FILMEs Trazemos aqui diferentes documentários que
abordam a cena free jazzística, filmes realizados em diversas épocas que
registram e ajudam a preservar a memória dessa música...
Por Fabricio Vieira
Se o free jazz foi
praticamente ignorado no famoso documentário Jazz, de Ken Burns, outros
diretores trataram de retratar a face mais radical do gênero. Diferentes
registros têm ajudado a preservar a memória e a história do free jazz (e
cercanias), formando já um painel relativamente extenso e abrangente desse
universo sonoro. Fizemos um apanhado de diferentes documentários que, nas
últimas décadas, investigaram o mundo da free music. São filmes realizados em
diversos formatos e países, alguns deles editados em DVD, outros que circularam
apenas por festivais; sempre que possível, disponibilizamos um link para
assistir. Aqui selecionamos apenas documentários de perfil biográfico, que focam
exclusivamente a história de um músico. Os filmes mais centrados na própria cena,
em algum recorte do gênero ou em grupos/coletivos, serão apresentados na Parte II
desse especial...
O diretor britânico Dick Fontaine dirigiu este curta
enfocando o trio do saxofonista Ornette Coleman com o baixista David Izenzon e
o baterista Charles Moffett. Eles estavam em Paris, em 1966, para participar da criação
da trilha sonora do filme “Who’s Crazy”. E Fontaine aproveitou para fazer um documentário
sobre o trabalho, com declarações dos músicos alternando-se com cenas deles em
ação no estúdio e em ensaios. Além do sax, Coleman aparece tocando trompete,
violino e dedilhando um piano. Registro de grande peso histórico, já que há
poucos vídeos de Ornette daquela época. No Brasil, saiu em DVD em 2010, junto
com outro curta de Fontaine, “Sound?”, que reúne John Cage e Rahsaan Roland
Kirk.
Caravan of Dreams foi um espaço cultural aberto em 1983 em
Fort Worth, Texas, terra natal de Ornette Coleman (1930 -2015). A estreia do
espaço contou com uma apresentação do Prime Time de Coleman – e
serviu de gancho para a realização deste documentário. Na verdade, a diretora
Shirley Clarke começou a filmar Coleman no fim dos anos 60, com a ideia de
fazer um documentário que não foi para frente, algo que só se concretizaria com
este Made in America. Entrevistas, ensaios, arquivos,
trechos da performance da peça sinfônica Skies of America, de Coleman, pela
Fort Worth Orchestra, tudo isso se junta para compor este documentário, que
aborda o saxofonista e sua obra com muita inventividade. Em 2012, foi lançado
em DVD e Blu-ray.
Este documentário realizado pelo cineasta sueco Urban Lasson
acompanha Don Cherry (1936-1995) em uma etapa de plena maturidade de sua arte.
Estamos na segunda metade da década de 1970. O filme, feito originalmente para
a TV sueca, começa com Cherry e sua companheira Moki no interior da Suécia,
onde viviam com seus filhos. Entre histórias que vai contando e trechos dele
tocando, seguimos Cherry até Nova York. No meio do filme, nos deparamos com um
momento realmente histórico: estamos no Ali’s Alley, o loft que o baterista
Rashied Ali comandou nos anos 70. Em trio, vemos se apresentando Cherry, o
guitarrista James Blood Ulmer e Ali. Incrível. Em outro momento, Cherry está com Naná Vasconcelos pelas ruas de NY, andando e tocando cercados
por crianças. O título, It Is Not My Music, vem de uma fala de Cherry que abre
o filme, na qual ele diz esta não é minha música, porque é uma combinação de
diferentes experiências, diferentes culturas e diferentes compositores... Um
belo documento.
