LIVROs Apresentamos um amplo levantamento de livros dedicados
ao free jazz. Nesta primeira publicação, o enfoque são as biografias...
Por Fabricio Vieira
Quem busca informações mais amplas e profundas sobre o
universo do free jazz em livros conta hoje com uma relativamente ampla
bibliografia disponível. Tanto os livros dedicados à cena free jazzística –
críticos, teóricos e históricos – quanto aqueles sobre músicos específicos formam
um interessante painel informativo que nos ajuda a melhor compreender e se
aproximar desse radical gênero musical. Claro que falta muita coisa e diversos
artistas a serem abordados ainda. Mas nos últimos anos muitas lacunas têm sido
preenchidas. Infelizmente, nenhum desses livros está disponível em
português: quem sabe alguma editora não se inspira vendo essa lista cheia de
títulos realmente bons. Trazemos abaixo livros dedicados a artistas do free jazz,
trabalhos de perfil biográfico ou crítico-biográfico (vale dizer que não está
listado tudo que já foi publicado; Anthony Braxton, Sun Ra e John Coltrane, por exemplo, têm outros
títulos dedicados a eles, mas, nesses casos, a ideia foi garimpar o que parecia
mais imperdível). Em uma outra publicação – parte II – serão apresentados os
livros fundamentais dedicados à cena free jazzística e suas muitas conexões. Não
imagino que o leitor encontre esses livros disponíveis em nossas livrarias. Mas
não é difícil importar (via sites) parte deles, além de alguns estarem disponíveis
como e-book. Boas leituras.
“Ornette Coleman: A Harmolodic Life”
John Litweiler
Quartet Books/William Morrow & Co (1992, 258 pgs. Inglês)
Primeiro livro de maior fôlego a abordar a trajetória do
pioneiro do free jazz Ornette Coleman (1930-2015). Ex-editor da DownBeat, John Litweiler
teve a oportunidade de entrevistar Coleman em diferentes oportunidades
(vantagem de escrever um livro enquanto o artista está vivo), além de ouvir
parentes e músicos com quem ele trabalhou, para compor esta biografia. O autor
busca, enquanto oferece uma apresentação mais ampla sobre o personagem, também
adentrar sua música, sem esquecer sua teoria e filosofia musical (“Harmolodics”).
Partindo de seus anos de formação em sua cidade natal, Fort Worth, no Texas,
quando começou a tocar saxofone, o acompanha até o período em que trabalhava na
trilha de “Naked Lunch”. Seria ótimo se o livro tivesse recebido uma
atualização, lembrando que Coleman viveu ativamente por mais de duas décadas
após sua publicação.
“Ornette Coleman: His Life and Music”
Peter Niklas Wilson
Berkeley Hills Books (1999, 244 pgs. Inglês)
Livro introdutório à vida e obra musical de Ornette Coleman.
Escrito pelo alemão Peter Niklas Wilson (autor também de biografia sobre Albert
Ayler), este livro (publicado originalmente em alemão e aqui traduzido para o
inglês) pode ser dividido em duas partes. Na primeira metade, é abordada a vida
do saxofonista, de forma algo linear, e suas criações musicais e teóricas. Na
segunda parte, são listados e resenhados cada um de seus discos, tanto os como
líder quanto os (mais raros) nos quais atua como convidado. É uma interessante
obra para se ter, mas algo complementar, sem a pretensão de ser um registro
amplo e definitivo de Coleman.
“Ornette Coleman: The Territory and the Adventure”
Maria Golia
University of Chicago Press (2020, 368 pgs. Inglês)
Mais recente estudo biográfico de Ornette Coleman, é também
o mais abrangente. Cobrindo toda sua história, traz novas visões, relatos e,
inevitavelmente, anedotas em torno de um dos criadores do free jazz. Importante
as conexões que a autora faz entre o artista e seu entorno, geográfico, cultural e
social, e como isso se reflete em sua obra a cada fase. Maria Golia destaca
pontos interessantes desta trajetória, como suas primeiras passagens pela
Europa, o encontro no Marrocos com os mestres músicos de Joujouka e o período
de seu loft, o Artists House. Ela dá espaço maior também para o centro cultural
Caravan of Dreams, na cidade natal de Coleman, Fort Worth, Texas, ao qual ele
esteve ligado, participando inclusive de sua inauguração (retratada no
documentário “Made in America”).
