LIVROS – Free Jazz (II)


LIVROs
Trazemos a segunda parte dessa série dedicada a livros sobre free jazz. Desta vez, o enfoque são as obras de perfil crítico-historiográfico... 

 

Por Fabricio Vieira

Após abordarmos na primeira parte desta publicação sobre livros os de perfil biográfico, agora destacamos obras dedicadas à cena free jazzística e suas conexões, com visadas crítica, teórica e historiográfica. Além de abordarem o gênero em si, esses livros se debruçam sobre recortes específicos (temáticos, temporais e espaciais), sobre os coletivos, selos e o que mais rodeia o mundo do free jazz. Se é pouco provável que as livrarias nacionais tenham esses livros à disposição, não é difícil importar (via sites) a maioria deles, além de alguns estarem disponíveis como e-book. Boas leituras.

 

 

As Serious as Your Life

Valerie Wilmer 

Serpent’s Tail (1977/2018, 432 pgs. Inglês)

Uma das obras que podemos enquadrar como clássicos do free jazz, “As Serious as Your Life” não se propõe a ser um livro historiográfico, desempenhando mais o papel de uma crônica de época, escrito por quem viveu in loco os tempos heroicos do free jazz. Jornalista e fotógrafa britânica, Valerie Wilmer desembarcou em Nova York nos anos 60, época em que trabalhava para a Melody Maker. Editado pela primeira vez em 1977, o livro mostra sua particular visão da cena, destacando diferentes figuras que fizeram esse som nascer e se estabelecer. Dividido em cinco partes (subdivididas em dezesseis capítulos), aborda a cena sob diversas perspectivas, destacando em cada seção um tópico, como os pioneiros do free jazz (“Inovators and Inovations”), os bateristas (“Give the Drummer Some!”), as mulheres na cena (“Woman’s Role”), e por aí vai. A obra ganhou algumas reedições, sempre com nova capa, mas o mesmo conteúdo.

 

Free Jazz/Black Power

Philippe Carles/ Jean-Louis Comolli

‎ University Press of Mississippi (1971/2015, 256 pgs. Inglês)

Destacado estudo pioneiro sobre o gênero, “Free Jazz/Black Power” foi escrito a quatro mãos por dois jornalistas nascidos na Argélia, Philippe Carles (1941-2023) e Jean-Louis Comolli  (1941-2023). O livro, publicado na França em 1971, busca abordar a primeira década do free jazz tendo no horizonte suas implicações raciais e sócio-políticas. Em três capítulos — “Não é um problema negro: é um problema branco”; “Notas sobre uma história negra do jazz”; e “Contradições do jazz em liberdade” —, os autores expõem e defendem os laços inseparáveis da new thing com a história e a luta sócio-política afro-americana, concluindo que o free jazz foi uma reação revolucionária em sintonia com o movimento Black Power. De um modo geral, talvez a obra enfatize mais as forças geradoras do free jazz do que a música criada em si. Publicado originalmente em francês, teve importante repercussão na cena europeia da época (foi traduzido em Portugal e na Alemanha ainda na década de 1970; nos EUA, chegou apenas em 2015).


John Coltrane and the Jazz Revolution of the 1960’s

Frank Kofsky

Pathfinder Press (1970/1998. 580 pgs. Inglês)

Neste seu clássico, o historiador Frank Kofsky (1935–1997) vai abordar o jazz avant-garde enfocando a relação dos músicos com a indústria musical, a crítica e a comunidade afro-americana. Em cinco partes, o autor envereda pelas conexões entre free jazz e Black Nationalism, discutindo como essa música foi desprezada pela crítica branca mainstream e o público burguês, que preferiam poder contar com um jazz manso e domesticado. “The Society, the critic” e “Black Nationalism and the Revolution in Music” são os dois capítulos centrais para Kofsky desenvolver sua tese. Na quarta parte, ele se foca no trabalho de Coltrane, trazendo entrevistas feitas com o saxofonista, Elvin Jones e McCoy Tyner. No último capítulo, ele traz Malcom X para a discussão. Esta é uma edição revista e ampliada da versão original, editada em 1970 com o mais preciso título Black Nationalism and the Revolution in Music – apesar de Trane ser o personagem principal do livro, mudar o título para colocar seu nome pareceu algo meio gratuito, marqueteiro.  

