Lifetime Rebel
Joëlle Léandre
RogueArt
Em junho de 2023, a lendária contrabaixista francesa
Joëlle
Léandre foi homenageada no Vision Festival, com um
Lifetime Achievement, em
celebração a 50 anos dedicados à música criativa. Houve naquele evento apresentações
de diferentes projetos comandados por Léandre. É este material que a RogueArt resgatou
para preparar este imperdível box.
Lifetime Rebel é formado por 4 CDs e 1 DVD. O
primeiro CD traz o
Tiger Trio, no qual a contrabaixista divide o palco com a
pianista Myra Melford e a flautista Nicole Mitchell. O segundo disco mostra o
concerto que ela realizou com o
Roaring Tree, no qual compartilha suas ideias
com Craig Taborn (piano) e Mat Maneri (viola). Daí pulamos para o CD 4, no qual
a instrumentista se une em duo ao poeta Fred Moten. Todos esses três discso
foram captados no dia 13 de junho de 2023, no Roulette, Brooklyn (NYC). Já no
CD 3 encontramos uma gravação feita depois, em 25 de janeiro de 2024, no Auditorium
Jean-Pierre Miquel, Vincennes (França). Aqui ela comanda um septeto estelar – Ingrid
Laubrock, Steve Swell, Joe Morris, Jason Hwang, Mat Maneri, Fred Lonberg-Holm –, que executa sua obra “Atlantic
Ave”. O box fecha com o DVD “Struggle, Life, Music”, onde Michel Dorbon, dono
do RogueArt, entrevista Léandre sobre sua vida musical. Excelente material para
celebrar a música desta artista única.
Supernova
São Paulo Creative 4
Independente
Este quarteto de saxofones reuniu instrumentistas
brasileiros experimentadíssimos pela primeira vez. O núcleo do encontro é a
improvisação livre, que esses músicos desenvolvem por diferentes vias há
bastante tempo. Ivo Perelman (tenor), Lívio Tragtenberg (alto, clarinete
baixo), Rogério Costa (soprano, alto) e Manu Falleiros (soprano, barítono)
nunca tinham tocado juntos, tendo se reunido assim em quarteto no Estúdio dos
Lagos, em Embu (SP), no dia 20 de julho
de 2022. Vem daí as 7 peças que formam
Supernova. A música tem um senso de
coletividade bem demarcado, com os saxes mais dialogando do que duelando
(
energy music não é a tônica do encontro), em faixas que variam de 1m46 a 11m39,
vagando por entre diferentes vibrações e intensidades. Um grupo que deve
entregar seu melhor no palco; quem sabe um dia não se reúnem para alguns
concertos. Disponível somente em formato digital.
Master of Disorder
Almufaraka
Circum Disc
Almufaraka é um novo quarteto francês de formação no mínimo
inusitada: três vozes e percussão. De um lado estão Gaëlle Debra, Patrick
Guionnet e Maryline Pruvost; de outro, o experimentado Peter Orins nas
baquetas. Eles se apresentam como um grupo que explora vias vanguardistas e
arcaicas, em um resultado que promete ressaltar a imaginação dos ouvintes. Essa
proposta gera possibilidades sonoras de diversas linhagens, nos levando por músicas
que vão de momentos de alta intensidade a camadas sussurrantes, a destacar
“Holotropic”, “Autosuggestion” e “Theophobia”. Uma interessante exploração
sonora. Sai em CD e digital.