“Forces in Motion”
Graham Lock
Da Capo Press/Dover (1988/2018, 412 pgs. Inglês)
Este clássico livro não é propriamente uma biografia, mas
traz um recorte íntimo de Anthony Braxton que o torna fundamental para
compreender sua arte. O livro foi gestado a partir do acompanhamento, feito
pelo autor, de uma turnê de onze dias do quarteto de Braxton – que contava
então com Marilyn Crispell, Mark Dresser e Gerry Hemingway – pelo Reino Unido,
em 1985. Bastidores, entrevistas, críticas e notas dos shows compõem a obra. Grande
testemunho de um período e oportunidade para ver Braxton mais informalmente,
fora do palco. Foi editado originalmente com o subtítulo “The Music and
Thoughts of Anthony Braxton”; em sua edição comemorativa (e ampliada) de 30
anos recebeu outro, “Anthony Braxton and the Meta-reality of Creative Music”.
“New Musical Figurations: Anthony Braxton’s Cultural
Critique”
Ronald M. Radano
University of Chicago Press (1993, 336 pgs. Inglês)
A proposta de Ronald Radano neste seu livro é bastante
instigante. Partindo de entrevistas, realizadas com Anthony Braxton em dois
períodos – 82/84 e 89/90 –, ele cria um estudo artístico-biográfico focando
principalmente a história do compositor entre a década de 1960 e meados de 1980.
Partindo do efervescente cenário musical de Chicago nos anos 60, o autor
apresenta o percurso de Braxton (seus ídolos, estudos, motivações) em sua
formação e na estruturação de seu pensamento e obra, com um resultado muito bem
elaborado. Fundamental para desvendar os pilares que fundamentam a obra
braxtoniana e compreender os rumos que tomou depois. Apêndices com a ficha da
discografia completa (até o início dos anos 90) e com os “pictures titles” das
composições complementam a edição.
“Anthony Braxton: Creative Music”
Timo Hoyer
Wolke Verlag (2021, 728 pgs. Alemão)

Um livro de fôlego único sobre Anthony Braxton. A ideia do
alemão Timo Hoyer, a princípio, quando começou a conceber o livro em 2018, era
produzir um estudo sobre o desenvolvimento musical de Braxton dos anos 90 para
cá, que ele considerava pouco abordado na bibliografia já existente sobre o
artista. Mas, enquanto foi levantando material sobre Braxton e sua música, viu
que poderia fazer algo de muito mais fôlego, disse ele em entrevista. Para sua
empreitada, o autor se debruçou sobre centenas de gravações editadas e inéditas
(a que teve acesso), entrevistas, artigos, ensaios, além dos escritos do
próprio Braxton (diz ele que também tinha amplo acesso ao músico para tirar
dúvidas, esclarecer coisas). O resultado rendeu mais de 700 páginas, divididas em
duas partes. A primeira, chamada “Vida Criativa”, tem uma abordagem biográfica
do saxofonista e compositor, contando sua história desde a infância. A segunda
parte, “Músicas Criativas”, enfoca a obra de Braxton em suas diferentes
configurações, das composições às suas visões estéticas e conceituais. Editado
por ora apenas em alemão, aguarda-se com ansiedade uma tradução para o inglês, que permita
que esta obra prometedora alcance mais leitores.
“Message to Our Folks”
Paul Steinbeck
University of Chicago Press. (2017, 336 pgs. Inglês)
O Art Ensemble of Chicago é um dos pontos nevrálgicos do
free jazz e é surpreendente que tenha levado tanto tempo para o grupo ter uma
biografia à sua altura.
Message to Our Folks conta a história do AEC e seus
membros desde antes de sua formação oficial, quando estavam em Chicago, em
torno da AACM, com bastante espaço para os fundamentais anos em que viveram na França, a partir
do fim dos anos 60. São nove capítulos. O núcleo do livro aborda a trajetória
do grupo principalmente até meados da década de 80 (a partir daí, há passagens
mais rápidas, especialmente abordadas no capítulo de conclusão), com algumas de
suas obras sendo analisadas de forma mais profunda no caminho. Excelente
trabalho para compreender melhor a trajetória do AEC e de seus cinco lendários
protagonistas.
