LANÇAMENTOS Série “Ao Vivo Jazz na Fábrica” traz concerto de Matthew Shipp em seu
último lançamento...
Por Fabricio Vieira
Soa estranho falar do Jazz na Fábrica no passado, mas oficialmente o
festival deixou de existir neste ano, tendo sido substituído pela Sesc Jazz
que, apesar de ocorrer no mesmo local e manter o mesmo perfil, é considerado
pela produção como um novo evento. A multiplicidade de expressões jazzísticas
marcou o Jazz na Fábrica desde sua estreia, em 2011, característica distintiva
do evento que fez dele, em suas sete edições, o mais importante
festival dedicado ao jazz do país. E para quem se interessa pelo free, pelas
vias mais experimentais do gênero, esse foi o mais importante festival que já
houve no Brasil, que já teve (e tem) inúmeros festivais com “jazz” em seu nome
ao menos desde meados dos anos 1980. No futuro, o festival promovido pelo Sesc
será celebrado por sido o primeiro a trazer ao país com seus grupos e/ou em
versão solista nomes como Anthony Braxton, Mats Gustafsson, Muhal Richard
Abrams, GUO, Matthew Shipp, Annette Peacock, William Parker, Henry Threadgill, Roscoe Mitchell,
Nate Wooley e outros tantos.
Como fruto do festival fica também uma pequena coleção de CDs editados
nos últimos anos a partir de gravações realizadas no evento. Chamada de “Ao
Vivo Jazz na Fábrica”, a série de discos de capa vermelha ofereceu aos
brasileiros a oportunidade de ter pela primeira vez um álbum de alguns dos
maiores nomes da free music em versão nacional, a preços baixos. Aos discos de
Anthony Braxton, William Parker Quartet e Roscoe Mitchell (solo), junta-se
agora um novo título, que traz apresentação do pianista Matthew Shipp. Este
deve ser o título derradeiro da série (que contou ainda com um disco do
brasileiro Grupo UM). Espera-se que no ano que vem apareça uma nova série, em
consonância com o novo festival Sesc Jazz.
O álbum dedicado a Matthew Shipp oferece o concerto único que o
pianista realizou no dia 19 de agosto de 2016, no Teatro do Sesc Pompeia (que
resenhamos aqui). É interessante que o disco saia agora, dois anos depois: ao
ouvi-lo, temos a sensação de nos deparar com algo fresco, em meio a rememorações
sutis que vão emergindo daquela fantástica noite. Shipp é um nome central do
piano desde a década de 1990 e está em sua plenitude, fazendo sua música
cósmica, que nos toma de assalto, encanta e arrebata. Shipp já teve diferentes
etapas em seu trabalho solista, do foco na improvisação livre à exploração de
temas próprios, chegando ao formato atual de suas apresentações ao piano: um
fluxo no qual vão surgindo, em fragmentos ou desenvolvidas, peças de sua
autoria, standards e muita improvisação.
O álbum agora editado traz 11 temas, em cerca
de uma hora de música. Nesse percurso, quem não está afeito à música de Shipp,
mas conhece jazz, não fica de todo desamparado, podendo reconhecer acordes de
clássicos como “Angel Eyes”, “Summertime” e “Yesterdays”; para os que já
desbravaram sua música, surgem aqui algumas de suas melhores peças: “Patmos” e “Gamma
Ray”, extraídas de “One”, absurdo álbum de 2006; a complexa “Symbol Systems”,
de álbum homônimo dos anos 90; e “Wholetone” (que aparece rebatizada como “Whole
Movement”), uma das peças centrais do primoroso álbum “Art of the Improviser”
(2011). Um passeio por um pouco do que de mais impressionante tem sido criado
no piano contemporâneo.
Com este disco de Matthew Shipp, a coleção “Ao Vivo Jazz na Fábrica” encerra
(?) seu breve mas representativo percurso. Esses álbuns deveriam estar sendo bem
divulgados lá fora – ao menos algumas resenhas no exterior têm aparecido – onde
esses artistas têm um público mais amplo e atento, o que poderia propiciar maior repercussão. São registros de grande
importância, testemunhos de um momento único para a free music em nosso país.
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Atualmente escreve sobre livros e jazz para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), e “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records)
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Atualmente escreve sobre livros e jazz para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), e “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records)