 

Black Music

LeRoi Jones (Amiri Baraka)

sobinfluencia edições (1968/2023, 272 pgs. Português)

Reunindo textos de Amiri Baraka (ou LeRoi Jones, como ainda assinava até meados dos anos 60), Black Music: free jazz e consciência negra é um essencial testemunho da primeira década do estilo, de um momento sonoro-cultural revolucionário e único no universo jazzístico. Mais ainda: foi escrito in loco, enquanto as coisas aconteciam em Nova York, por alguém que participava ativamente da cena. Black Music é uma coletânea com textos que formam um todo coeso, provenientes de diversas fontes, como liner notes, ensaios, críticas e resenhas de discos, escritos por Baraka entre os anos de 1959 e 1967. Muito do mais relevante de sua escrita crítica está reunido aqui. O livro já abre com o clássico ensaio O Jazz e a Crítica Branca. “A maior parte dos críticos de jazz é formada por estadunidenses brancos, contudo os músicos de jazz mais importantes não o são.” Livro obrigatório para quem se interessa por esta música, é o único título sobre free jazz traduzido no Brasil.

 

Free Jazz

Ekkehard Jost

Da Capo (1974/1994, 214 pgs. Inglês)

O saxofonista alemão Ekkehard Jost (1938-2017) escreveu este clássico da bibliografia free jazzística no começo da década de 1970. Um pioneiro estudo crítico-estilístico do gênero, este livro aborda em dez capítulos a obra de artistas canônicos, partindo de Charles Mingus, que em meados da década de 50 antecipou alguns “elementos básicos” que depois se sedimentariam na linguagem do free jazz (a destacar sua forma de abordar a improvisação coletiva), segundo o autor, e chegando ao pessoal de Chicago (AACM). Cada capítulo destaca um artista, sendo os outros Coltrane (há dois capítulos dedicados a ele, um deles centrado no período 1965-67), Ornette Coleman, Cecil Taylor, Archie Shepp, Albert Ayler, Don Cherry e Sun Ra. Jost foca sua discussão na música dos personagens selecionados (não em suas vidas), estudando os elementos que fazem a particularidade de cada um deles. Ao se concentrar em peças particulares de cada músico, as analisando em suas marcas técnicas e estéticas, e suas diferenças em relação a outras expressões jazzísticas, o trabalho de Jost se revela uma resposta sólida e analítica aos críticos desse gênero. 

 

Loft Jazz: Improvising New York in the 1970s

Michael C. Heller

University of California Press (2016, 272 pgs. Inglês)

Studio Rivbea, Ali’s Alley, Environ, Studio We, Sunrise Studio. Apesar de não haver uma homogeneidade sonora ou conceitual, com a liberdade em torno do free/jazzístico abrindo sempre novas e amplas possibilidades, o termo loft jazz passou a demarcar um espaço/tempo ligado à cena nova-iorquina na década de 1970. Diferentes espaços comunitários foram abertos naquele período, em galpões e prédios, especialmente no Lower Mahattan, com a participação de veteranos (Sam Rivers, Rashied Ali...) e novos (William Parker, David Murray...) artistas, onde forças se uniram para desenvolver algo que ficaria marcado na história da música livre. O autor divide o livro em duas partes (“Histories” e “Trajectories”) e oito capítulos, nos quais são abordados não apenas o lado histórico da cena, mas suas particularidades estéticas, discursos, a importância do espaço físico nesse processo, o espírito de comunidade, seu legado, dentre outros tópicos. Heller destaca a importância do arquivo guardado e mantido pelo percussionista Juma Sultan, repleto de fitas, flyers, fotos e outros documentos da época retratada no livro. 
 