“John Coltrane: His Life and Music”
Lewis Porter
University of Michigan Press (2000, 448 pgs. Inglês)
Há uma infinidade de livros sobre John Coltrane (1926-1967),
focando os mais variados aspectos de sua vida e obra. Mas algo que vale
destacar neste abrangente e detalhado livro — considerado por não poucos como
sua mais completa biografia — é o espaço dado à sua última fase criacional,
quando o free jazz se torna, de fato, seu veículo expressivo central. Destaque
também para a cobertura de seus últimos momentos e a revelação de seus planos
futuros mais próximos, como a criação de um espaço cultural em New Jersey, para
o qual Trane já estava inclusive visitando alguns endereços. Provavelmente o
fato de
John Coltrane: His Life and Music ter sido editado décadas após a morte
do saxofonista, com uma infinidade de livros que o antecederam servindo de
referência para erros e acertos, tenha favorecido seu elogioso resultado final.
“Ascension: John Coltrane and His Quest”
Eric Nisenson
Da Capo Press (1995, 278 pgs. Inglês)
Este ensaio biográfico traz em seu nome nada menos que a
obra-prima free jazzística de John Coltrane.
Ascension tem por premissa que a
vida (e música) de Coltrane se desenvolveu como uma busca espiritual. Para
investigar isso, acompanha sua história (passando muito rapidamente até seu
encontro com Miles) indo até seu pós-morte, falando sobre sua influência e
reflexo na música que veio depois dele. O livro é relativamente conciso, mas
instigante, sendo dividido em duas partes. Na primeira, “Resolution”, o acompanhamos
até a concepção de A Love Supreme. Na segunda, “Pursuance”, o seguimos pelos seus
anos finais, quando sua linguagem se radicaliza (esta é a parte mais
interessante, período mais explorado aqui que em boa parte de outras biografias
do saxofonista). “
As his music became freer, Coltrane increasingly took on the
hole of shaman, not just playing his horn but now leading a quasi-religious
ritual.” Eric Nisenson também escreveu biografias de Miles Davis e Sonny
Rollins.
“Monument Eternal: The Music of Alice Coltrane”
Franya J. Berkman
Wesleyan University Press (2010, 160 pgs. Inglês)
Alice Coltrane (1937-2007) ainda carece de mais livros e
estudos dedicados a ela e sua obra. Este pioneiro trabalho de Franya J.
Berkman, professora do Departamento de Música do Lewis & Clark College,
morta precocemente em 2012, é um marco inicial importante que já deveria ter
dado outros frutos. Focado na evolução da música de Alice, mais do que em fatos
cotidianos, o livro aborda especialmente sua etapa musical central, da estreia
em 1968 até meados dos anos 1970, dando atenção extra a alguns álbuns, como
“Universal Consciousness”. Muito rico também é o capítulo inicial, que aborda a
formação e o início da vida musical dela em Detroit, antes de ir para NY e se
unir a Coltrane. Berkman, que chegou a entrevistar Alice para o trabalho, não
deixa de falar de seu período devocional, tendo inclusive conversado com
pessoas que faziam parte de seu Ashram. Breve, mas competente, apresentação da
arte de Alice Turiyasangitananda.
“In the Brewing Luminous: The Life & Music of Cecil
Taylor”
Philip Freeman
Wolke Verlag (2024, 344 pgs. Inglês)
Este livro veio completar uma sensível lacuna na
bibliografia do universo do free jazz. Uma biografia panorâmica, que vai da
infância à morte do lendário pianista Cecil Taylor (1929-2018), busca se
atentar mais à evolução de sua criação musical do que adentrar pormenores de
sua vida pessoal (apesar de não ignorar sua história de vida), algo acertado se
pensarmos que Taylor foi uma pessoa bastante discreta em relação à sua vida
íntima e cotidiana. O livro é dividido em 11 partes, além de um extenso prefácio,
seguindo uma rota temporal, com cada capítulo abordando um período de sua vida.
Uma sólida apresentação a Cecil Taylor e sua música.
“Spirits Rejoice! Albert Ayler and His Message”
Peter Niklas Wilson
Wolke Verlag (1996/2022, 176 pgs. Inglês)
Esta pioneira biografia sobre o saxofonista Albert Ayler
(1934-1970) foi editada primeiramente em alemão em 1996. Fruto do trabalho do
alemão Peter Niklas Wilson (1957-2003), que também foi contrabaixista de free
jazz, recebeu tradução para o inglês apenas poucos anos atrás. Além de
pesquisas biográficas e discográficas, Wilson, para fazer seu livro, passou uma
temporada nos Estados Unidos nos anos 90 para ver de perto a cena e conversar
com pessoas que conviveram com Ayler, como os bateristas Sunny Murray e Milford
Graves e o baixista Gary Peacock, além de familiares. Uma boa introdução a
Albert Ayler.