*ARCHIE SHEPP: Je
suis jazz, c’est ma vie... (1984)
Saboroso doc focando uma passagem de Archie Shepp por
Paris no fim de 1983. Entre ensaios para uma temporada no Right Bank Club – com
um grupo que contava com Siegfried Kesller (piano), Wilbur Little (baixo) e
Clifford Jarvis (bateria) –, o diretor conversa com Shepp sobre temas variados
ligados à sua música. Logo nas primeiras cenas, quando o diretor o interpela
dizendo que queria fazer um documentário sobre jazz com ele como protagonista,
Shepp diz: “I don’t much like that word: Jazz. But I do like movies”. As
declarações de Shepp intercalam ele com a banda, vindo de momentos em que o
vemos em seu quarto de hotel, no bar, andando de táxi (e lindamente recitando
Rimbaud em francês) e tocando na rua, sozinho, com os passantes se juntando
para vê-lo (muitos com cara de “quem é esse?”). Foi editado em DVD.
Este documentário é daqueles que vale não apenas pelo
personagem em foco, mas pela inventividade do filme em si. Feito pela dupla de
cineastas entre 1988 e 90, o doc, filmado em 35mm e P&B, enfoca o
guitarrista britânico Fred Frith. O músico foi acompanhado em viagens por
Europa, Japão e Estados Unidos. Vemos Frith (e alguns de seus parceiros, como
Tom Cora, Bob Ostertag e John Zorn) no palco, nos bastidores, de folga
relaxado, contando histórias. O bem armado diálogo entre imagens e sons é um
dos pontos de força deste filme. A trlha sonora, com sua potência própria,
acabou virando CD. O filme premiado percorreu muitos festivais, especialmente
nos anos 90, e foi lançado em VHS à época. Nos anos 2000, apareceu em DVD com
quase meia hora de extras.
Provavelmente o público mais amplo conheça mais o
saxofonista Dewey Redman (1931-2006) mais como sendo o pai de Joshua Redman
(algo que ele inclusive fala neste documentário). Mas este músico nascido no
Texas fez parte de alguns dos grandes capítulos do jazz mais criativo, os
quartetos de Ornette Coleman e Keith Jarrett, e também teve uma longa carreira
como líder, com importantes discos no caminho. É muito gratificante que seu
trabalho tenha sido reconhecido a ponto de ser registrado em um filme dedicado
a ele. O doc tem em seu núcleo conversas com o próprio Dewey, mas também
aparecem alguns parceiros falando, como Charlie Haden, Joe Lovano e seu
filho Joshua.
*A BOOKSHELF ON TOP
OF THE SKY: 12 stories about Zorn (2004)
A diretora alemã Claudia Heuermann oferece neste filme uma
visão particular do universo artístico de John Zorn. Acompanhando o músico por
anos – com um Zorn ora mais jovem ora mais velho se alternando na tela –, nos
leva por ensaios, bastidores, palcos, estúdio, apresentando seu processo
criacional sob diferentes ângulos, sem deixar de lado momentos de descontração
e intimidade. Parceiros e projetos de diversos períodos surgem no decorrer do
filme; vemos Masada, Naked City, Cobra, todos em ação. Mas vale frisar que este
é um filme mais indicado a quem já adentrou o universo de Zorn, não se trata de
um tradicional doc biográfico de apresentação à sua vida e arte.
O diretor francês Mathieu Amalric conheceu John Zorn em 2008.
E não muito depois iniciaria um projeto de amplitude e ambição únicas. Em 2010,
surgiu a proposta de um canal de TV para fazer um doc sobre Zorn. Mas o projeto
acabou não indo para frente. De qualquer forma, acabaria sendo o start para Amalric
passar a acompanhar o saxofonista em turnês (shows, ensaios...) com sua câmera,
registrando tudo que podia. Como ele frisa, apenas enfocando o musical, sem
registros em casa ou conversas íntimas. Os anos passaram. E a edição daquele material foi
sendo feita, resultando em três partes. Os filmes, chamados apenas de Zorn,
mostram sequencialmente mais de uma década desta parceria. Estão divididos em:
Zorn I (2010-2016), Zorn II (2016-2018) e Zorn III (2018-2022). Os docs, por
ora, têm rodado apenas por festivais.