This is Our Music

Iain Anderson

University of Pennsylvania Press (2007, 264 pgs. Inglês)

Tomando de empréstimo o título de um álbum do quarteto de Ornette Coleman de 1960, This is Our Music aborda as relações do free jazz com a cultura americana – como sinaliza seu subtítulo: Free Jazz, the Sixties, and American Culture. O autor, em cinco capítulos, parte da cena dos anos 50, se centra na década de 1960 e caminha um tanto mais para discutir o quanto o free jazz permaneceu uma cultura underground, lutando contra inimigos (muitos do próprio universo do jazz) para sobreviver e manter sua mensagem pulsando. Em capítulos como “Free Improvisation Challenges the Jazz Canon” e “The Musicians and Their Audience”, discute as interseções entre o free jazz e os movimentos artísticos de vanguarda, as lutas políticas dos anos 60 e as muitas vezes problemáticas relações com a indústria musical, a crítica e o público. Um instigante e valioso ensaio.

 

Free Jazz: La música más negra del mundo

Mariano Peyrou

Cuadernos Anagrama (2024, 160 pgs. Espanhol)

Escrito por um professor de História do Jazz do Centro Superior Música Creativa, de Madri, o livro aborda, de forma introdutória, o free jazz explorando e explicando suas características e particularidades, enfocando especialmente seus primeiros tempos nos Estados Unidos na década de 1960 – avança um pouco apenas em suas últimas páginas para citar músicos contemporâneos herdeiros, de uma forma ou de outra, do free jazz clássico. Trata-se de um ensaio que aborda o gênero apresentando discos e artistas que bem representam as ideias expostas no desenvolvimento de sua tese. Funciona bem como uma discussão, soando como uma palestra apresentada em um colóquio, de leitura ágil.

 

New York is Now! The new wave of Free Jazz

Phil Freeman

The Telegraphy Company (2001, 212 pgs. Inglês)

Primeiro trabalho de fôlego de Phil Freeman (que mais recentemente assinou uma biografia sobre Cecil Taylor), New York is Now! é um instigante livro que enfoca especialmente as décadas de 80 e 90. Com tom de crônica de época, é dividido em 13 capítulos, que formam por sua vez duas partes. A primeira parte busca discutir um pouco da história do free jazz e sua recepção pela mídia e pelo público, com títulos sugestivos como “Mentiras que os críticos de jazz me contaram”. O outro bloco aborda sete músicos: David S. Ware, Charles Gayle, William Parker, Matthew Shipp, Daniel Carter, Joe Morris e Roy Campbell. O autor entrevistou os artistas e os acompanhou em shows e estúdio (testemunhou e relata a gravação de “Corridors e Parallels”, do David S. Ware Quartet, por exemplo), material que utiliza para dedicar um capítulo a cada um deles. Um importante testemunho e registro deste recorte específico da cena, escrito em tom jornalístico, de ágil leitura.

 

Free Jazz Communism

Sezgin Boynik/ Taneli Viitahuhta (org.) 

Rab-Rab Press (2019, 242 pgs. Inglês)

Importante trabalho que revisita um momento de quando o free jazz estava dando seus primeiros passos. O livro é centrado em um evento, como indica seu subtítulo: Archie Shepp-Bill Dixon Quartet at the 8th World Festival of Youth and Students in Helsinki 1962. Este era um grande encontro cultural internacional, apoiado pela URSS. Naquele ano, atraiu um público estimado em 15 mil pessoas. Tudo aqui chama a atenção, já que se tratam de eventos pouco discutidos e documentados, até o fato de Shepp e Dixon estarem no início de sua trajetória, sendo esta a primeira vez que foram convidados para tocar fora de Nova York — o saxofonista conta que foi o Partido Comunista que os selecionou e pagou a viagem. Para contar esta história, a obra convoca diferentes colaboradores e formas diversas de abordagens, de textos sobre o evento, depoimentos de gente que esteve lá (como Angela Davis e Perry Robinson) e uma entrevista recente com Shepp (além de recuperar três importantes textos dele dos anos 60).