“Holy Ghost: The Life & Death of Free Jazz Pioneer
Albert Ayler”
Richard Koloda
Jawbone Press (2022, 304 pgs. Inglês)
Fruto de um trabalho que se arrastou por quase duas décadas, esta biografia conta a história do saxofonista Albert Ayler fazendo
conexões entre vida e obra. Dividido em 21 capítulos, cada um deles traz o nome
de um disco ou uma composição de Ayler, evidenciando os sons que o rodeavam em
cada momento de vida abordado. Koloda começou a idealizar a obra após
entrevistar, para um programa de rádio, o irmão (Donald) e o pai (Edward) de
Ayler – e passar a ter uma visão diferente da que tinha sedimentado sobre o
músico. Koloda é um experiente pesquisador, tendo
mestrado em Musicologia pela Cleveland State University. Ele foi consultor do
documentário “My Name Is Albert Ayler”, de Kasper Collin, e do aclamado box de
raridades “Holy Ghost: Rare And Unissued Recordings (1962–70)”. Um livro
essencial para aprofundar o conhecimento deste gigante da música criativa.
“Universal Tonality: The Life and Music of William Parker”
Cisco Bradley
Duke University Press (2021, 416 pgs. Inglês)
A história do contrabaixista e compositor William Parker,
nascido no Bronx em 1952, é contada de modo mais profundo e amplo pela primeira
vez aqui. O livro é dividido em três capítulos. No primeiro, “Origins”, o autor
busca traçar a história familiar de Parker, suas raízes na África Ocidental,
depois na Carolina do Norte e Carolina do Sul, até chegar a Nova York, onde o
baixista cresceu. O segundo capítulo trata de seu desenvolvimento como
músico profissional e seu percurso na cena loft durante a década de 1970. Já o
terceiro capítulo esmiúça seus principais projetos, desenvolvidos especialmente
a partir dos anos 1990. Um livro para refletir sobre a importância deste
artista na música contemporânea.
“This uncontainable feeling of freedom”
Christian Broecking
Broecking Verlag (2021, 472 pgs. Inglês)
Irène Schweizer: European Jazz and the Politics of
Improvisation é o subtítulo dado para esta biografia da pianista suíça pioneira
do free jazz. Irène Schweizer (1941-2024) recebeu o autor em diferentes
oportunidades na cozinha de sua casa para contar sua(s) história(s), sempre na
companhia de uma xícara de chá. Christian Broecking também entrevistou muitas
pessoas que fizeram parte de seu entorno musical (Jost Gebers, Joëlle Léandre,
Brötzmann, Louis Moholo, Pierre Favre e muitos outros) e, a partir dessas
conversas, arquitetou o livro, de forma bastante oral, destacando muito as
falas de cada um. Assim, de forma linear, mas algo fragmentada, vai montando a
história desta incrível artista, destacando também sua face de ativista,
fundamental para compreendê-la. Editado originalmente em alemão em 2016,
recebeu tradução para o inglês por Jeb Bishop.
“John Tchicai: A Chaos with Some Kind of Order”
Margriet Naber
Ear Heart Mind Media (2021, 200 pgs. Inglês)
O saxofonista dinamarquês John Tchicai (1936-2012), que fez
parte das primeiras ondas do free jazz na Nova York dos anos 60, é tema deste
ensaio biográfico concebido pela sua ex-mulher, Margriet Naber. A autora, para
aproximar o leitor da história do saxofonista, utiliza diferentes recursos,
destacando poemas e partituras de Tchicai, solos transcritos, explorando seu
método de ensino, muitas citações e fotos inéditas. Um livro que não escapa de
memórias afetivas (eles foram casados por cerca de duas décadas) para compor o
retrato artístico de um singular músico.
“Music to Silence to Music: A Biography of Henry Grimes”
Barbara Frenz
Northway Publications (2015, 334 pgs. Inglês)

Henry Grimes (1935-2020) é um dos personagens mais misteriosos
do jazz. O contrabaixista, que estudou música clássica e passou pela Juilliard
School, foi um nome fundamental do jazz por cerca de uma década, a partir do
fim dos anos 50. Esteve envolvido com o free jazz desde seu início, tendo
lançado sua pesada estreia como líder em 1966, “The Call” (ESP). Mas eis que
ele desapareceu da cena de NY em 1969, com o mundo da música só voltando a ter
notícias dele no alvorecer do século XXI, quando um assistente social e fã de
jazz o descobriu morando em um hotel barato em Los Angeles. Tendo ficado a
maior parte de seu tempo incógnito em LA, Grimes se afastou da música, vendeu o
contrabaixo para pagar contas e sobreviveu trabalhando na construção civil, de
porteiro, zelador... Se esta biografia não vai trazer todas as respostas que os
fãs desejam, ela consegue jogar nova luz sobre esta história. A autora alemã
Barbara Frenz conta com fluidez esta instigante história.
