Satoko Fujii & Natsuki Tamura: novidades sonoras


LANÇAMENTOs Dois dos artistas mais empolgantes da cena japonesa começam o ano com inspirados discos inéditos... 


Por Fabricio Vieira

Satoko Fujii e Natsuki Tamura têm já uma extensa obra, gestada desde meados da década de 1990. Juntos ou em voos particulares, o casal de artistas japoneses carrega uma sólida e inventiva voz própria, que caminha por amplas vias a partir do free jazz e da improvisação livre. Ambos, pianista e trompetista, já navegaram por muitas águas sonoras e não é com pouca empolgação que os vemos desbravando agora campos ainda pouco transitados por eles, como exibem os dois novos discos que estão lançando (cada um deles assina um) pelo selo Libra Records, em CD e digital.

Natsuki Tamura já gravou ao lado de muita gente referencial da cena japonesa, mas ao ver a capa de seu novo álbum, no qual divide a assinatura com o lendário guitarrista e vocalista Keiji Haino, a ansiedade por dar play é imediata. Mesmo sendo da mesma geração – ambos nasceram no começo dos anos 50 –, os músicos ainda deviam um registro como esse em duo. Bom que chegou a hora. “I had never played with him before and I thought it would be an interesting challenge. We didn’t talk about what we would do, all we said was ‘nice to meet you’ right before we played”, diz Tamura. O resultado do encontro aparece agora, captado no festival Aremo Koremo, que teve curadoria de Tamura e Fujii, e aconteceu no clássico clube Pit Inn, no boêmio bairro de Shinjuku, em Tóquio, em janeiro de 2024. Não muito longo, com apenas cerca de 35 minutos (diretos no CD e divididos em quatro partes no digital), mas não menos intenso por isso, esta é uma sessão de  free impro comandada por duas figuras que de tudo já fizeram no palco, trazendo esse repertório infinito para o jogo: trompete, guitarra, voz, brinquedos (pato de borracha, apito), objetos (wok, batedor de ovos), em uma performance que deve atingir sua totalidade apenas com os artistas em ação à nossa frente (não sei se existe vídeo). Um disco que chamaria sem hesitar de celebração do free japonês.


Satoko Fujii, uma das maiores pianistas e improvisadora da contemporaneidade, também tem um trabalho essencial como compositora, na qual se destacam suas obras para big band. Agora ela resolveu testar um novo campo, ofertando uma música de linhagem camerística, tendo as cordas como foco. “For some reason I can’t explain, the sound of strings touches my heart deeply, it activates a part of my brain in a way that’s totally different from other instruments”, diz Fujii. Para este Altitude 1100 Meters, então, ela criou um novo projeto, chamado de GEN (que significa corda em japonês), para o qual reuniu uma inédita agrupação: 2 violinos (Yuriko Mukoujima, Ayako Kato), viola (Atsuko Hatano), contrabaixo (Hiroshi Yoshino), bateria (Akira Horikoshi) e a própria Fujii no piano. “Strings can easily do some things that other instruments can’t. For example, they can bend notes and play microtones in a way that the piano can’t. I wanted to hear these things from the strings.” Altitude 1100 Meters é uma suíte, dividida em 5 partes, que ela escreveu em cerca de um mês, em 2023, quando estava completando 65 anos de idade. A inspiração para a composição veio de uma viagem para as montanhas de Nagano no verão – daí que vem os 1100 metros de altitude do título. Os nomes de cada parte da suíte ilustram essa inspiração da natureza: “Morning Haze”, “Morning Sun”, “Early Afternoon”, “Twilight” e “Light Rain”. Gravado em março de 2024 no espaço  Koendori Classics, em Tóquio, este álbum é um registro único na extensa discografia de Fujii, de expressividade e lirismo soturnos, um campo de investigação sonora muito particular.

 


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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez Mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)