 

A Power Stronger Than Itself: The AACM and American Experimental Music

George E. Lewis

University of Chicago Press (2009, 728 pgs. Inglês)

Uma das obras mais importantes escritas sobre o universo do free jazz. A Power Stronger Than Itself: The AACM and American Experimental Music é fruto de uma ampla pesquisa que só alguém como o  George E. Lewis poderia ter realizado: trombonista e compositor, é membro da AACM desde 1971, vivendo aquele mundo nas internas; como acadêmico, é professor do Departamento de Música da Columbia University e tem desenvolvido pesquisa na área musical há décadas. Este é o livro definitivo sobre a AACM, enfocando toda sua história, desde antes de sua formação, com a cena de Chicago que daria os frutos do coletivo se formando ainda na década de 1950, até o trabalho de gerações mais recentes ligadas ao coletivo. Entrevistas, análises críticas da música e arte nascidas nas franjas da AACM, bastidores e histórias que só quem esteve lá dentro poderia contar: nada escapa à pena de Lewis. Em doze capítulos, uma viagem ampla e profunda por entre um dos pilares fundamentais da música livre e criativa, ricamente documentado.      

 

Sound Experiments: The Music of the AACM

Paul Steinbeck

University of Chicago Press. (2022, 304 pgs. Inglês)

Por que alguém escreveria um livro sobre a AACM após o trabalho monumental de George E. Lewis? Paul Steinbeck, autor de “Message to Our Folks”, sobre o Art Ensemble of Chicago, deve ter se feito esta pergunta muitas vezes. Ele não desistiu de sua ideia, mas buscou um outro caminho, que justificasse seu trabalho. Sua proposta não é contar de novo a história do lendário coletivo. O que ele faz em Sound Experiments é falar sobre a música feita na AACM. Para isso, em nove capítulos, faz uma análise crítico-musical de obras selecionadas, uma ou duas por capítulo. Elas aparecem em uma sequência histórica, indo de “Sound” (1965), de Roscoe Mitchell, no capítulo 1, a “Mandorla Awakening II: Emerging Worlds” (2017), de Nicole Mitchell, no capítulo 9. Ao se debruçar sobre cada obra, ele aborda também o contexto em que nasceu, sem ignorar a história do artista em questão. Assim, o livro acaba se revelando um bom complemento a “A Power Stronger Than Itself”.

 

Point from wich creation begins: The Black Artists’ Group

Benjamin Looker

Missouri Historical Society Press (2004m 344 pgs. Inglês)

O Black Artists’ Group (BAG) foi uma espécie de AACM de St. Louis. A vida altamente criativa do BAG não foi muito longa, se estendendo de 1968 a 1972. O sonho do coletivo acabou estrangulado por falta de verbas – o Rockfeller Foundation, importante provedor de recursos, decidiu retirar seu apoio ao BAG justificando que a cooperativa estava mais preocupada “com questões de reforma social” do que com “produção artística”. O livro apresenta de forma detalhada, em sete capítulos, todo o percurso do BAG, de sua formação à desintegração. Pelo BAG passaram Julius Hemphill, Oliver Lake, Floyd LeFlore, Baikida Carrol, Charles Shaw, Joseph Bowie... Mas não só de música se fez sua história: teatro, dança, poesia e artes plásticas eram elementos tão importantes quanto por lá. Adendos preciosos, como uma discografia detalhada do BAG e fotos raras, complementam o relato.

