LANÇAMENTOs Uma seleção de novos álbuns em
duo, com as mais
diferentes instrumentações, vindos de diversas partes do globo. Ouça, divulgue,
compre discos...
Por Fabricio Vieira
Natural Clatter
Chris Corsano & Tim Daisy
Relay Recordings
Encontros de bateristas ocorrem no free jazz desde seus
tempos antigos, em uma história que tem em “Dialogue Of The Drums”, projeto
comandado por Andrew Cyrille e Milford Graves, um marco lendário. Se não tão
usuais quanto duetos de pianos ou saxes, os duos de baterias têm seus
capítulos, que ganha agora um novo exemplar. Dois nomes de destaque do free
contemporâneo,
Chris Corsano e T
im Daisy se unem neste
Natural Clatter para um sempre
interessante diálogo. O registro é fresquíssimo, tendo sido realizado no Madhouse
Studios, Evanston (Illinois), em janeiro deste ano. Editado em formato digital,
apresenta seis peças – “
focused and wide ranging drumset explorations”, diz o
release –, em quase 50 minutos de improvisação.
Spell//Hunger
Piero Bittolo Bon & Andrea Grillini
Hora Records
Quando se fala em duo no mundo do free jazz, inevitável não
pensar em seu mais marcante formato: a parceria de sax e bateria. Isto é o que
os italianos
Piero Bittolo Bon (alto, tenor, baritone, feedback augmented
saxophones) e
Andrea Grillini (drums, electronics) trazem aqui.
Spell//Hunger é
um álbum registrado um tempo atrás, em duas sessões em março de 2022, no Jambona
Lab, Livorno (Itália), que agora chega com suas 11 faixas e pouco mais de 40
minutos de intensa e sonoramente variada música. Entre elementos acústicos e
eletrônicos, a dupla faz com que cada peça soe de maneira muito particular (não
apenas espere crus diálogos de sopro e percussão). Aparece em edição limitada
em LP e digital.
Mutants In Siberia
Joke Lanz & Petr Vrba
Circum Disc
Este é um disco no qual o estranhamento é inevitável, fruto
da dupla formada pelo tcheco
Petr Vrba e o suíço
Joke Lanz. Eles contam que se
conheceram na fila do museu Hermitage, em São Petersburgo, e planejaram fazer
alguma coisa juntos. Depois de diferentes encontros nos palcos, entraram no
estúdio Punctum, em Praga, em 2023, originando este álbum agora editado, onde Vrba
toca trompete e eletrônicos, e Lanz usa voz e comanda turntables. As 12 peças,
algumas delas em torno de 1 minuto, apresentam improvisação livre com leveza e
certa ironia, a ver títulos como “Dizzy in the Subway” e “Buster Keaton’s Pork
Pie Hat”. Publicado em digital e edição limitada em CD.
Syzygy
Brandon Lopez & DoYeon Kim
577 Records
Duos de cordas podem ser encontrados na música há séculos,
em diferentes culturas. Mas sempre, por mais que tenhamos ouvido possibilidades
nessa seara, podemos nos surpreender. Dificilmente alguém já ouviu um encontro
desses antes, entre um contrabaixo e um gayageum (instrumento de cordas
tradicional da Coreia, similar a uma cítara). Esse encontro se dá aqui no
universo da free music, entre o experimentado baixista de origem porto-riquenha
Brandon Lopez e a artista coreana
DoYeon Kim. Eles se encontraram em Nova York
e decidiram concretizar essa parceria cerca de um ano atrás, no Sear Sound, em
fevereiro de 2024. Quando instrumentos da música tradicional de um país
adentram a free improvisation muita coisa sonoramente inédita pode sair daí.
Este é o caso de
Syzygy. Em suas cinco peças, nossos ouvidos são levados por
vias nas quais a descoberta de sons nunca perde seu encanto. Como o subtítulo
traz Vol. 1, fica a expectativa pelo próximo capítulo. Publicado em edição
limitada de 100 cópias em CD e digital.
Matthias Müller & Andreas Willers
Müller & Willers
Trouble In The East Records
Trombone e guitarra não é um par muito comum de se encontrar por aí registrado. Esse encontro menos usual é o que oferece este duo vindo da Alemanha, formado pelo trombonista
Matthias Müller e o guitarrista
Andreas Willers. Em sua hábil improvisação livre, a dupla cria paisagens sonoras que devem esconder elementos culturais que não conseguimos captar (não parece gratuito que os títulos das composições estejam em um dialeto específico da região noroeste da Alemanha, o Plattdeutsch, de onde eles vêm). Mas nada que limite a fruição da música oferecida, na qual eles esculpem pacientemente texturas envolventes, com uma paisagem cheia de nuances e detalhes, em cinco peças registradas no Willers Loft, Kleinmachnow, em setembro de 2023. Sai em edição limitada em CD.
