PLAY IT AGAIN...


LANÇAMENTOs
 Em destaque, novos álbuns de artistas da free music vindos de diferentes partes do globo... Ouça, divulgue, compre os discos... 



Por Fabricio Vieira

 

Dog Days of Summer

Satoko Fujii Quartet

Libra Records

A variedade de projetos da incansável pianista Satoko Fujii traz sempre música excitantemente diversa aos ouvintes. Uma das coisas empolgantes nesse amplo trabalho de Fujii – que conta com uma discografia que já superou os 100 títulos – é que ela, mesmo sendo uma das mais sólidas improvisadoras da cena contemporânea, não se prende apenas a explorar o free impro, reunindo amigos para improvisar livremente. Fujii coloca na mesa projetos com personalidade e história próprias, muito distintos e marcantes. Aqui a vemos comandando um quarteto totalmente formado por artistas japoneses: o trompetista Natsuki Tamura, o baixista Takeharu Hayakawa e o baterista Tatsuya Yoshida (do cultuado duo Ruins). Este quarteto de free jazz com  energia rock é um dos mais antigos projetos de Fujii, tendo começado em 2001 e editado cinco discos. Após um hiato de mais de uma década e meia, retornam agora em forma excelente. O álbum traz sete novas peças, captadas em abril deste ano no Orpheus Recording Studios, em Tóquio. Música viva, intensa e estimulante. Editado em CD e digital. 

 


Undrilling the Hole

Spinifex

TryTone

Na estrada há mais de uma década, o Spinifex é um muito excitante sexteto europeu baseado em Amsterdã. Formam suas fileiras: o saxofonista alemão Tobias Klein (o cabeça do projeto), o trompetista belga Bart Maris, o baixista português Gonçalo Almeida, o saxofonista estadunidense John Dikeman, o guitarrista holandês Jasper Stadhouders e o baterista Philipp Moser. Com uma discografia já respeitável, eles surgem agora com este novo registro captado em fevereiro de 2024 no Werkplaats Walter, em Bruxelas. São sete faixas nas quais o elaborado free jazz do grupo, com sensíveis elementos rock, é bem-representado, com temas marcantes e improvisações certeiras. As peças foram desenvolvidas e trabalhadas durante uma turnê europeia feita em dezembro de 2023. “I try to exploit our diversity every time I write for the band”, diz Klein. “I always want there to be elements of very different types of music, combined into something organic that you can no longer take apart into its individual components. It becomes one.

 


Trio

Hammerschlag/ Bisio/ Corsano

Independent

Arnold Hammerschlag é um trompetista de Seattle que se radicou em Nova York lá pelos anos 1990. Ele participou de muitos projetos nas últimas décadas, mas sua discografia é bem discreta (ao menos não se encontra muita informação sobre isso por aí). Aqui vemos o trompetista em trio acompanhado de dois muito destacados nomes da cena: o contrabaixista Michael Bisio e o baterista Chris Corsano. O álbum é fruto de uma sessão que o trio registrou em 20 de novembro de 2019, no estúdio The Bunker, no Brooklyn nova-iorquino, ainda um pouco antes de a pandemia nos engolfar. Trata-se de música 100% improvisada, como o release enfatiza, sendo este o primeiro encontro do trio. “I was studying three note chords at the time and wanted to let that information affect the music intuitively”, diz Hammerschlag. Em cerca de 50 minutos, são destiladas seis peças, trazendo uma música com certo ar contemplativo e fácil de ouvir com prazer. Editado apenas em formato digital.
    

 


Lifetime Rebel

Joëlle Léandre

RogueArt

Em junho de 2023, a lendária contrabaixista francesa Joëlle Léandre foi homenageada no Vision Festival, com um Lifetime Achievement, em celebração a 50 anos dedicados à música criativa. Houve naquele evento apresentações de diferentes projetos comandados por Léandre. É este material que a RogueArt resgatou para preparar este imperdível box. Lifetime Rebel é formado por 4 CDs e 1 DVD. O primeiro CD traz o Tiger Trio, no qual a contrabaixista divide o palco com a pianista Myra Melford e a flautista Nicole Mitchell. O segundo disco mostra o concerto que ela realizou com o Roaring Tree, no qual compartilha suas ideias com Craig Taborn (piano) e Mat Maneri (viola). Daí pulamos para o CD 4, no qual a instrumentista se une em duo ao poeta Fred Moten. Todos esses três discso foram captados no dia 13 de junho de 2023, no Roulette, Brooklyn (NYC). Já no CD 3 encontramos uma gravação feita depois, em 25 de janeiro de 2024, no Auditorium Jean-Pierre Miquel, Vincennes (França). Aqui ela comanda um septeto estelar – Ingrid Laubrock, Steve Swell, Joe Morris, Jason Hwang, Mat Maneri,  Fred Lonberg-Holm –, que executa sua obra “Atlantic Ave”. O box fecha com o DVD “Struggle, Life, Music”, onde Michel Dorbon, dono do RogueArt, entrevista Léandre sobre sua vida musical. Excelente material para celebrar a música desta artista única. 

