LIVROs O pianista Matthew Shipp lança livro que reúne textos seus escritos em diferentes tempos e contextos...
Por Fabricio Vieira
Matthew Shipp é um dos mais significativos artistas do jazz
contemporâneo. Sua discografia – que deve ir pelos 80 títulos apenas como líder/colíder
– representa um dos capítulos mais excitantes e inventivos de nosso tempo.
Tivemos o prazer de vê-lo de perto, tocando no Brasil, em apresentação solista
(encanto puro!) na noite de 19 de agosto de 2016, no Teatro do Sesc Pompeia
(SP). Quem esteve lá, sabe o quanto a noite foi única. Para os que já se
perderam na riqueza da música de Mr. Shipp, vai ler com muito interesse seus
escritos que acabam de ser editados. Black Mystery School Pianists and Other
Writings (Autonomedia, 94 págs.) traz 22 variados textos, de crônicas e
ensaios a poemas em prosa e notas de turnês, originados em diversos contextos e
tempos. Tematicamente, vemos o autor abordar memórias (“Me and ’80s New York”),
paixões (“Boxing and Jazz” – ele diz: “Like free jazz can be boxing is direct,
visceral.”), celebrar músicos amigos (“Saying Goodbye To Tenor Colossus David
S. Ware”, “Why Roscoe Mitchell Is Important”), em uma deliciosa prosa que nos
faz saltar de um texto a outro sem pausas. O livro traz introdução, reveladora
e íntima, da artista Yuko Otomo, que, junto com seu falecido marido, o poeta Steve
Dalachinsky, foi muito próxima de Shipp desde que ele chegou em Nova York, em
meados dos anos 80.
O livro fecha com “Zero Lecture”. Este texto – sua leitura, na verdade – apareceu como CD bônus em “Zero”, álbum para piano solo editado em 2018. O que ouvimos no CD é a voz de Shipp, por cerca de 1 hora, em uma leitura ao vivo realizada em 23 de julho de 2017 no clube novaiorquino The Stone. Trata-se de uma ampla reflexão sobre arte, linguagem, jazz, filosofia, sobre ele mesmo. Poder agora ter o texto em mãos e colocar o CD para rodar, ouvindo a declamação de Shipp, é um encerramento perfeito para o livro, um fechamento a essa aproximação a suas ideias e palavra poética, uma chance de aprofundar o contato com sua fina arte.
“When I talk about zero, I am talking about my
relationship to the void. (...) Well, I like the void. I like Lao Tzu. Voidness
is emptiness. Emptiness is fullness. Improvisation, to me, is voidness.”
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez Mestrado em
Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por
alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou
também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos
anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de
liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo
Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live
in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)