Parallell Aesthethics
Ivo Perelman & Tyshawn Sorey
FSR
Ivo Perelman já colocou seu sax tenor para dialogar
diretamente com uma grande variedade de bateristas – Gerry Hemingway, Whit
Dickey, Jay Rosen, Zé Eduardo Nazario, Tom Rainey... Agora ele se encontra com
um dos grandes nomes da contemporaneidade:
Tyshawn Sorey. A dupla se uniu Parkwest
Studios, no Brooklyn (NYC), em setembro de 2024. E lá gestaram este
Parallell
Aesthethics. São seis extensas peças, que vão de 11 a 22 minutos, em amplos
diálogos improvisacionais de fino calibre. Como o multi-instrumentista e
premiado compositor Tyshawn Sorey não é apenas um dos mais sólidos bateristas
de sua geração, ele dá uma palhinha além das baquetas, tocando piano em algumas
das peças.
Fuoco Sacro
Stefano Leonardi & Antonio Bertoni
Aut Records
O flautista
Stefano Leonardi e o baixista e violoncelista
Antonio Bertoni voltam a se encontrar para um novo registro em duo.
Fuoco Sacro
mostra a dupla italiana explorando sonoridades além de seus instrumentos-base,
oferecendo, de uma faixa a outra, uma amplitude de possibilidades acústicas que fazem com
que cada tema seja um exemplar bastante particular. Leonardi parte de flauta/flauta-baixo
para testar instrumentos como o dilli kaval (flauta turca de madeira) e o tumbu
(sopro tradicional da Sardenha). Bertoni, por sua vez, explora instrumentos de
corda africanos (bolon, guimbri, ngoni, njarka) e percussão. Apesar desse amplo
arsenal vindo de diferentes cantos, o duo consegue escapar do risco de certa
vibe world music, fazendo da free improvisation seu guia.
Fuoco Sacro foi
gravado ao vivo, em julho de 2021, e sai em formato digital e edição limitada
de 200 cópias em CD.
No Bahdu
Dietrichs
Relative Pitch
A violoncelista
Camille Dietrich cresceu envolta por muita
ruidagem. Afinal, ela é filha do saxofonista
Don Dietrich – sim, um dos
fundadores de um dos projetos mais barulhentos da história, o lendário trio
Borbetomagus. E ela aprendeu cedo a lição. Quando se uniu a seu pai para um
projeto em duo – este
Dietrichs –, em 2017, mostrou que a cacofonia estava em
suas veias. Um novo registro do duo acaba de sair e mostra que a alta voltagem
da família Dietrich permanece intacta. Movidos apenas por sax tenor e
violoncelo, sem efeitos amplificadores, eles destilam uma música sem concessões,
free noise de altíssimo impacto, daqueles que ficam ecoando por longo tempo nos
ouvidos. São quatro peças, pouco mais de 42 minutos, captadas em agosto de
2023. Editado em CD e digital.
Bone Bells
Mary Halvorson & Sylvie Courvoisier
Pyroclastic Records
Duas artistas fundamentais da música criativa contemporânea
voltam a unir forças. A pianista suíça
Sylvie Courvoisier e a guitarrista de Massachusetts
Mary Halvorson chegam a seu terceiro registro em duo, que marca quase uma década de
colaboração entre elas. O camerístico avant-garde jazz da dupla oferece alguns
dos mais deslumbrantes momentos da cena criativa contemporânea. Gravado no Oktaven
Audio, Mount Vernon (NY), em uma sessão no dia 7 de maio de 2024,
Bone Bells
apresenta oito novas peças (cada uma assina metade das composições), em um
total de 42 minutos. As
interações
sonoras da dupla, com uma integração perfeita entre teclados e cordas, levam o
ouvinte a percorrer as faixas sem nunca perder a atenção ou o encanto. “
We’re
coming from very different places musically, but there's a lot of overlap
musically and in where our interests lie. It's been fascinating to explore
those intersections and tensions”, diz a guitarrista.
Bone Bells está sendo editado em CD e digital.
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*quem assina:
Fabricio
Vieira é jornalista e fez Mestrado em Literatura e Crítica Literária.
Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda
correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como
Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e
literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns
“Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”,
de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e
Matthew Shipp (SMP Records)