Encerramos o ano com nosso Top 10, listando álbuns
imperdíveis lançados em algum momento de 2019. Mais do que simplesmente querer
apontar os melhores discos editados no ano, o que se pretende é
indicar títulos que deveriam ser obrigatoriamente degustados pelos apreciadores
da música livre e criativa...
Por Fabricio Vieira
Chegamos ao fim de 2019 com nosso Top 10. A ideia que motiva fazer
anualmente uma lista dessa é destacar álbuns que devem ser obrigatoriamente
ouvidos por quem se interessa por free music. Claro que a lista poderia ter
facilmente 20 ou mesmo 30 títulos; o universo free jazz/free improvisation
continua nos surpreendendo e estimulando nossa escuta a cada ano, mesmo com
esta música alcançando já seis décadas de história. Como costuma ser, o Top 10
do FreeForm, FreeJazz inclui discos editados, em qualquer formato,
durante o ano corrente – no caso, 2019. Todos os selecionados foram escutados repetidas vezes, mas alguns
acabaram não resenhados neste espaço por falta de tempo mesmo; dos resenhados, apenas os que receberam 4
e meia ou 5 estrelas entraram na seleção final. Uma menção honrosa, extra lista: GTM
(Syntax) 2017, de Anthony Braxton, editado em janeiro pelo selo New Braxton
House. Este é um sensacional e extenso trabalho (são quase 12 horas de música!) que mostra a
genialidade da escritura de Braxton, neste caso focada apenas em música vocal –
a questão é que não se trata de um trabalho que pode ser catalogado como free
jazz/free impro.
É sempre bom ver artistas de diferentes países trazendo vitalidade à
free music. Abrimos o nosso Top 10 destacando o encontro do saxofonista chinês Lao
Dan com os norte-americanos Paul Flaherty, Randall Colbourne e Damon Smith
em uma enérgica gravação ao vivo na Willimantic Records. Do Brasil, vem o
último título do duo Radio Diaspora, Cachaça!; desta vez, Romulo Alexis e
Wagner Ramos receberam os convidados Thayná Oliveira (violoncelo), Paola Ribeiro
(vocal) e Luiz Viola (teclados) para criar um potente e inventivo registro, que
merece ser descoberto lá fora. Nossa lista segue rumo ao topo com Baikamo, novo
registro do duo de piano e bateria formado pelos japoneses Satoko Fujii e Taysuya Yoshida, que mostra toda a força
desse projeto criado no início dos anos 2000. A trompetista Jaimie Branch volta com
seu impressionante projeto Fly or Die, nos ofertando um segundo capítulo de uma
música que se revela a cada escuta como estando em seu auge inventivo. Da
Noruega vem um brilhante testemunho do final dos anos 1990: com um ainda não
muito famoso Paal Nilssen-Love nas baquetas, The Quintet apresenta veteranos e
novatos da incrível cena norueguesa em ação; esse arquivo (cinco discos) era
inédito em grande parte e apresenta um free jazz de altíssimo impacto. Na
celebração de suas cinco décadas de vida, o The Art Ensemble of Chicago editou
um título comerorativo, We Are on the Edge, no qual os únicos dois sobreviventes
do grupo, Roscoe Mitchell e Famoudou Don Moye, reuniram uma série de convidados
para criar novas peças. A vitalidade que ainda emana do AEC permeia todo este
disco duplo e, afortunadamente, tivemos a oportunidade de sentir um pouco dessa
música ao vivo nos concertos que o grupo fez no Brasil há poucos meses. Já o baterista Whit
Dickey apresentou neste ano um de seus mais intensos trabalhos, The Tao
Quartets. Em CD duplo, com dois quartetos distintos, Dickey mostra que não é
apenas um dos grandes percussionistas de sua geração, podendo nos surpreender
com projetos vitais como este. Matthew
Shipp, um dos nossos favoritos desde sempre, reuniu em Symbolic Reality seu String
Trio. Ao lado de William Parker (baixo) e Mat Maneri (viola), Shipp apresenta uma música algo camerística,
em que a improvisação se desenvolve por vias descorcertantes. Na vice-liderança, aparece a violoncelista Tomeka Reid que, em seu auge, parece ter encontrado a formação
perfeita com este quarteto. Acompanhada por Mary Halvorson (guitarra), Jason
Roebke (baixo) e Tomas Fujiwara (bateria), a violoncelista de Chicago tem o
grupo ideal para desenvolver suas ideias neste Old New. E ao topo, volta ela: Matana Roberts
e seu projeto Coin Coin. Depois de anos de espera, Matana apresentou Memphis, o
quarto capítulo de Coin Coin e, mais uma vez, mostrou por que é uma das artistas
mais geniais deste século. Destacamos ainda a “reeedição do ano”, com o resgate
de dois importantes títulos de 1964 do mito Albert Ayler (em “Spirits To Ghosts
Revisited”), e o “show do ano”, com John Zorn e o New Masada deixando o público
extasiado com alguns dos momentos maiores já vistos em nossos palcos. Boas audições.
Top 10 - 2019
10. LIVE AT WILLIMANTIC RECORDS
Lao Dan/ Paul Flaherty/ Colbourne/ Smith
Family Vineyard
9. CACHAÇA!
Radio Diaspora
Independente
8. BAIKAMO
Satoko Fujii / Taysuya Yoshida
Libra Records
7. FLY OR DIE II: BIRD DOGS OF PARADISE
Jaimie Branch
International Anthem
6. EVENTS 1998-1999
The Quintet
PNL Records
5. WE ARE ON THE EDGE
The Art Ensemble of Chicago
Pi Recordings
4. THE TAO QUARTETS
Whit Dickey
AUM Fidelity
3. SYMBOLIC REALITY
Matthew Shipp String Trio
Rogueart
2. OLD NEW
Tomeka Reid Quartet
Cuneiform Records
1. COIN COIN CHAPTER FOUR: MEMPHIS
Matana Roberts
Constellation
*Reedição do ano
SPIRITS TO GHOSTS REVISITED
Albert Ayler
ezz-thetics
*Show do ano
JOHN ZORN & NEW MASADA
(Teatro do Sesc Pompeia-SP, outubro)
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e
Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos;
foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com
publicações como Entre Livros, Zumbido e Jazz.pt. Atualmente escreve sobre
literatura e jazz para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns
“Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”,
de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e
Matthew Shipp (SMP Records)