Cecil Taylor (1929-2018) já tinha cinco décadas de carreira
quando protagonizou este belo documentário. O experiente Christopher Felver
achou o tom ideal para abordar a obra de um dos artistas fundamentais da música. Taylor não é retratado aqui sob uma perspectiva
biográfica. A proposta do filme é apresentar sua arte, mais do que sua vida.
Para isso, o diretor faz Taylor falar diretamente com o público, respondendo
questões sobre temas como composição e sua particular forma de notação musical,
olhando sempre para a câmera. Suas falas são
intercaladas com trechos de apresentações; sua música ajuda a corporificar suas
palavras. Taylor nos apresenta sua rotina, o ato de ainda praticar após uma
longa vida dedicada ao piano. E a seu próprio testemunho são adicionados
entrevistas e trechos de apresentações ao lado de artistas próximos a ele, como
Elvin Jones, Billy Bang e Derek Bailey. Lançado em DVD em 2011.
Pode-se dizer que os fãs tiveram que ter muita paciência até
poderem ter um bom documentário sobre o saxofonista Albert Ayler (1936-1970)
para desfrutar. E isso aconteceu pelas mãos de um diretor sueco, Kasper Collin
– curiosamente, as primeiras gravações de Ayler apareceram por um selo sueco.
Um dos problemas de um documentário sobre um personagem como Ayler é a escassez
de vídeos disponíveis. Mas há algumas poucas imagens preciosas dele tocando. O
documentário segue uma linha um pouco mais biográfica, apresentando o músico e
sua história por meio de depoimentos de antigos parceiros, como Sunny Murray e
Gary Peacock, e familiares, como seu idoso pai, Edward, e sua esposa, Mary
Maria Parks, que só quis falar por telefone com o diretor. Emocionante para
quem acompanha a obra do saxofonista é ver seu irmão e antigo colaborador,
afastado da música por problemas psiquiátricos, Don Ayler (1942-2007), dando
seu depoimento.
O pianista holandês Misha Mengelberg (1935-2017) é o
protagonista deste documentário realizado pela cineasta Jellie Dekker. Pioneiro
da free improvisation em seu país, Mengelberg recebe um belo retrato, passando por
fotos e imagens de arquivo, histórias antigas e novas, depoimentos de amigos e
dele próprio. Han Bennink, Dave Douglas, Ab Baars, Guus Janssen e a pianista
Tomoko Mukaiyama estão entre os que deixam seus comentários. Afora os arquivos,
há passagens de apresentações então recentes, como da ICP Orchestra. Lançado em
DVD com muitos extras de apresentações de Mengelberg com diferentes projetos.
Este filme foi realizado no âmbito de um projeto maior do
diretor de Chicago Daniel Kraus. Chamada de “Work Series”, era formada por docs
de cerca de uma hora sobre profissionais de diferentes áreas, que rendeu quatro
títulos: “Preacher”, “Professor”, “Sheriff” e Musician, que enfocou Ken
Vandermark. O que Musician mostra é a árdua rotina de um saxofonista, não só a
parte de ensaios e apresentações, mas também o seu dia a dia: telefonemas
profissionais intermináveis, montagem de agenda, organização de shows. Também é
especialmente interessante ver Vandermark lutando com suas composições, a ideia
que tão dificilmente alcança sua versão final. O filme apareceu em DVD em 2008.
Durante cerca de dois anos, a diretora Christine Baudillon
acompanhou Joëlle Léandre para compor este íntimo retrato. A contrabaixista e
improvisadora francesa é registrada, em entrevista e no palco, em sua casa em
Paris e em sua morada de campo no Sul da França. Também vemos Léandre em um
período de residência no Mills College, na Califórnia, além de em turnê na
Bélgica e em Israel. Léandre é quem mais fala, sobre sua arte, a improvisação
livre, influências e trajetórias. Dos encontros musicais que presenciamos,
destaque para uma apresentação em duo com Anthony Braxton e alguns minutos de
prosa entre eles. Durante cerca de 140 minutos vemos Léandre de forma quase
ininterrupta na tela, em um retrato amplo e profundo, à sua altura. Foi editado
à época em DVD.
