LANÇAMENTOS Em três novos álbuns, a contrabaixista francesa
Joëlle
Léandre mostra o quanto sua música é necessária à cena contemporânea...
Por Fabricio Vieira
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| (Photo: Kirill
Polonsky) |
Joëlle Léandre já completou quatro décadas de história na
free music. Após sua estreia com
Contrebassiste – Taxi, editado em 1982, Léandre
construiu uma das mais amplas e sólidas trajetórias na música criativa. Alguns
novos álbuns da lendária contrabaixista francesa apareceram nos últimos meses,
ampliando sua extensa discografia que é hoje um dos mais importantes monumentos
expressivos da free music contemporânea. Esses três novos discos que apareceram
trazem gravações realizadas em diferentes períodos. Uma característica que os
une é o perfil intimista: são dois duos e um disco solo.
Off Course!, que traz Léandre
ao lado do percussionista alemão
Paul Lovens, foi editado há pouco em CD pelo selo
francês Fou Records. O registro traz um concerto realizado pelo duo em maio de
2013, no Les Temps du Corps (Paris), e estava nos arquivos de Jean-Marc
Foussat, engenheiro de som e produtor dono do selo. Léandre e Lovens se
conhecem há muito tempo e tem dividido palcos ao menos desde a década de 1990. Neste
encontro, então, o diálogo flui com muita facilidade, como se fossem um grupo
fixo, com elevada intimidade expressiva. O fato de Lovens extrapolar a
bateria-base, explorando uma série de pratos e gongos, se encaixa perfeitamente
com a ampla gama sonora visitada por Léandre, tanto pela investigação das
cordas quanto de sua voz. São apenas duas peças, a longa faixa-título, de quase
meia hora, e um mais breve encerramento.
Bla Bla Bla Duo é um outro encontro de Léandre com a
percussão, mas com resultado bem diverso. Desta vez a parceria é com a percussionista
catalã
Núria Andorrà. Com formação em música clássica e contemporânea, Andorrà
tem colaborado com várias orquestras e explorado a improvisação livre em
parcerias com artistas experimentados como o pianista Agustí Fernández. E o que
ela traz aqui são possibilidades amplamente diversas do que encontramos no
trabalho com Lovens. Léandre e Andorrà se reuniram para esta sessão no Meussa
Estudio BCN, em Barcelona, no dia 7 de outubro de 2021. De lá saíram as peças
que compõem este álbum editado em CD pelo selo polonês FSR. São doze relativamente breves
temas, que oscilam em sua maioria entre 2 e 4 minutos, em concentrados diálogos
que vão de momentos mais densos (BLA BLA 2) a outros mais contemplativos (BLA
BLA 11), em uma estimulante troca de ideias.
O terceiro registro de Joëlle Léandre que chega aos ouvintes
a mostra em sua plenitude. O formato solista tem acompanhado a contrabaixista
em toda sua trajetória, sendo explorado por ela desde sua estreia musical. Nessas
décadas, Léandre criou uma linguagem solista muito própria, na qual explora
arco, pizzicato e voz em um amálgama expressivo que cria momentos únicos (por
sorte, na única vez em que Léandre esteve no Brasil, em setembro de 2019, foi
exatamente para se apresentar em formato solista). Zurich Concert, que acaba de
ser publicado em CD pelo selo suíço Intakt Records, é um registro que mostra a música
realmente atual da artista, tendo sido captado em 17 de março de 2022, no
Taktlos-Festival, em Zurique. Em pouco mais de 40 minutos de música, divididos
em cinco partes, vemos Léandre em uma exibição de gala, com domínio absoluto
dos tempos e espaços (que preenche sem deixar lacunas, levando o ouvinte a
passar o concerto inteiro completamente absorto e dominado). Nesta
apresentação, ela está mais do que centrada no trabalho de arco (a voz ascende
a primeiro plano mais na faixa 4), elevando a densidade da música que nos
oferece, com uma elegante robustez pronta para inebriar mesmo quem acha difícil
centrar a atenção em um concerto solista de contrabaixo. Música genial para ouvidos inquietos.
Off Course!
Joëlle Léandre/ Paul Lovens
Fou Records
Bla Bla Bla Duo
Joëlle Léandre/ Núria Andorrà
FSR
Zurich Concert *****
Joëlle Léandre
Intakt Records
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em
Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por
alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou
também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos
anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de
liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo
Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live
in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)