“Space Is the Place”
John Szwed
Duke University Press (1997/2020, 512 pgs. Inglês)
Esta é biografia definitiva de Sun Ra (1914-1993).
Dificilmente alguém fará um livro mais completo que este para adentrarmos a
história do lendário artista. John Szwed escreveu a primeira versão desta obra poucos
anos após a morte de Sun Ra, em 1997. Ele conheceu e conviveu com o músico, o
que o ajudou a ter uma perspectiva mais próxima e íntima do misterioso artista,
algo fundamental para o resultado que alcançou. Em seis capítulos, o autor apresenta
a história de Sun Ra, do nascimento à morte, e a evolução de sua música e
estética. Esta nova edição revista traz um prefácio novo e detalhada
discografia (inclusive com os singles que Sun Ra gostava de lançar) como
apêndice. Estranhamente, até por ser publicado por uma editora de porte, o
livro não traz fotos, algo negativo especialmente por se tratar de uma
biografia.
“A Pure Solar World: Sun Ra and the Birth of Afrofuturism”
Paul Youngquist
University of Texas Press (2016, 372pgs. Inglês)
Um interessante ensaio crítico-biográfico que busca
investigar a mitologia que estrutura a obra de Sun Ra e situar sua história em
um amplo contexto sócio-cultural. O autor não se restringe à música da
Arkestra, também dando atenção à produção poética, além de outros escritos, de
Sun Ra. Nesse percurso, o apresenta como alguém que reflete as épocas em que
viveu e criou, com discussões elaboradas sobre os contextos culturais, sociais
e políticos nos quais estava inserido – e que não apenas refletiu, mas ajudou a
moldar, praticando uma “cultural politics of sound” e sendo o progenitor do que
seria conhecido a partir dos anos 90 como Afrofuturismo. Dessa forma, acaba
por ser um bom complemento à biografia de John Szwed (livro que, aliás, Paul
Youngquist irá citar incontáveis vezes).
“A Strange Celestial Road”
Ahmed Abdullah
Blank Form Editions (2023, 536 pgs. Inglês)
O trompetista Ahmed Abdullah aborda nesta autobiografia
especialmente seu tempo na Sun Ra Arkestra – como avisa o subtítulo “My Time in
the Sun Ra Arkestra”. Ele entrou para a Arkestra em 1975, quando tinha quase 30
anos de idade, e permaneceu, entre idas e vindas, por cerca de duas décadas
ligado à banda. É interessante podermos ter com este livro uma visão
diferente, complementar, sob outros ângulos – nem sempre, digamos, românticos –,
de Sun Ra e sua Arkestra. Um olhar de quem esteve lá, suas impressões e
memórias de um tempo que soa por vezes menos idílico do que se costuma imaginar.
O livro tem Louis Reyes Rivera como coautor.
“Songs of the Unsung”
Horace Tapscott (com Steven Isoardi)
Duke University Press (2001, 272 pgs. Inglês)
O pianista e compositor Horace Tapscott (1934-1999)
representa um dos centros gravitacionais do free jazz de Los Angeles. Com sua
visão comunitária e combativa da música, que teve em sua Pan Afrikan Peoples
Arkestra um ponto nevrálgico nesse universo entre as décadas de 1960 e 1980, Tapscott
deixou nessas memórias um registro vital desses tempos.
Songs of the Unsung:
The Musical and Social Journey of Horace Tapscott é apresentado como uma
autobiografia, escrita em colaboração com Steven Isoardi (que conduziu longas
entrevistas com ele em 1993, 1997 e 98). Tão importante para ele quanto sua
música era a comunidade. E isso fica muito marcado nos 14 capítulos deste
livro. Tapscott, não à toa, teve em torno de si diferentes gerações de
artistas, músicos que encontraram um caminho exatamente por poderem estar
ligados aos coletivos que ele criou e comandou por décadas, com o Union of God’s
Musicians and Artists Ascension (UGMAA) estando no centro disso.