Pioneiro baterista do free jazz, Sunny Murray (1936-2017)
recebeu a homenagem que merecia com este documentário. Sunny’s
Time Now conta um pouco dessa história e não apenas recorrendo a arquivos
e memórias, mas o acompanhando em seus compromissos, palco e estrada, quando as
filmagens foram feitas. Por exemplo, o seguimos na van rumo a concertos, junto
com seus parceiros, conversando sobre a música e a cena de ontem e de hoje.
Além das declarações do próprio Murray, há entrevistas com alguns dos que
fizeram parte de sua história, como Cecil Taylor, Bobby Few, Tony Oxley,
William Parker e Val Wilmer. O filme foi editado como DVD duplo, com os extras
trazendo versões longas das entrevistas com Murray e outros.
Em busca de novos ares, o saxofonista David Murray se mudou
para a França em meados da década de 1990. E seria lá que um diretor, Jacques
Goldstein, teria a ideia de compor este retrato íntimo e saboroso sobre um dos
nomes maiores do jazz contemporâneo. O filme mostra Murray em diferentes
contextos, falando sobre música e fazendo música. O saxofonista aparece
gravando com Cassandra Wilson, improvisando com percussionistas de Gwo Ka,
conversando com Amiri Baraka, se apresentando em bares de NY. “I'm a jazzman:
don't look elsewhere, don't get the wrong person. Everything I have to say is
in my music, it speaks about me and the world", resume ele. Foi editado em
DVD junto a dois concertos sob o título Saxophone Man.
Este documentário foi feio na altura em que o contrabaixista
Charlie Haden (1937-2014) estava chegando aos 70 anos de idade. O que o diretor
buscou aqui foi fazer um clássico retrato do músico, contando sua história por
meio de depoimentos dele e de amigos, trabalhando com imagens de arquivos,
entre raras e conhecidas. Haden estava lá, no começo do free jazz ao lado
de Ornette Coleman e Don Cherry, e vê-lo contando suas histórias, que entrelaça
música e ativismo político, é fundamental para compreender muito do gênero.
Destaque para as raras imagens da apresentação do Ornette Coleman Quartet em
1971 em Lisboa, quando Haden dedica uma canção (“Song for Che”) aos movimentos
de independência na África e acaba preso após o show.
Alguns anos após enfocar Misha Mengelberg, a cineasta Jellie
Dekker se debruçou sobre outro ícone da free improvisation holandesa, o
percussionista Han Bennink. O doc apresenta o desenvolvimento artístico de Bennink,
começando lá pelos seus 19 anos, quando era um prodígio da cena jazzística
local e teve a oportunidade de tocar com grandes nomes do gênero que iam a seu
país, como Johnny Griffin e Eric Dolphy, adentrando o free impro e indo até os
dias atuais. Entre depoimentos e cenas tocando em diferentes épocas, além de
enfocar seu trabalho como artista plástico, destaque para Bennink em ação em um
workshop para crianças e adolescentes.
Os diretores alemães que assinam o filme acompanharam o
saxofonista Peter Brötzmann em uma turnê europeia que comemorava seus 70 anos
de idade. Junto a Brötzmann estava o Chicago Tentet, um time estelar com
instrumentistas de diferentes gerações (Mats Gustafsson, Joe McPhee, Ken
Vandermark, Johannes Bauer, Paal Nilssen-Love e outros). Todos eles dão algum
depoimento, falando como conheceram Brötzmann, mas o charme especial do filme
está nas conversas com o próprio saxofonista. Brötzmann é filmado em diferentes
oportunidades em sua relativamente modesta casa em Wuppertal, criando suas
xilogravuras, fazendo café, ou andando pelo bairro, indo à feira. São essas
conversas íntimas, mais do que os depoimentos dos outros ou trechos de shows da
turnê, que fazem deste um filme imperdível. Disponível em DVD.
