LANÇAMENTOs Álbuns editados pelo lendário saxofonista
Pharoah
Sanders na década de 1980 são resgatados em box especial...
Por Fabricio Vieira
O saxofonista
Pharoah Sanders (1940-2022) se tornou um dos
mitos maiores do avant-garde jazz. Seu nome é reconhecido e celebrado mesmo por
quem não é tão adentrado nesta seara musical. Mas é fato que sua extensa obra é
lembrada mais pelos álbuns editados nas décadas de 1960 e 70. Parte
considerável do que de mais significativo fez realmente está neste período, de
sua estreia com “Pharoah’s First”, lançado em 1965 pelo ESP-Disk, a seus
clássicos maiores que saíram pela Impulse, como “Black Unity” (1972),
“Elevation” (1974) e sua obra-prima “Karma” (1969). Vale não esquecer que
Sanders seguiu sua carreira de forma ininterrupta até sua morte, sempre
colocando material novo no mercado. Se não tem o impacto e a influência dos
discos citados, seus registros da década de 1980 trazem momentos de força e
inventividade. É esse recorte que a Mosaic Records acaba de reunir em um box
especial, com os discos de Sanders editados à época pelo pequeno selo da
Califórnia Theresa Records. Esta é uma música menos lembrada e conhecida também
por parte deste material estar fora de catálogo. Mais, ainda: não se encontra
esses álbuns nas plataformas de streaming! Ou seja, o acesso à música de
Sanders da década de 1980 é mais complicado que os registros das outras décadas.
The Complete Pharoah Sanders Theresa Recordings reúne os 6
álbuns que Sanders gravou para o selo nos anos 80. De bônus, há dois registros
para a gravadora de outros artistas nos quais o saxofonista participa como
convidado, “
Ed Kelly & Friend”, do pouco gravado pianista texano; e “
Kabsha”,
do baterista Idris Muhammad, com quem ele tocou bastante à época. Este material
é reunido em 7 CDs, com extenso livreto com fotos e textos inéditos. Sai em
edição limitada de 5 mil cópias (e provavelmente sem direito a reedição, como
costuma ser com esses boxes que a Mosaic lança), em pré-venda a US$ 119,
com lançamento oficial programado para a primeira semana de julho.
Os 6 álbuns que Pharoah Sanders gravou para a Theresa
Records, agora resgatados, são: “Journey To The One” (1980), “Rejoice” (1981),
“Live” (1981), “Heart is a Melody” (1983), “Shukuru” (1985) e “A Prayer Before
Dawn” (1988). Este material, se não abandona as linhagens que fizeram sua fama
nas décadas anteriores, aponta para um músico que estava pronto para ir além
das marcas que faziam sua fama. Se tornou senso comum apontar que o
saxofonista, a partir dessa época, deu uma maneirada na face energy de sua
sonoridade, algo que, em certo sentido, não deixa de ser verdade, um Pharoah que
alguns rotularam como mais jazzístico – mas sem que isso o levasse a esquecer sua
trajetória ou direcionasse seu foco a um outro público. Algumas palavras sobre o
que cada um dos discos reeditados oferecem:
*Journey To The One Sanders abre os anos 80 com este álbum
duplo muito interessante. Gravado em dezembro de 1979, mostra o saxofonista com
diferentes convidados, em variadas 10 faixas. Há
o profundo clima espiritual de “Kazuzo”, que traz Yoko Ito Gates no koto; temos
também as baladas “After the Rain” (duo com o pianista Joe
Bonner) e “Easy to Remember”, a energia bop de “Doktor Pitt” e “Bedria”, em um clima mais
Pharoah clássico.
*
Rejoice é outro álbum duplo para o qual Sanders convocou
diferentes artistas. Este é um disco mais centrado e bem-resolvido que seu
antecessor, que traz alguns antigos conhecidos como Elvin Jones, Art Davis, Billy Higgins, Bobby
Hutcherson e John Hicks. A forte faixa-título abre o registro, depois
desembocando na dançante “Highlife” e chegando à saborosa peça de sabor bop “When
Lights Are Low”, original de Benny Carter.
*
Live traz alguns dos melhores momentos que aparecem no
box. O disco mostra Sanders em quarteto, com o pianista John Hicks, o
baixista Walter Booker e Idris Muhammad. Era abril de
1981, e o quarteto estava em tour pela West Coast – as faixas vêm de concertos em San Francisco, Los Angeles e Santa Cruz. O disco abre com Sanders
rasgando o ar com seu tenor (“
You Got To Have Freedom”), tendo sua voltagem
maior retomada em “Doktor Pitt”.
*
Heart is a Melody é um outro registro ao vivo, captado em
janeiro de 1982 no Keystone Korner, em San Francisco. Novamente em quarteto (há
a participação de um grupo de vozes na faixa-título), as baquetas seguem nas
mãos de Idris Muhammad, mas para o contrabaixo é convocado John Heard e para o
piano, William Henderson (que passaria a ser um importante colaborador do
saxofonista). O disco abre com uma versão de 22 minutos de “
Olé” (Coltrane),
trazendo alguns dos momentos mais intensos do que ele deixou naquela década
(seu segundo solo é matador).
*
Shukuru dá ênfase à face espiritual da música de Sanders.
Para tanto, ele inclusive convida seu antigo parceiro Leon Thomas para cantar
em duas faixas, como a bailante “Mas In Brooklyn (High Life)”. O trabalho
percussivo de Idris Muhammad é muito inspirado (o que tira certo brilho de
algumas peças é o sintetizador conduzido por William Henderson, se até sutil,
algo inevitavelmente datado).
*
A Prayer Before Dawn é o menos lembrado desses discos, tendo
em seu núcleo líricos duos com o pianista William Henderson (a contracapa
original trazia o nome dos dois no alto, como se tratasse de um álbum
coliderado), a destacar a versão de “Living Space”. Há duas peças com outros
parceiros, com o tom do álbum mudando quando aparece um quinteto em “Midnight
At Yoshi’s”.
---------
*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez Mestrado em
Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por
alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou
também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos
anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de
liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo
Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live
in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)