LANÇAMENTOs Uma seleção de novos álbuns em
trio, nas mais
diferentes instrumentações, vindos de diversas partes do globo. Ouça, divulgue,
compre discos...
Por Fabricio Vieira
The Ancients
Isaiah Collier/ William Parker/ Hooker
Eremite/ Aguirre Records
Usar a expressão
encontro de gerações para falar deste
projeto diz muito mais do que apenas jovens e veteranos se unindo em torno de
algo.
The Ancients vai às raízes do free jazz para destilar uma sonoridade
atual, sem nostalgia, com a força de revigorar as bases da música feita hoje.
Aqui se unem os veteranos
William Parker, 73 anos,
William Hooker, 78, e
Isaiah
Collier, de 27 anos. O grupo foi pensado por Parker, que queria uma banda para
se apresentar na mostra “Mind Body Deal”, dedicada a Milford Graves, no Institute
Of Contemporary Art (LA). O formato escolhido foi o clássico trio de
sax-baixo-bateria. Os encontros aconteceram em maio de 2023, vinda a música
aqui apresentada de dois concertos, no Arts & Archives, Los Angeles, e no The
Chapel, em San Francisco. São quatro extensas peças, com cerca de 22 minutos
cada (corte pensado, ao que parece, para a versão original em LP). Tudo o que
você espera de um trabalho maior vindo do universo do free jazz está aqui,
spiritual, pulso contagiante, vibração corpórea, energy music no seu mais amplo
sentido. Afora sua conexão direta com o free jazz sessentista, impossível não
ligar
The Ancients ao renascimento dessa música na década de 1990 – e salta aos
olhos (ou ouvidos!) o fato de o álbum estar sendo editado pelo Eremite, selo
basilar daquele período. Não se sabe se o The Ancients segue como grupo, mas
fica o anseio por mais música vinda deles. O álbum é editado em CD e LP duplos.
Walkabout
Rob Brown/ Brandon Lopez/ Juan P Carletti
Mahakala Music
Rob Brown é um verdadeiro mestre do trio. Ele explora esse
clássico formato jazzístico desde os primeiros tempos de sua carreira, quando
gravou os excelentes “Breath Rhyme” (1989) e “Youniverse” (1992). Sempre focado
no sax alto, se ele gosta do acompanhando de baixo e bateria, também combinou nessa trajetória outros instrumentos para acompanhá-lo nas suas explorações em
trio, como piano, guitarra e violoncelo. Para seu mais recente trabalho no
formato, convocou o contrabaixista
Brandon Lopez e o baterista
argentino
Juan Pablo Carletti. O trio se reuniu no Park West Studios, no
Brooklyn nova-iorquino, sob os cuidados de Jim Clouse (mixagem e masterização)
no dia 4 de abril de 2023. O material agora lançado apresenta apenas quatro
extensas peças, que vão de 10 a 25 minutos. Editado em CD e digital.
Paranoid II
Tom Weeks
Wolfsblood
Saxofonista de Oakland, Califórnia,
Tom Weeks tem
sedimentado sua carreira na última década. Seus diferentes projetos refletem,
ora mais para um lado, ora mais para outro, suas influências e trajetória: se
formou em Jazz Composition no Berklee College of Music; depois teve aulas com
Roscoe Mitchell, Fred Frith e Pauline Oliveros; como ouvinte, aprecia as searas
do avant-garde, heavy metal e hardcore. Neste novo álbum,
Paranoid II, é sua
voz free jazzística que domina. Para fazer o registro, que aconteceu em outubro
de 2024, no Seizure’s Palace, Brooklyn (NYC), Weeks (sax alto) chamou o contrabaixista
Shogo Yamagishi e o baterista
James Paul Nadien. Daquela sessão vem as sete
faixas que compõem o disco, em um total de cerca de 45 minutos de música com
intensa energia, mas que sabe respirar e soar até algo melódica quando
necessário. Weeks, com parceiros perfeitamente ajustados a suas ideias, mostra
que atingiu um ponto de sólida maturidade expressiva, criando um registro com
momentos de grande vigor de ideias (já um dos destaques do ano). Editado em CD e digital.
Return To Electric
Phil Haynes
Corner Store Jazz
O veterano baterista
Phil Haynes resolveu voltar a suas
raízes. Ele, que estreou há quatro décadas em um disco do trio do trompetista
Paul Smoker, “QB” (que contou também com a participação de Anthony Braxton), já
tocava antes disso, estando nos anos 70 interessado em guitarras elétricas,
tanto do blues e rock quanto do fusion. Em 1979, conta, conheceu o guitarrista Steve
Salerno. E é este antigo amigo que ele escalou para este projeto. Chamado
sintomaticamente de
Return To Electric, vemos aqui Haynes em trio, com
Salerno e o baixista Drew Gress. Sobre a concepção que sustenta este novo
disco, diz ele: “
pairing early fusion jazz classics with a handful of my own;
actualized by a power trio that showcased inspiring chemistry; sensitive
through roaring dynamics; a blues to Bartok hipness; naughty experimental rock
+ jazz lineages, with all of this presented via both a gritty and beautiful
abstract modernism”. O álbum traz 13 faixas, registradas em setembro
de 2024 no Tedesco Studios, Paramus (NJ). Sai em CD.