 


Supernova

São Paulo Creative 4

Independente

Este quarteto de saxofones reuniu instrumentistas brasileiros experimentadíssimos pela primeira vez. O núcleo do encontro é a improvisação livre, que esses músicos desenvolvem por diferentes vias há bastante tempo. Ivo Perelman (tenor), Lívio Tragtenberg (alto, clarinete baixo), Rogério Costa (soprano, alto) e Manu Falleiros (soprano, barítono) nunca tinham tocado juntos, tendo se reunido assim em quarteto no Estúdio dos Lagos, em  Embu (SP), no dia 20 de julho de 2022. Vem daí as 7 peças que formam Supernova. A música tem um senso de coletividade bem demarcado, com os saxes mais dialogando do que duelando (energy music não é a tônica do encontro), em faixas que variam de 1m46 a 11m39, vagando por entre diferentes vibrações e intensidades. Um grupo que deve entregar seu melhor no palco; quem sabe um dia não se reúnem para alguns concertos. Disponível somente em formato digital.      

 


Master of Disorder

Almufaraka

Circum Disc

Almufaraka é um novo quarteto francês de formação no mínimo inusitada: três vozes e percussão. De um lado estão Gaëlle Debra, Patrick Guionnet e Maryline Pruvost; de outro, o experimentado Peter Orins nas baquetas. Eles se apresentam como um grupo que explora vias vanguardistas e arcaicas, em um resultado que promete ressaltar a imaginação dos ouvintes. Essa proposta gera possibilidades sonoras de diversas linhagens, nos levando por músicas que vão de momentos de alta intensidade a camadas sussurrantes, a destacar “Holotropic”, “Autosuggestion” e “Theophobia”. Uma interessante exploração sonora. Sai em CD e digital.

 


Live Amsterdam 2006, First Visit

Ran Blake/ Dave Knife Fabris

ezz-thetics

O veterano pianista estadunidense Ran Blake, de 89 anos, criou uma discografia que supera as seis décadas de história, desde seus primeiros registros com a saudosa Jeanne Lee. Seus trabalhos de piano solo também vem lá de seus começos, uma história que se iniciou em 1965 com um álbum lançado pela ESP-Disk. Não sei se ele se aposentou (há notícias de concertos dele ainda em 2021). De qualquer forma, gravações suas ainda vão surgindo de tempos em tempos. Este novo disco editado pelo selo ezz-thetics resgata registro realizado em abril de 2006, em Bimhuis, Amsterdã. A primeira metade do concerto, até a faixa 10, traz Blake em formato solista, com sua melódica exploração free de peças como “Bye Bye Blackbird” e “Merci Bom Dieu”. Depois, das faixas 11 a 18, o guitarrista Dave Knife Fabris (antigo parceiro de Blake) se une a ele para introspectivos duos. A guitarra limpa de Fabris se adequa com perfeição às linhas noturnas de Blake, em belos diálogos como o de “North By Northwest”. Editado em CD e digital.

 


Tokuzo

Arashi & Takeo Moriyama

Trost Records

O trio Arashi é um dos favoritos grupos contemporâneos. Unindo gerações, escolas e países diferentes da free music, trouxe uma energia única desde seu surgimento uma década atrás. Neste novo álbum, eles trazem um quarto nome, o lendário baterista japonês Takeo Moriyama. Assim, vemos em Tokuzo este histórico encontro entre o baixista sueco Johan Berthling, o baterista norueguês Paal Nilssen-Love e os japoneses Akira Sakata (sax alto, clarinete, voz) e Moriyama – quando os escandinavos nasceram, os japoneses já fermentavam o free no Japão. O álbum é fruto de uma apresentação que aconteceu em Nagoya, em 18 de fevereiro de 2019. Trata-se de mais de uma hora de intensa música, repartida em seis temas, com furiosas improvisações. Dentre essas, está a clássica “Clay”, vinda lá da época em que Sakata e Moriyama faziam parte do mítico Yosuke Yamashita Trio. Imperdível. Lançado em LP duplo, CD e digital.

 


Samsara

PainKiller

Tzadik

Levaram três décadas para John Zorn, Bill Laswell e Mick Harris unirem esforços novamente sob a rubrica PainKiller. Um dos grupos mais demolidores surgidos nas fileiras do free jazz na década de 1990, fez história e deixou saudades. Este retorno mantém a força explosiva característica do trio, mas muita coisa mudou desde então. A principal mudança aqui envolve Mick Harris, o lendário baterista do Napalm Death que ajudou a fundar o grindcore. Ele deixou de tocar bateria há tempos. E não abriu uma exceção. Em Samsara (o álbum ia chamar “Resurrection”, mas mudaram de planos na última hora), Harris adiciona apenas beats eletrônicos. Mas cria uma cortante tapeçaria sonora, com batidas e texturas eletrônicas envolventes, por entre as quais navegam o sax alto de Zorn e o baixo repleto de efeitos de Laswell. Aliás, essa participação de Harris foi feita a distância: ele mandou para seus parceiros as bases que ia criando em sua casa, na Inglaterra, para eles improvisarem em cima. Na verdade, o álbum foi todo feito sem eles estarem juntos: cada um cuidou de sua parte e tudo foi editado depois. Laswell está bem doente, com uma infecção sanguínea, e, entre idas e vindas do hospital, foi gravando suas partes de acordo com que sua saúde permitia. A ideia para este retorno surgiu no começo de 2024, quando Zorn retomou contato com Harris. Ele sugeriu um reencontro do PainKiller, mas Harris disse que não estava a fim de voltar a empunhar as baquetas. Então veio a ideia dele trabalhar com eletrônicos, como tem feito há já algum tempo. O sax alto em certo aspecto domina o cenário, com Zorn mostrando que ainda pode soar muito furioso. O resultado são 8 faixas, cerca de 40 minutos de música inédita, com uma coloração diferente, mas com a intensidade e a energia que fizeram a história do PainKiller dando as cartas. Ao que parece, mais material do grupo deve aparecer no ano que vem. Editado em CD e digital.

 

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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez Mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)