 

The Dark Tree

Steven L. Isoardi

Duke University Press (2006, 456 pgs. Inglês)

Afora os mais conhecidos AACM (em Chicago) e BAG (em St. Louis), outros coletivos ligados ao free jazz surgiram à época. Em Los Angeles, tendo como idealizador o pianista Horace Tapscott (1934-1999), se estabeleceu um dos mais importantes desses coletivos, o Union of God’s Musicians and Artists Ascension (UGMAA). Como seu centro sonoro, estava a Pan Afrikan Peoples Arkestra, uma orquestra (às vezes chamada apenas de Ark) que deixou uma música de cores únicas. Mas o UGMAA não se tratava apenas de música. O trabalho comunitário e educacional do projeto foi fundamental, especialmente entre as décadas de 1960 e 90. Steven L. Isoardi busca em seu livro abarcar todas essas dimensões – não à toa, seu subtítulo é Jazz and the Community Arts in Los Angeles. Em 12 capítulos, indo de “The Legacy of Central Avenue and the 1950s Avant-Garde in Los Angeles” ao epílogo “The Post-Horace Pan African Peoples Arkestra”, o livro oferece uma ampla investigação dessa história.  

 

Free Jazz in Japan: a personal history

Soejima Teruto 

Public Bath Press (2018, 367 pgs. Inglês)

Editado originalmente no Japão em 2002, “Nihon Free Jazz-shi (História do Free Jazz japonês)”, de Soejima Teruto (1913-2014), levou quase duas décadas para ganhar sua ansiada versão em inglês (o livro se tornou verdadeira lenda entre os aficionados ocidentais que não tinham como lê-lo). Sob o título Free Jazz in Japan: a personal history, o livro traz a visão pessoal de um crítico e produtor que viveu a cena japonesa nas internas desde seus primórdios em meados da década de 1960. Não é um livro de história strictu sensu, mas composto de relativamente breves capítulos que vão enfocando momentos e protagonistas que fizeram o free jazz japonês surgir e se estabelecer, oferecendo um panorama único (que o torna obrigatório em qualquer estante de fãs de free jazz) dessa fascinante cena. O prefácio é assinado por Otomo Yoshihide. 

 

Northern Sun, Southern Moon: Europe’s Reinvention of Jazz

Mike Heffley

Yale University Press (2005, 390 pgs. Inglês)

O pulsante cenário do free jazz europeu, de suas origens até seu estabelecimento, é investigado pelo pesquisador Mike Heffley, professor da Wesleyan University, nesta ambiciosa obra. O autor defende que a free music europeia nasceu germinada pelo free jazz dos EUA, mas buscou e não tardou a encontrar um rumo próprio. Para sustentar suas teses (vale dizer que o livro tem um tom acadêmico, algo duro por vezes), ele faz um resgate histórico da música no continente, sempre atento aos contextos social, cultural e mesmo político, onde surgiu toda uma geração genial que ofereceu uma nova visão da música instrumental e da liberdade criacional e interpretativa. O denso estudo é dividido em três extensas partes: “Emancipation I: From Hierarchy”; “Emancipation II: To Panarchy”; e “Emancipation III: The Archaic Freedom”, nas quais o autor opta por se focar em músicos e locais específicos (além das regiões mais tradicionais de onde brota o free europeu, ele destaca a Tchecoslováquia, a Rússia e a Polônia).

 

Beyond Jazz: The Golden Age of Free Music in London

Trevor Barre

Improvmusic (2015, 295 pgs. Inglês)

Na Europa, ainda em meados da década de 1960, algumas cenas foram se estabelecendo, com músicos desenvolvendo novas possibilidades de exploração sonora que desembocaram no que seria conhecido como free improvisation. Nesse percurso, algumas cenas  ganharam força mais rapidamente, dentre elas, a da Inglaterra. É um recorte desse cenário que Trevor Barre vai explorar neste inédito estudo. Beyond Jazz: The Golden Age of Free Music in London resgata, em oito capítulos, um pouco da história do free londrino destacando o período entre 1966 e 1972. Começando na cena jazzística que veio antes do free, o autor vai se focar em protagonistas que fizeram esta música nascer por lá, destacando em cada capítulo um recorte, como o Spontaneous Music Ensemble em “Spontaneous Combustion”, Derek Bailey e Evan Parker em “The In(cus)-Crowd” e Iskra 1903 e os grupos de Tony Oxley em “The Supergroups”. O trabalho de Barre ganhou uma segunda parte, “Convergences, Divergences and Affinities: The Second Wave of Free Improvisation in England”, livro este dedicado aos anos de 1973 a 1979.