“Solo”
Joëlle Léandre/ Franck Médioni
Kadima Collective (2011, 162 pgs. Inglês)
Este livro apresenta um perfil biográfico da lendária
contrabaixista francesa Joëlle Léandre. Ele nasceu de conversas (aqui parece
uma palavra melhor do que entrevistas) entre Léandre e o jornalista musical Franck
Médioni. Publicado originalmente em francês em 2008, como “A Voix Basse”
(título que me parece mais poético), recebeu anos depois esta tradução em
inglês. Em dez capítulos temáticos, ela irá abordar (sempre com sua voz em
primeira pessoa) sua trajetória, sua relação com a música e seu instrumento, a
improvisação, influências e poéticas que a fazem ser a artista que é. São sete
capítulos, com títulos como “First Sounds/First Lessons”,
“Improvisation/Composition” e “Poetics/Politics”. Uma leitura muito agradável e
reveladora que enriquece a compreensão da obra de Léandre.
“Universo John Zorn”
Óscar Alarcia
Libritos Jenkins (2020, 564 pgs. Espanhol)
Existe uma escassez de livros dedicados a John Zorn, mesmo
ele sendo um dos mais populares nomes que já surgiram no free jazz, muito
conhecido também pelo pessoal do rock (ou seja, público não falta). Há de maior
fôlego “John Zorn: Tradition and Transgression”, de John Brackett, mas trata-se
de um estudo acadêmico sobre certos aspectos de sua obra (os quatro capítulos
se dedicam a investigar o erotismo, o misticismo e as homenagens e citações
artísticas em sua obra). Por isso, é muito bem-vindo este livro editado na Espanha.
Universo John Zorn tem a ambição de apresentar todos os projetos que o músico
de Nova York concebeu em sua trajetória artística de mais de quatro décadas.
Fôlego e informação não faltam, com o livro se estendendo por algumas centenas
de páginas. Mas talvez incomode alguns leitores o tom de Óscar Alarcia, que
pode soar como depoimento de fã, um ar de blog talvez, deixando de lado um
aspecto mais crítico/analítico, algo que dê um verniz de maior autoridade ao
texto. São sete capítulos, divididos nos pontos que ele considera os principais
na trajetória do músico, como “La Era Nonesuch”, “Masada” e “Zorn, El
Compositor”. Cada capítulo é bem fragmentado, abarcando discos e falando também
de colaboradoras do período abordado. Há muitas falas de Zorn, mas sempre citações,
fontes secundárias (entrevistas para o livro, ao que parece, não faziam parte
do plano). De um modo geral, um livro interessante que pode ajudar os ouvintes,
especialmente os menos especializados, a adentrar o universo de Zorn.
“Derek Bailey and the Story of Free Improvisation”
Ben Watson
Verso (2004, 460 pgs. Inglês)

O guitarrista britânico Derek Bailey (1930-2005) não foi
apenas um dos pioneiros da free music na Europa. Ele também é um dos pilares do
que se tornaria conhecido como free improvisation, tanto como instrumentista
quanto como teórico e pensador dessa arte. Este livro busca traçar tais
conexões, como seu próprio título sinaliza, acompanhando a trajetória de
Bailey. Em seis extensos capítulos, temos entrevistas com Bailey (feitas pelo
autor em vários encontros na casa dele, no bairro londrino de Clapton) formando
a base, especialmente nos capítulos iniciais (com respostas sem edição, bem
extensas). Se os primeiros capítulos traçam mais uma trajetória pessoal do
guitarrista, outros são diferentes, como “Company Weeks”, que trata desses
eventos seminais de free impro criado por ele, e “Improv International”, que
fala de suas conexões com outras cenas (especialmente interessante as páginas
dedicadas ao Japão). Longe de uma biografia tradicional, é um livro bem
informativo que amplia o conhecimento sobre Bailey e sua arte.
“Gato Barbieri: Un sonido para el tercer mundo”
Sergio Pujol
Planeta (2022, 384 pgs. Espanhol)

A história de Leandro Gato Barbieri (1932-2016)
sempre mereceu ser conhecida mais de perto. O saxofonista argentino foi o
primeiro artista latino-americano a adentrar o mundo do free jazz.
Primeiramente ao lado de Don Cherry, depois comandando seus próprios projetos,
participou de alguns discos clássicos do gênero, antes de trazer elementos latino-americanos
a sua música. Esta face inovadora e radical durou quase uma década, até que
Barbieri resolveu “se vender”, fazendo algo mais comercial a partir da metade
dos anos 70. E ele teve sucesso em sua aposta. Até o final da década de 80, o
saxofonista viveu de fato o que esperava com sua virada sonora radical; ganhou
dinheiro e teve uma vida de luxo entre Nova York e Europa, com hotéis 5
estrelas, roupas de grife, Rolls Royce e cocaína. Até sua derrocada. Esta
fascinante história é contada em oito capítulos, escritos de forma muito
agradável de ler pelo historiador argentino Sergio Pujol (autor de uma
importante história do jazz em seu país, “Jazz Al Sur”).
