LANÇAMENTOs O pianista e compositor
Lelo Nazario apresenta,
em dois novos discos, um pouco da amplitude de sua criatividade musical...
Por Fabricio Vieira
Lelo Nazario é um dos nomes lendários da música instrumental
brasileira. Um dos fundadores do Grupo Um, ao lado de seu irmão, o
percussionista Zé Eduardo Nazario, Lelo esteve envolvido, desde meados da
década de 1970, com diferentes projetos, de perfis diversos. Dois lançamentos
que agora chegam aos ouvintes ilustram bem a amplitude da palheta expressiva
deste pianista de inventividade sem limites. Esses títulos não só estão
separados por quatro décadas, mas também exibem explorações sonoras de
universos bastante distintos.

O primeiro lançamento é um registro inédito, que traz Lelo Nazario
ao lado do quarteto MARV. Formado por Rodrigo Gobbet (baixo), Miguel Barella
(guitarra), Victor de Trindade (percussão e voz) e Alex Antunes (sampler,
percussão incidental e voz), o MARV surgiu em 2019 com uma interessante proposta
sonora, guiada pelas vias da improvisação e refletindo as origens diversas de
seus membros, que passam por free, rock, música brasileira, jazz e por aí vai.
Em outubro de 2021, nos primeiros eventos pós-pandêmicos, durante o Sesc Jazz, Nazario
se juntou a eles para um concerto. No ano seguinte, no palco do Teatro do Sesc
Belenzinho, o quinteto se reencontrou para uma nova apresentação. É daí que vem
Ressíntese. Do show realizado em 24 de setembro de 2022, saíram as sete faixas que
compõem o álbum – sendo cinco delas temas de Nazario, uma do MARV (“Feira/Dragão
Chinês”) e uma do quinteto (“Improvisível”). Parte dessas peças haviam sido
executadas no Sesc Jazz; outras foram exibidas pela primeira vez no show que
virou este disco. Em
Ressíntese, Nazario toca piano preparado, teclado e
eletrônicos. Uma interessante investigação de possibilidades improvisacionais
com sonoridades brasileiras, experimentais e eletrônicas.
Nazario fez sua história entre o jazz de vanguarda, a música
instrumental/experimental brasileira e o erudito contemporâneo, variedade que
pode ser bem apreciada em seus mais de 20 álbuns autorais (boa parte,
disponível em sua página do Bandcamp). O outro lançamento agora editado
trata-se, na verdade, da reedição de um material historicamente muito
importante que estava fora de catálogo há tempos.
Discurso aos Objetos / Balada
Unidimensional acaba de receber (está saindo hoje, dia 18) sua primeira edição
digital, remasterizada, para celebrar seus 40 anos de lançamento. Editado
originalmente em LP no ano de 1984, o álbum mostra o lado de explorador
eletroacústico de Lelo. O vinil original (um EP de 45 rpm) trazia cada uma das
peças de um lado.
Discurso aos Objetos, para fita magnética solo, foi composta
em 1978, sendo originalmente pensada para flauta piccolo, trombone baixo e fita
magnética. Esta segunda versão suprime as passagens puramente instrumentais e explora
sons concretos (puros e processados, de ruídos de maquinaria a vidro se
quebrando), eletrônicos e vozes. Já
Balada Unidimensional, criada em 1982, é
para fita magnética, sons eletrônicos e violão (a cargo de Paulo Bellinati). “
A
concepção original da peça apresentava um desafio: combinar sons eletrônicos e
concretos aos timbres do violão, já que os sons selecionados para compor a
parte da fita magnética deveriam dialogar com o instrumento sem sobrepujar a
delicadeza e as nuances de sua sonoridade”, diz o texto de apresentação da peça
– podemos dizer que tal desafio foi cumprido com excelência!
Ressíntese e
Discurso
aos Objetos/Balada Unidimensional estão sendo editados, apenas em formato
digital, pelo selo Utopia Studio.
---------
*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez Mestrado em
Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por
alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou
também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos
anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de
liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo
Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live
in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)