Dream a Dream
Satoko Fujii Tokyo Trio
Libra Records
Este é um dos projetos mais recentes da pianista japonesa
Satoko Fujii. Ela reuniu este trio, que conta com seus conterrâneos
Takashi
Sugawa (contrabaixo) e
Ittetsu Takemura (bateria), em 2019, quando estrearam no
palco do lendário clube Pitt Inn, em Tóquio.
Dream a Dream é o terceiro
registro do trio, o primeiro em estúdio, captado em 2024 em uma pausa durante
uma turnê pela Europa. São cinco peças, nas quais Fujii mostra brilhantes
caminhos composicionais e improvisatórios para sua arte, que nunca deixa de nos
encantar. “
I know improvised music can be exciting and I might not need to
write anything to get good music. But I like writing notes, too”, diz a
pianista. “
I like to have these two things together without borders.” A
faixa-título, a mais extensa, com 18 minutos, também é a mais exploratória, com
Fujii brincando em certos momentos com as cordas do piano, em uma peça de
reviravoltas expressivas. “
Dream a Dream’ has a long theme that is very much
written but then we improvise and I use some parts from the theme to cue a
change in the feel”, diz Fujii sobre a peça. Do lirismo envolvente de “Second
Step” à fraturada energia de “Summer Day”, o grupo mostra excelente
entrosamento e vai se firmando como um dos trios de piano-baixo-bateria
imperdíveis desses tempos. Publicado em CD e digital.
Ábrego Arcano
Hurakán Orkan
Sonic Transmissions
A Colômbia tem uma viva cena free com diferentes
interessantes artistas. E de lá vem este novo projeto, o trio Hurakán Orkan,
que reúne a saxofonista e clarinetista
María ‘Mange’ Valencia, o baixista
Santiago Botero e o
baterista
Mauricio Ramírez Echeverri. Amigos de infância, os integrantes do
trio “
formaron el proyecto como otra alternativa creativa a sus otros
proyectos”, combinando “
ternura y furia en composiciones originales
y experimentales”. Isso aconteceu em 2021 e não tardou para estrearem no
palco do espaço cultural Matik Matik, em Bogotá. Desde então, o trio vem trabalhando em
suas peças, que levaram ao Sama Estudios (La Calera, Cundinamarca) para duas
sessões em julho de 2023. Oito peças compõem esta álbum de estreia,
“
sintonizado con free jazz de la vieja escuela, ruidismo, algo de grunge y post
rock minimalista”. Um contagiante exemplar da free music latino-americana
contemporânea. Sai em digital e edição limitada em K7.
Oxygen
Ivo Perelman/ Ken Vandermark/ Joe McPhee
Mahakala Music
Fruto de uma sessão realizada em dezembro de 2021 – um
rescaldo paralelo da época das gravações do box de duos “Reed Rapture in
Brooklyn” –,
Oxygen marca o encontro, até ali inédito, de
Ivo Perelman (sax
tenor),
Ken Vandermark (sax barítono) e
Joe McPhee (valve trombone). São seis
peças relaxadas (não espere energy music por aqui, apesar de os três
instrumentistas terem longa bagagem nesse tipo de expressão), que estão
creditadas no Bandcamp apenas como “One”, “Two” etc., mas que no release tinham
nomes: “Oxygen”, “Carbon”, “Sulfur”, “Phosphorus”, “Nitrogen” e “Hydrogen”.
Improvisação onde o coletivo é o que importa, sem foco em solos de um ou outro,
em uma profunda conversação intuitiva. O álbum acaba de ser editado, apenas em
formato digital.
Machinerie
Mira Trio
4DA Record
Este trio internacional se encontrou na vital cena
portuguesa. Aqui estão reunidos o saxofonista paulistano
Yedo Gibson, o
baterista italiano
Felice Furioso e o violoncelista português
Miguel Mira.
Estreia do experimentado violoncelista como líder,
Machinerie foi registrado em
diferentes sessões em 2022 e 2023, no estúdio Namouche, em Lisboa. “
Esta
aventura musical nasce na forte convicção de que a Expressão, a Composição e a
expressão da composição, são o alimento da identidade artística”, diz Mira. “
Esta
ideia vem sendo uma inquietação minha de há muito! Envolveu várias tentativas,
feitas com persistência e convicção.” O resultado que nos chega são duas
extensas peças, de 22 e 28 minutos, nas quais vamos de momentos mais climáticos
a picos improvisacionais de elevada temperatura. A capa traz uma pintura de
Mira. Publicado em edição limitada em CD e digital.