“Don Cherry: Le petit prince du free”
Nicolas Fily
Le Mot et le Reste (2023, 264 pgs. Francês)

Vem da França esta muito aguardada biografia de Don Cherry
(1936-1995). O trompetista pioneiro do free jazz é um dos personagens mais
marcantes dessa música, que ajudou não só a criar como a levá-la para o mundo –
Cherry foi o artista dos tempos de ouro do free jazz que primeiramente
apresentou o gênero a mais países no mundo, além de fazer parcerias com
artistas de todos os cantos do globo. De seu encontro inicial com o trompete
ainda antes de a década de 40 acabar, passando por sua parceria histórica com Ornette
Coleman, a criação de discos emblemáticos do gênero, a decisiva mudança para a
Suécia e seu encontro com Moki, a transformação de seu free em uma música do
mundo, não faltam momentos marcantes na trajetória de Cherry contada pelo
jornalista musical francês Nicolas Fily (também autor de um livro sobre
Coltrane, “The Wise One”). O músico, que morreu cedo, aos 58 anos, de câncer,
fez uma de suas últimas aparições em um palco no Brasil, como convidado de Naná
Vasconcelos no festival Heineken Concerts de 1994. O título do livro foi
inspirado no fato de Cherry ter “O Pequeno Príncipe” como livro de cabeceira.
“Easily Slip into Another World: A Life in Music”
Henry Threadgill (com Brent Hayes Edwards)
Knopf (2023, 416 pgs. Inglês)
Henry Threadgill é um dos nomes mais criativos da free
music, com uma lista de projetos fundamentais e revolucionários em suas costas,
o trio Air, seu Sextett, o Very Very Circus, o Zooid (com o qual o vimos na
única vez em que tocou no Brasil)... Um pouco da formação e
trajetória de cada um desse projetos temos a
oportunidade de desbravar, sob novos enfoques, nesta autobiografia (escrita com
a colaboração de Brent Hayes Edwards). O saxofonista e compositor ganhador do
Pulitzer, nascido em Chicago em 1944, apresenta aqui muitas histórias que
também fazem parte de seu desenvolvimento, como homem e artista, dando bastante
espaço às décadas de 1950 e 1960 – época que traz sua experiência no Vietnã,
para onde foi enviado como soldado.
Easy Slip Into Another World (mesmo título
de um disco solo dele de 1988) é um instigante retrato desse brilhante artista,
que nos convida a redescobrir sua música de imaginação sem limites.
“Jazz Revolutionary: The Life & Music of Eric Dolphy”
Jonathon Grasse
Jawbone Press (2024, 312 pgs. Inglês)
Eric Dolphy estava lá quando o seminal álbum de Ornette
Coleman, Free Jazz, foi gravado. Ele também estava no quinteto de Coltrane
quando um crítico inconformado com a radicalidade do que ouvia chamou a música
deles de anti-jazz. Mas Dolphy morreu cedo demais, em 29 de junho de 1964,
quando o free jazz estava pronto para explodir e chacoalhar a cena – assim,
nunca saberemos o quanto ele teria abraçado a revolução e mergulhado nesse
universo (ou se teria dado um passo atrás). J
azz Revolutionary é a biografia
que faltava para compreendermos melhor este gênio do avant-garde jazz – há outros dois ensaios biográficos dedicados a Dolphy, mas mais concisos e menos ambiciosos,
um escrito por Guilaume Belhomme e o
outro, mais antigo, por Vladimir Simosko e Barry Tepperman. Em 12 capítulos, Jonathon Grasse (professor de música na California
State University) apresenta, seguindo uma estrutura linear tradicional de
biografia, as diferentes etapas da vida e arte de Dolphy – como o corpo das
letras escolhido é pequeno, espere por muita informação “apertada” aqui. “
Eric
Dolphy Jr. died of a general circulatory collapse. The direct cause was likely
insulin shock from an injection administered by a doctor trying to bring him
out of the coma in a last-chance effort.” Infelizmente, outra biografia sem
nenhuma foto.