Live Amsterdam 2006, First Visit
Ran Blake/ Dave Knife Fabris
ezz-thetics
O veterano pianista estadunidense
Ran Blake, de 89 anos,
criou uma discografia que supera as seis décadas de história, desde seus primeiros
registros com a saudosa Jeanne Lee. Seus trabalhos de piano solo também vem lá
de seus começos, uma história que se iniciou em 1965 com um álbum lançado pela
ESP-Disk. Não sei se ele se aposentou (há notícias de concertos dele ainda em
2021). De qualquer forma, gravações suas ainda vão surgindo de tempos em
tempos. Este novo disco editado pelo selo ezz-thetics resgata registro realizado
em abril de 2006, em Bimhuis, Amsterdã. A primeira metade do concerto, até a
faixa 10, traz Blake em formato solista, com sua melódica exploração free de
peças como “Bye Bye Blackbird” e “Merci Bom Dieu”. Depois, das faixas 11 a 18,
o guitarrista
Dave Knife Fabris (antigo parceiro de Blake) se une a ele para introspectivos duos. A
guitarra limpa de Fabris se adequa com perfeição às linhas noturnas de Blake, em belos
diálogos como o de “North By Northwest”. Editado em CD e digital.
Tokuzo
Arashi & Takeo Moriyama
Trost Records
O trio
Arashi é um dos favoritos grupos contemporâneos.
Unindo gerações, escolas e países diferentes da free music, trouxe uma energia
única desde seu surgimento uma década atrás. Neste novo álbum, eles trazem um
quarto nome, o lendário baterista japonês
Takeo Moriyama. Assim, vemos em
Tokuzo
este histórico encontro entre o baixista sueco Johan Berthling, o baterista
norueguês Paal Nilssen-Love e os japoneses Akira Sakata (sax alto, clarinete,
voz) e Moriyama – quando os escandinavos nasceram, os japoneses já fermentavam
o free no Japão. O álbum é fruto de uma apresentação que aconteceu em Nagoya,
em 18 de fevereiro de 2019. Trata-se de mais de uma hora de intensa
música, repartida em seis temas, com furiosas improvisações. Dentre essas, está
a clássica “Clay”, vinda lá da época em que Sakata e Moriyama faziam parte do
mítico Yosuke Yamashita Trio. Imperdível. Lançado em LP duplo, CD e digital.
Samsara
PainKiller
Tzadik
Levaram três décadas para John Zorn, Bill Laswell e Mick
Harris unirem esforços novamente sob a rubrica
PainKiller. Um dos grupos mais
demolidores surgidos nas fileiras do free jazz na década de 1990, fez história
e deixou saudades. Este retorno mantém a força explosiva característica do
trio, mas muita coisa mudou desde então. A principal mudança aqui envolve Mick
Harris, o lendário baterista do Napalm Death que ajudou a fundar o grindcore.
Ele deixou de tocar bateria há tempos. E não abriu uma exceção. Em
Samsara (o
álbum ia chamar “Resurrection”, mas mudaram de planos na última hora), Harris
adiciona apenas beats eletrônicos. Mas cria uma cortante tapeçaria sonora, com
batidas e texturas eletrônicas envolventes, por entre as quais navegam o sax
alto de Zorn e o baixo repleto de efeitos de Laswell. Aliás, essa participação
de Harris foi feita a distância: ele mandou para seus parceiros as bases que ia
criando em sua casa, na Inglaterra, para eles improvisarem em cima. Na verdade,
o álbum foi todo feito sem eles estarem juntos: cada um cuidou de sua parte e
tudo foi editado depois. Laswell está bem doente, com uma infecção sanguínea,
e, entre idas e vindas do hospital, foi gravando suas partes de acordo com que
sua saúde permitia. A ideia para este retorno surgiu no começo de 2024, quando
Zorn retomou contato com Harris. Ele sugeriu um reencontro do
PainKiller, mas
Harris disse que não estava a fim de voltar a empunhar as baquetas. Então veio
a ideia dele trabalhar com eletrônicos, como tem feito há já algum tempo. O sax
alto em certo aspecto domina o cenário, com Zorn mostrando que ainda pode soar
muito furioso. O resultado são 8 faixas, cerca de 40 minutos de música inédita,
com uma coloração diferente, mas com a intensidade e a energia que fizeram a
história do
PainKiller dando as cartas. Ao que parece, mais material do grupo
deve aparecer no ano que vem. Editado em CD e digital.
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez Mestrado em
Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por
alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou
também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos
anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de
liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo
Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live
in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)