Jazzisdead Live
RuinsZu
Subsound Records
Em meados de 2024, integrantes de duas lendárias bandas do
jazzcore uniram forças para uma turnê demolidora. Do lado italiano, o baixista
Massimo Pupillo e o sax-barítono
Luca T. Mai, do Zu; do lado japonês, o
baterista
Tatsuya Yoshida (com seu peculiar cantar), do Ruins. A turnê
aconteceu entre abril e junho, passando por diferentes países da Europa. Quem
apenas conseguiu ver o esperado encontro por trechos que apareceram no Youtube,
agora terá a oportunidade de ouvir um pouco da feroz, pesada e explosiva música
do
RuinsZu. Com 12 faixas, trazendo temas novos e antigos relidos,
Jazzisdead
Live é um dos mais quentes títulos a sair neste ano, como podemos ouvir pela
primeira peça liberada, “Speedball”. O álbum será lançado no próximo dia 18 de
abril, em diferentes versões limitadas: CD (500 cópias), LP (black, 300 cópias)
e LP (orange, 200 cópias).
Trio Glossia
Trio Glossia
Sonic Transmissions
Este novo grupo vem do Texas, território que, se não muito
associado ao free/jazz, é o lugar que deu ao mundo nada menos que Ornette Coleman. Há outros
músicos avant-garde que vêm de lá, como o grande trompetista Dennis González
(1956-2022). E aqui vemos em ação exatamente um de seus filhos, o baterista
Stefan
Gonzalez (do sensacional Humanization 4tet). Para tocar este projeto, ele chamou
Matthew Frerck (contrabaixo) e
Joshua Cañate (sax tenor e bateria). “
Penso que
este álbum é uma espécie de declaração de que a história do chamado
avant-garde/free jazz ainda tem um ponto forte na área do norte do Texas,
apesar de a maioria das pessoas que pensam nesta música se limitarem aos
estereótipos de que ela prospera em grande parte em lugares mais monumentais
como Nova York, Berlim, Chicago, Londres, etc.”, disse Gonzalez à Jazz.pt. O
Trio
Glossia navega com solidez pelas águas da improvisação, a partir de composições
de seus integrantes. Assim, certa organização molda o álbum, sem que isso o
amarre de alguma forma. São peças com liberdade sonora que carregam uma ampla espontaneidade, que não deixam de refletir particularidades de seus
membros; Cañate é um baterista com experiência no rock que toca sax há poucos
anos; Gonzalez fez carreira como baterista, mas se exibe em diferentes momentos
aqui também ao vibrafone. A gravação aconteceu em junho de 2024, no The Blue
Room. São nove vibrantes faixas que apresentam um grupo do qual queremos ver
mais em breve. Sai em edição limitada em CD e digital.
Granulações
Radio Diaspora & Ricardo Aleixo
Independente
Aqui temos o novo registro do sempre instigante duo paulistano
Radio
Diaspora. Desta vez,
Romulo Alexis (trompete) e
Wagner Ramos (bateria) recebem
um convidado muito especial,
Ricardo Aleixo, que traz sua voz e poesia para
amplificar as vias criativas da dupla.
Granulações foi registrado no Estúdio
Ori, em São Paulo, na tarde do dia 11 de maio de 2023. Este
Duo + 1 se converte
em potencialidades expressivas que abrem novos veios na sólida trajetória
sonora do Radio Diaspora, que nunca deixa de surpreender e envolver os ouvintes
com seu free jazz de roupagem única – ou
música preta improvisada brasileira do
mundo, como dizem.
Granulações apresenta cinco faixas (todas chamadas “Grão”,
seguido de uma numeração), de imaginação extensa (indo de 11 a 18 minutos, com
exceção do tema de abertura, que pode assumir a função de uma intro), na qual a
performance da voz se torna um elemento de fundamento na música criada (me
parece, de todo espontânea), em uma inter-relação sensivelmente emaranhada. A
voz/palavra de Aleixo se alinha com precisão ao instrumental, formando um
painel tríptico, mas uno, um manto polifônico sem protagonistas. Ouvindo esta
música de forma ininterrupta, sem pausas, uma obra coesa e ajustada vai se
revelando. O show de lançamento ocorrerá no segundo semestre – é ficar atento
para não perder. O álbum sai apenas em formato digital.
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*quem assina:
Fabricio
Vieira é jornalista e fez Mestrado em Literatura e Crítica Literária.
Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda
correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como
Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e
literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns
“Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”,
de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e
Matthew Shipp (SMP Records)