LANÇAMENTOs The Quartet traz a última apresentação do saxofonista alemão Peter Brötzmann, feita poucos meses antes de sua morte...
Por Fabricio Vieira
Quando chegou ao clube Cafe Oto, em Londres, em fevereiro de
2023, Peter Brötzmann não tinha como saber que aquele seria seu último
concerto. Ele estava acompanhado do mesmo grupo com o qual subira naquele palco
exatamente uma década antes: John Edwards no contrabaixo, Jason Adasiewicz no
vibrafone e Steve Noble na bateria. O quarteto havia tocado junto pela última
vez em 2016. Nesta nova reunião, armada por Brötzmann, se apresentaram primeiramente
em Warsaw, na Polônia, e partiram para duas noites no Café Oto. O saxofonista
alemão, não apenas pela sua idade à época, 81 anos, mas também pelo fato de ter
enfrentado uma grave pneumonia em meados de 2021, quando cancelou turnês e
compromissos todos, estava visivelmente mais fraco. Mas sua música (e sua
vontade de fazê-la) permanecia intacta, mais melódica, mais jazzística até,
porém ainda deixando no ar seus característicos traços ariscos e incendiários, notável
em picos aqui e ali. Uma despedida à sua altura. “Peter clearly wanted to play
to the end. Did he know these might be his last shows? We will never know. What
is clear is he wanted to go out in style and on his terms. For anyone in the
room at the time or listening to these recordings it’s clear he achieved that”,
diz a apresentação do álbum. (conta Adasiewicz que o saxofonista foi para o
aeroporto em uma cadeira de rodas, após os shows; dali, acabaria no hospital e
depois em sua casa, em Wuppertal, onde morreria no dia 22 de junho de 2023.)
Aquelas duas noites que se tornariam sua despedida, 10 e 11 de fevereiro de 2023, foram, para nossa sorte, gravadas profissionalmente. O próprio Brötzmann planejou este lançamento, sendo que trabalhava no design da capa de The Quartet quando morreu. O resultado são quatro extensas peças, mais de meia hora cada, duas vindas de cada concerto. Brötzmann está focado em sax alto e clarinete e é incrível como soa com ajuste perfeito às linhas de Edwards e Noble (trio que tivemos a grata oportunidade de ver tocando no Brasil em 2012), sendo o vibrafone de Adasiewicz uma discreta, mas vital, adição, que faz com que a música soe precisa, quente, tomando os espaços e nos tocando a fundo, especialmente quando lembramos que seu sopro silenciou desde então. Não apenas por sua carga histórica, The Quartet é o álbum que você deveria ouvir agora. Editado pelo selo Otoroku em CD e LP duplo, já disponível nos streamings.
---------
*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez Mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)