“Straight up, Without Wings”
Joe McPhee (com Mike Faloon)
Corbett vs. Dempsey (2024, 170 pgs. Inglês)
Apresentado como uma história oral, contada a Mike Faloon,
que a transformou nesta narrativa,
Straight up, Without Wings: The
Musical Flight of Joe McPhee visita com precisa leveza a trajetória do lendário
saxofonista. Nascido na Flórida em 1939, McPhee era um fã de Miles Davis na
adolescência, tendo se dedicado inicialmente ao trompete. Depois descobriu
Ornette Coleman e Coltrane (ele conta que esteve em seu funeral) e chegou ao
saxofone, que se tornaria seu principal instrumento de batalha – isso já com os
30 anos se aproximando, época em que ainda não vivia como músico profissional,
tendo de trabalhar por mais de década na Schatz Federal Bearings, uma fábrica
de rolamentos, para pagar as contas. Mas quando começam os anos 70, as
oportunidades foram surgindo, ele chacoalha a cena com “Nation Time” e o resto
é história. Parte viva do movimento free jazz, McPhee, hoje com 85 anos e ainda
ativo, desvenda sua (saborosa) história como nunca antes (em palavras captadas
com precisão pelo texto de fluido de Faloon). Um retrato iluminador deste gênio
da free music.
“Peter Brötzmann – Free-Jazz, Revolution and the Politics of
Improvisation”
Daniel Spicer
Repeater Books (2025, 346 pgs. Inglês)
Talvez soe exagerado dizer
algo decepcionante ao chegar à última página deste livro.
Mas se considerarmos que esta é a biografia de Peter Brötzmann, um dos músicos
mais idolatrados do free jazz, ícone do gênero para ouvintes de diferentes
gerações e repertórios, talvez a impressão não seja fora de tom. Até pela ideia
inicial do projeto deste livro ter nascido em 2012, como conta o autor, a
expectativa em relação a
Peter Brötzmann – Free-Jazz, Revolution and the
Politics of Improvisation era bastante elevada. E Mr. Brötzmann morreu há não
muito tempo, no dia 22 de junho de 2023 – normal que a ansiedade por poder
conhecer mais de sua(s) história(s) fosse grande. Daniel Spicer, experimentado
jornalista musical, avisa no prefácio que seu foco é a música e não a vida de
Brötzmann (“minha ênfase está em sua arte, em vez de sua vida pessoal”). Nenhum
problema nisso, afinal, o que faz do músico alemão um artista tão amado é, exatamente,
a sua música. Mas Spicer parece não ter equilibrado bem seu enfoque. Há
praticamente nada de sua relação com o filho, o guitarrista Caspar Brötzmann.
Krista, sua companheira desde o início de sua jornada, que conhecemos como
autora de fotos de alguns discos seus, e a filha Wendela são citadas apenas em
uma frase. Não são muitos os bastidores de turnês, de shows, de concepção de
discos. Praticamente não se aborda seus relacionamentos pessoais, angústias,
incertezas, apostas e decepções, coisas importantes para compreendermos também
as transformações de sua arte. Quem já conhece Brötzmann de outros tempos sai
do livro não muito distante de como entrou. Enfim. Sobre a abordagem da obra musical,
o autor se sai melhor. Ele divide o livro em nove capítulos, que se desenvolvem
de forma temporal. Cada um deles traz o título de um álbum/projeto e vai se
desenvolvendo em torno dele. Para tanto, entrevistou Brötzmann (e resgatou
muitas conversas dele com outros) e músicos que fizeram parte de cada
cenário/tempo abordado. Mesmo para quem conhece bem a discografia de Brötzmann
é possível ter uma visão mais panorâmica, de conjunto de obra em evolução. Nesse
processo, surgem capítulos mais interessantes, como “Schwarzwaldfahrt”, que
aborda o período em que trabalhou em trio com Fred Van Hove e Han Bennink e em
duo depois com o percussionista. E “The Noise of Trouble”, que trata da fase do
quarteto Last Exit (descobrimos que Bill Laswell tentou armar uma gig reunindo Brötzmann
e o Motörhead, que ele produzia, algo que infelizmente não se concretizou). É claro
que, a depender do conhecimento e interesse nas distintas fases elencadas, cada
leitor vai se interessar mais por um capítulo ou outro, já que, de uma forma
geral, eles são equilibrados. Fica agora a expectativa de que este livro se
torne uma semente que estimule o surgimento de mais obras sobre Brötzmann, com
diferentes enfoques que nos deem visões mais amplas do lendário músico alemão. Sobre
a edição em si, mais uma biografia sem nenhuma imagem, uma pena.
---------
*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez Mestrado em
Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por
alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou
também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos
anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de
liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo
Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live
in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Record)