 

European Echoes: Jazz Experimentalism in Germany

Harald Kisiedu

 Wolke (256 pgs. Inglês)

Aqui a cena europeia focada é a da Alemanha. European Echoes: Jazz Experimentalism in Germany investiga o avant-garde jazz desenvolvido em um dos locais mais frutíferos para esta música, abordando o período que vai de meados da década de 1950 até 1975. Harald Kisiedu, que é professor do Instituto de Música da Osnabrück University, além de saxofonista, transita por história, biografias e análise crítica para construir este painel da free music alemã, entendendo esta a partir de suas conexões com o free jazz clássico dos EUA, ou seja, como uma continuidade e não uma ruptura, como outros críticos preferem defender. Para seu painel histórico, o autor se detém, em cada um dos 3 capítulos do livro, em alguns protagonistas, explorando mais suas biografias e obras. São eles: Peter Brötzmann (capítulo 1); Alex von Schlippenbach/Mafred Schoof (capítulo 2); e Ernst-Ludwig Petrowsky (no 3; este é um dos pontos de destaque: ele aborda também a produção da Alemanha Oriental). Importante livro, que deixa no ar a vontade de que fosse mais extenso e abrangente.

 

Chants Libres: Le Free Jazz en France

Vincent Cotro

Outre Mesure (1999, 288 pgs. Francês)

A França ocupa um lugar fundamental na história do free jazz. Afora os músicos destacados que vieram de lá, foi para Paris que muitos pioneiros do free jazz migraram no fim da década de 1960, quando a vida para eles estava mais difícil nos EUA, fermentando a cena local. Foi lá que surgiu também dois selos fundamentais para o registro desta música, o BYG e o Palm. Por isso, um livro dedicado à cena free francesa desperta não pouco interesse. Vincent Cotro examina o período principal desta história, entre 1960 e 1975, destacando como esta música foi ganhando espaço e se estabelecendo no país. O autor acompanha o contexto cultural e intelectual que permitiu o florescimento dessa música na França, entrevistando muitos de seus protagonistas, como François Tusques, Jean-Louis Chautemps e Michel Portal. Do pioneiro Jef Gilson aos coletivos que marcaram a entrada na década de 70, um panorama dos tempos áureos do free francês.

 

New Dutch Swing

Kevin Whitehead

Billboard Books (1998, 352 pgs. Inglês)

Quando se fala na cena free holandesa difícil não pensar em teatralidade e senso de humor. Tendo o percussionista Han Bennink na linha de frente, a trupe dos Países Baixos marcou época, com um espírito muito próprio, desde os tempos iniciais de consolidação do free europeu. Kevin Whitehead — que é estadunidense, mas viveu durante quatro anos na Holanda para escrever o livro —  apresenta esta história de forma descontraída, abarcando aproximadamente três décadas de música. Para sua obra, ele fez cerca de 50 entrevistas, com muitos protagonistas locais (como Misha Mengelberg, Willem Breuker, Maarten Altena, Ab Baars e Bennink), além de estrangeiros (Butch Morris, Evan Parker, John Tchicai) que gravitaram em torno desta cena. A isso somam-se inúmeras visitas a jam sessions, concertos e apresentações em clubes, que permitiram que ele mergulhasse profundamente naquele universo tão particular. O livro ganhou uma edição comemorativa de 25 anos, apenas em e-book.

 

Perpetual Frontier: The Properties of Free Music
Joe Morris

Riti (2012, 192 pgs. Inglês)

O guitarrista Joe Morris mostra neste livro sua face de pensador da free music. A obra se estrutura em três partes, sendo as duas primeiras mais teóricas. Na primeira delas, “The Properties of Free Music”, Morris discute técnicas e características da free music. “Free music is not different than any other art form in that it is made with technique, governed by aesthetics, and presented by a self-directed culture”, diz. A parte seguinte, “Example Methodologies”, é dedicada a discutir, em quatro seções, teorias e conceitos desenvolvidos por outros músicos: Unit Structures, focado em Cecil Taylor; Harmolodics (Ornette Coleman); Tri-Axiom Theory (Anthony Braxton); e European Free Improvisation (sobre as ideias europeias). O livro fecha com “Questionnaire”, sendo a parte mais leve da obra. Aqui, Morris apresenta as respostas de 15 artistas (dentre os quais Mary Halvorson, Ken Vandermark, Marilyn Crispell, William Parker, Joe McPhee e Nicole Mitchell) a um questionário elaborado por ele com sete questões sobre suas experiências como músicos. 

