Live From Studio Rivbea


LANÇAMENTOs Uma nova série, que promete resgatar gravações inéditas realizadas no Studio Rivbea, começa a sair pelo NoBusiness Records... 


Por Fabricio Vieira

O selo lituano NoBusiness Records tem feito um trabalho fantástico de resgate da história do free jazz, editando gravações inéditas de décadas atrás que nos ajudam a abrir pontes e encerrar lacunas nesse universo. Após a edição imperdível de discos dedicados ao arquivo do saxofonista Sam Rivers (1923-2011), o NoBusiness começou uma nova série, na qual destaca  gravações realizadas no mítico loft RivBea. O espaço lendário que Rivers manteve na 24 Bond Street, no Lower Manhattan, NYC, na década de 1970 deixou seu testemunho oficial de um pouco do que acontecia por lá, reunido em 5 LPs sob o título “Wildflowers: The New York Loft Jazz Sessions”, que traziam gravações ocorridas durante um festival independente realizado entre os dias 14 e 23 de maio de 1976, com música de muitos dos mais fortes nomes da música criativa da época. A nova séria, Live From Studio Rivbea, editada em CD e digital, se propõe a trazer registros desconhecidos feitos no loft de Sam e Beatrice Rivers. O Volume 1 traz uma gravação do quarteto do saxofonista Kalaparusha Maurice McIntyre; o Voluma 2, que acabou de sair, vem com um registro do quarteto do também saxofonista Arthur Blythe. Por mais que esses artistas estiveram próximos, circulando pela mesma cena, suas histórias são bem opostas.

Kalaparusha Maurice McIntyre (1936-2013) veio de Chicago. Ligado à AACM desde seus primeiros tempos, participou de gravações seminais, como “Levels and Degrees of Light”, de Muhal Richard Abrams, e “Sound”, de Roscoe Mitchell. Em 1969, gravou seu álbum de estreia, o marcante Humility In The Light Of Creator. Na década seguinte, foi para Nova York, como muitos de seus parceiros de AACM, e por lá tocou sua carreira. Provavelmente a era loft foi a de mais intenso trabalho para ele. Mas poucos discos seus ficaram daquele período. Dessa forma, esse lançamento ajuda a preencher lacunas em sua trajetória, trazendo à tona um pouco mais de sua intensa música. Aqui vemos McIntyre, que toca sax tenor e clarinete, acompanhado de Malachi Thompson (trompete), Milton Suggs (baixo elétrico, que na época fazia parte da banda de Elvin Jones) e Alvin Fielder (bateria). São três extensas peças de nomes não identificados, que variam entre 13 e 16 minutos, captadas no Studio Rivbea em 12 de julho de 1975 – um ano antes de “Wildflowers”, do qual McIntyre participaria com um outro grupo. O núcleo dessa música são os diálogos entre sax e trompete – Thompson, morto em 2006, teve a carreira de maior destaque dentre os músicos desse quarteto, aparecendo em variados discos, circulando entre o pós-bop e o free. McIntyre, a partir da década de 1980, encontraria crescente dificuldade em fazer e registrar sua música, o que o levaria a tocar nas ruas e estações de metrô para sobreviver, morrendo na pobreza no Bronx, em 2013. Este quarteto, se tivesse ficado junto, poderia ter se sedimentado como um dos fortes sons da época.


O Volume 2 de Live From Studio Rivbea traz outro saxofonista, Arthur Blythe (1940-2017). Da mesma geração de Kalaparusha Maurice McIntyre, Blythe teve uma história distinta. Vindo de Los Angeles, também chega a Nova York na era loft e faz seu nome especialmente na segunda metade dos anos 70. Em 1979, ele assina com a Columbia, selo com o qual ficaria associado por cerca de uma década, lançando quase dez álbuns nos quais se abriu ao jazz contemporâneo sem perder sua criatividade. Se não chegou a ser uma estrela do jazz, Blythe teve relativo sucesso (chegou até a tocar no Brasil em 2003, no Chivas Jazz Festival). Este novo registro que chega é um testemunho relevante do começo da carreira de Blythe, que ainda não havia feito sua estreia em disco como líder. Aqui ele comanda um quarteto com Juini Booth (baixo), Muhammad Abdullah (congas) e Steve Reid (bateria). O registro, feito em 6 de julho de 1976, ocorreu poucas semanas após as sessões de “Wildflowers” – das quais Blythe não participou. Apenas ao sax alto, Blythe mostra que estava pronto para começar a demarcar seu espaço, com temas marcantes espalhados por quatro faixas, que vão de 5 a 19 minutos. Peças conhecidas de Blythe que apareceriam em álbuns futuros, como “Miss Nancy” e “Spirits in the Field”, estão presentes nesta gravação. Um tesouro para os fãs de Blythe. Agora é aguardar o que mais o NoBusiness Records trará nesta nova fundamental série.


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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez Mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)