*SOLDIER OF THE ROAD: A Portrait of Peter Brötzmann (2011)
Outro documentário provavelmente estimulado pelo
aniversário de 70 anos do saxofonista alemão Peter Brötzmann (ele nasceu em
1941), Soldier of the Road foi dirigido por Bernard Josse contando com o apoio
do crítico francês Gérard Rouy, que conduziu as entrevistas. O documentário
segue o tradicional esquema de intercalar trechos de concertos com entrevistas
com gente que compartilha com ele a vida musical: Evan Parker, Han Bennink,
Jost Gebers... Na parte de trechos de shows, destacam-se importantes projetos
que tocava à época, como o Chicago Tentet e o trio de sopros Sonore (com
Vandermark e Gustafsson). Um interessante complemento ao outro documentário
dedicado ao mestre alemão. Editado em DVD.
Uma fascinante documentação de um dos mais antigos e
marcantes grupos do free jazz: o Schilippenbach Trio. O diretor Bernd Schoch
aproveitou uma tradição do trio para conceber este filme. Todo ano, há cerca de
quatro décadas, Alexander von Schilippenbach, Evan Parker e Paul Lovens
realizam com o trio uma turnê de inverno, normalmente em dezembro, quando tocam
sempre (que possível) nos mesmos lugares. Schoch os acompanhou por quatro
temporadas seguidas, entre 2007 e 2010, sempre gravando quando tocavam no Jazzclub
Karlsruhe, na Alemanha. O filme se divide em quatro partes, com a câmera enfocando
cada vez um dos músicos, mostrando eles em conjunto apenas na última. O
resultado é uma poética obra que escapa do convencionalismo de docs musicais.
Foi editado em DVD, que traz duas horas de extras de entrevistas.
*THE LIFE, LOVE & HATE OF A FREE JAZZ MAN & HIS WOMAN
(2012)
Este filme documenta as últimas apresentações (e um pouco da
história) do saxofonista Arthur Doyle (1944-2014). Ele que foi um dos mais underrated
músicos do free jazz veio do Alabama e apareceu na cena na década de 1970
tocando com Milford Graves, período em que também gravou seu primeiro álbum. O
doc, bastante íntimo, mostra um idoso Doyle rodeado de músicos mais jovens. O
filme começa em Nova York, depois em New Orleans, na derradeira vez em que
tocou nesses lugares, e por fim chega a sua Birmingham natal, onde o vemos na
intimidade de sua casa e a preparação de um show na área. Não há aqui as
tradicionais imagens de arquivo, nem depoimentos de antigos parceiros. É um
retrato cru e direto de um músico underground, que nunca viu sucesso ou glórias
artísticas, em seus últimos tempos de vida.
O documentário apresenta o visceral
percussionista Kahil El’ Zabar. O diretor Dwayne Johnson-Cochran
acompanhou El’ Zabar em uma turnê (a “Black History Month Tour”) durante
algumas semanas pelos Estados Unidos, em 2007. É daí que vem as imagens que ele
irá trabalhar para compor o documentário, que tem como subtítulo The Mystery
of Kahil El’ Zabar. Podemos vê-lo dando aula, tocando com o Ethnic Heritage
Ensemble, vibrando com a música que faz e o faz ser quem é. Mas também muito de
seu íntimo aparece em cena. A vida de músico ligado a um meio underground é
difícil, as condições financeiras, sempre uma dúvida, e El’ Zabar não esconde o
quanto tudo isso pode ser desgastante, especialmente para alguém que tem sete
filhos. Disponível em DVD.
