LANÇAMENTOs Antes de 2024 terminar, o saxofonista Rodrigo
Amado lançou dois brilhantes discos que não podem deixar de ser ouvidos...
Por Fabricio Vieira
O saxofonista português
Rodrigo Amado editou dois discos no
último trimestre de 2024 que, logo a uma primeira audição, mostravam uma força
única e deixavam a impressão de que brilhariam em muitas listas de “melhores do
ano” – o que de fato aconteceu. O primeiro desses registros foi feito com o
trio
The Attic, no qual o sax-tenorista assina os créditos com o baixista
Gonçalo
Almeida e o baterista holandês
Onno Govaert. The Attic é um dos grupos mais
excitantes da cena contemporânea e, se a expectativa por um novo registro deles
já era elevada, desta vez chamaram para se juntar a eles no estúdio uma
convidada especialíssima: a genial pianista francesa
Eve Risser. Assim, em
quarteto, entraram no Timbuktu Studios, em Lisboa, no dia 31 de julho de 2023.
A sessão virou
La Grande Crue, o quarto álbum do The Attic, lançado pelo selo
lituano NoBusiness Records. São quatro extensas faixas, que vão de 10 a 20
minutos. Para quem já conhece a energia marcante do trio, a entrada do piano no
jogo muda, e não pouco, o resultado final apresentado. E o fato de o piano ser
conduzido por Risser leva as possibilidades sonoras presentes a campos ainda
mais amplos, com sua lírica exploração de técnicas muito particulares, de
tensões estendidas e surpresas imaginárias. “Phrase” é a peça onde mais
generosamente Risser ocupa os espaços, esbanjando seu encanto. O título do
álbum vem da pintura que estampa a capa, parte de uma série de quadros de
Manuel Amado (pai do saxofonista), chamada “A Grande Cheia”.
O outro disco une Rodrigo Amado a um nome pioneiro da cena
experimental portuguesa,
David Maranha, que com seu Osso Exótico já explorava
limites sonoros no alvorecer da década de 1990. O encontro da dupla se deu na Escola
do Largo, Lisboa, em 4 de junho de 2023. Sorte a nossa que tudo foi registrado
e, pouco mais de um ano depois, veio à luz por meio deste
Wrecks (destaque do
nosso
Top 10 de 2024). “
One single track, with echoes of drone music, noise,
experimental and free jazz”, anuncia a apresentação do disco, em síntese
precisa sobre o que ouviremos. A instrumentação é apenas sax tenor e órgão
elétrico. São 44 minutos de improvisação ininterrupta, que provam, de fato, que
a free improvisation pode ser uma arte de poder expressivo maior. Em meio a ondulações
de intensidade que nos arrastam como em uma montanha russa, essa música, de
texturas provocantes e surpresas a cada curva, se revela uma experiência de
potência única, música imersiva, algo tátil, que vibra na pele e entorpece os
sentidos de forma quase mântrica – não se sai dessa viagem sonora sem abalos. Momentos
irrepetíveis que nos fazem lembrar do quanto a improvisação livre pode ser
inebriante e encantatória quando executada com justeza, em noite inspirada, por
músicos que dominam com louvor seu fazer. Apenas dê play e se deixe ser
dragado. Editado em CD pelo selo português independente Nariz Entupido.
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*quem assina:
Fabricio
Vieira é jornalista e fez Mestrado em Literatura e Crítica Literária.
Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente
do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e
Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura
para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and
Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo
Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp
(SMP Records)