 

The House That Trane Built: The Story of Impulse

Ashley Kahn

W. W. Norton (2007, 340 pgs. Inglês)

Diferentemente do que ronda certo imaginário, o Impulse! não foi um selo dedicado ao free jazz, tampouco ao avant-garde jazz. Muita coisa de outras searas jazzísticas formam seu catálogo. Talvez essa percepção exista por ter sido a casa do principal (e mais radical) que John Coltrane produziu. E, por influência direta dele, abrigou joias de figuras centrais do free, a ver Pharoah Sanders, Marion Brown, Archie Shepp, Alice Coltrane, Sun Ra e outros. Assim, para quem se interessa por free jazz, este livro tem bastante interesse. O competente Ashley Kahn – que também assina o livro imperdível dedicado à obra-prima A Love Supreme – faz um excelente trabalho nesta narrativa sobre o Impulse, englobando toda sua história. Em cada um de seus 8 capítulos, que se sucedem cronologicamente contando as glórias e fracassos do selo e seus produtores, ele dá ênfase a alguns álbuns, trazendo depoimentos e saborosos bastidores deles (talvez o sobre “Karma”, de Sanders, seja o melhor).

    

 Always in Trouble: an oral history of ESP-Disk

Jason Weiss

Wesleyan University Press (2012, 304 pgs. Inglês)

Sonny Simmons, John Tchicai, Gary Peacock, Milford Graves, Sunny Murray, Marion Brown, Alan Silva, Giuseppi Logan, Burton Greene, Sirone: esses foram alguns dos personagens que Jason Weiss entrevistou para contar a história do ESP-Disk. O mítico selo, criado em julho de 1964 pelo advogado Bernard Stollman, teve uma década de vida (depois de muito tempo voltaria à ativa) e, com suas capas em tons de PB, deixou registrados muitos dos principais momentos do free jazz, em mais de 100 títulos em sua primeira histórica fase. Weiss, como indica o subtítulo, redigiu o livro como uma história oral, ou seja, formou os capítulos com longas entrevistas pouco editadas, deixando os protagonistas contarem o que quisessem sobre o selo – e não são apenas elogios e saudosismos: músicos como Sunny Murray descem a lenha no selo e seu fundador, acusando-o de não pagar direitos autorais, mentir sobre vendas etc. Um testemunho fundamental para os interessados na história da música livre.

 

Free Jazz and Free Improvisation: An Encyclopedia

Todd S. Jenkins

Greenwood Press (2004, 468 pgs. Inglês)

O jornalista Todd S. Jenkins redigiu esta ampla e bem documentada enciclopédia dedicada à free music. O livro é dividido em dois volumes, com muitas dezenas (centenas?) de verbetes que abrangem instrumentistas, grupos, selos, gravadoras, buscando abarcar os diferentes aspectos e protagonistas dessa seara musical. Jenkins aborda tanto nomes canônicos (Ornette, Ayler, Brötzmann, Cecil Taylor) quanto nomes que surgiram até o fim do século XX. Os brasileiros estão representados por seus dois maiores nomes na seara free: Ivo Perelman e Márcio Mattos. Porém, apesar da pesquisa que demonstra ser cuidadosa e extensa, o autor deixou lacunas pelo caminho, como a falta de data de nascimento de alguns músicos ou morte de outros. Destaca-se também certa escassez de personagens da fundamental cena japonesa. Infelizmente fora de catálogo e, ao que parece, sem versão ebook.

 

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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez Mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Record)