o enérgico, tudo muito equilibrado, sob cuidadoso controle emotivo, mesmo que indo a limites expressivos.
Os títulos das faixas (“Pillar of Light”, “Tree of Life”, “Armageddon
Flower” e “Restoration”) possivelmente levem ouvintes/críticos a serem tentados
a falar em cenas pós-apocalípticas, como se a música fosse uma trilha sonora
pós-armagedom – apesar de eu não crer que esta música tenha surgido a partir de
tal impulso, nem que ela deseje ilustrar sonoramente um processo
narrativo-imagético. De qualquer forma, diz Perelman: “Listening to this music
is akin to reading the Book of Revelations in the Bible. I called it Armageddon
Flower as an attempt to instill some hope amidst the hysteria of the times and
contemplating our own extinction as a human species. This music has drama but
also has the light of being saved, of the savior, whoever or whatever that is”.
Em entrevista ao site PostGenre, Perelman explicita bem como
lida com a criação musical, com a improvisação, dizendo especificamente sobre
esta gravação: “To get there, I have to give up control. So, I just went into
the studio, and from the first note of the session onward, I gave up control. I
thought, I’m not here. This is not happening. This is a dream. Just keep
sleeping until you wake up. And that’s what happened. The whole session was
like a long, beautiful dream. I did nothing but keep dreaming. I didn’t even
register moving my fingers. It was a dream”. É a esse universo de devaneio que
eles nos convidam a mergulhar e se perder, momentos de recompensa impagável que
nos fazem lembrar aonde a arte pode nos levar. Armageddon Flower acaba de ser
editado pelo selo Tao Forms, em digital e CD.
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez Mestrado em
Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por
alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou
também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos
anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de
liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo
Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live
in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)