*VOICE: Sculpting
Sound with Maja S. K. Ratkje (2015)
Este filme levou alguns anos para ser completado. Os
diretores acompanharam a artista (voz, eletrônicos, teclados) norueguesa Maja
S. K. Ratkje em diferentes momentos (estúdio, palco, ensaio) para compor este
poético painel sobre ela e seu trabalho. Na tela, aparecem artistas conhecidas
que trabalham com ela, em diferentes contextos, como Ikue Mori, Sylvie
Courvoisier e Joëlle Léandre. Diferentemente de documentários tradicionais, em
que várias pessoas costumam dar depoimentos sobre o retratado, aqui o foco está
na própria Ratkje e sua relação com a voz, que nos conduz e abre novas
percepções sobre sua obra.
Realizado durante a pandemia, este filme do diretor Leonel
Costa apresenta a trajetória do saxofonista Ivo Perelman. Paulista radicado em
Nova York há mais de três décadas, ele começou a carreira tentando uma conexão
entre o free jazz e sonoridades brasileiras, antes de passar a se dedicar
plenamente à free improvisation. Destaque para raras imagens de Perelman no
começo dos anos 90, no Ceará, tocando com o grupo regional Irmãos Aniceto, em
um encontro vibrante captado pelo cineasta Rosemberg Cariry. Há depoimentos de
muitos artistas ligados a ele, como William Parker, Marilyn Crispell, Flora
Purim e, claro, Matthew Shipp.
Antes de ter seu retrato definitivo com o imperdível
documentário Full Mantis, o percussionista Milford Graves (1941-2021) foi
protagonista de um outro filme. Realizado para a TV alemã no começo da década
de 1980 pelo diretor Doug Harris, Speaking In Tongues mostra um pouco do
universo de Graves que será mais explorado no outro doc, mostrando algo de outras importantes faces de sua vida criativa, como a arte marcial Yara
e a acupuntura. Quem é praticamente um coprotagonista aqui é o saxofonista
David Murray (que talvez até fale mais que Graves). Os momentos dos dois
tocando em duo, em um quartinho, são demolidores.
Full Mantis amplia e aprofunda o universo do
percussionista Milford Graves do qual tínhamos visto algo em Speaking
In Tongues. Este documentário é realmente obrigatório para quem acompanha e
admira o trabalho do percussionista, sendo um retrato íntimo, focado
completamente em Graves, sempre em sua singular morada, deixando de lado as
habituais intervenções em documentários de amigos, familiares e parceiros
contando histórias e curiosidades. Escapando da fórmula tradicional desse tipo
de filme, é criada uma narrativa poética que bem dialoga com a arte do
protagonista. Artista plástico e marcial (criou nos anos 70 a arte marcial
Yara, baseada em movimentos de danças rituais africanas), acupunturista,
fitoterapeuta, botânico, professor no Bennington College, Graves é um
personagem múltiplo que une e traz todas essas diferentes perspectivas em que
atua para sua criação musical.
*TASTENARBEITER – ALEXANDER VON SCHLIPPENBACH (2023)
Dir: Tilman Urbach
Pioneiro do free jazz na Alemanha, Alexander von Schlippenbach
ganha finalmente um documentário à altura. Percorrendo sua história, com
imagens de arquivo, depoimentos, reencontros com antigos parceiros como Manfred
Schoof e Gunter Baby Sommer (com quem conversa sobre os velhos tempos únicos de
apresentações na antiga Alemanha Oriental, onde eram tratados como estrelas de
rock), o filme é um painel amplo sobre este genial artista. Há também seu
retrato na intimidade, sendo Schlippenbach acompanhado em sua vida familiar em
casa, onde vive com sua companheira, a pianista japonesa Aki Takase. Mais novo
documentário ligado ao mundo do free jazz, Tastenarbeiter estreou no fim de
2023 em festivais na Europa. Quem sabe o In-Edit não se anima de trazê-lo para
cá...