Einstürzende Neubauten: KOLLAPS


LIVROs Novo livro resgata os tempos de criação de Kollaps, álbum de estreia da banda alemã Einstürzende Neubauten... 

 


Por Fabricio Vieira

 

Já se passaram mais de quatro décadas desde que o Einstürzende Neubauten surgiu demolindo paredes e ouvidos. 1979, Berlim Ocidental. Blixa Bargeld (nascido Christian Emmerich), 20 anos, se une ao amigo N.U. Unruh (nascido Andrew Chudy), 21 anos, e começam a compartilhar ideias musicais que revolucionariam a cena underground. Em meio à verve experimental que os norteava, a falta de recursos também seria vital para o início da banda. Bargeld lembraria que faltava grana para terem instrumentos, então foram trabalhando possibilidades sonoras a partir do que tinham em mãos. O ponto de partida para o Neubauten foi mais porque não tínhamos nada, então eu realmente não tive a escolha de dizer ‘estou fazendo isso, estou fazendo aquilo ou talvez eu deva tocar órgão’. Eu não tinha nenhuma dessas coisas e não tinha condições de pagar por nenhuma delas, nem ninguém do grupo”, lembraria Bargeld, em entrevista à The Quietus em 2010. Unruh até teve uma bateria por certo tempo, mas teve que vendê-la para pagar as contas. É nesse ponto que o Neubauten vai nascer tendo em mãos uma de suas marcas fundamentais: as percussões feitas com metal e sucata, ferramentas, materiais vários encontrados no ferro velho. E com estas armas não tardaram inclusive para gravar um disco, que seria um marco na música underground mais criativa. 

Essa história dos tempos iniciais de uma das bandas mais cultuadas e influentes é contada agora no livro Einstürzende Neubauten's Kollaps, que vai ser lançado no próximo dia 19 de setembro (e já disponível na versão ebook). O livro faz parte da conhecida coleção 33 1/3, na qual são destacados discos clássicos de diferentes estilos musicais, dando uma visão mais ampla e aprofundada sobre o álbum em questão. No caso do Einstürzende Neubauten, o escolhido foi seu disco de estreia, Kollaps (1981). Os autores são dois holandeses, Melle Jan Kromhout e Jan Nieuwenhuis. Einstürzende Neubauten’s Kollaps é formado por oito capítulos e se foca nos tempos iniciais da banda e na concepção e gestação de seu primeiro álbum. Destacando o cenário da música underground de Berlim na época e como os integrantes do Neubauten integraram e chacoalharam essa cena, nos leva a uma ambientação de um tempo em que o mundo era marcado ainda pela Guerra Fria, tendo em Berlim um de seus principais símbolos: o muro que partia a cidade ao meio. As pouco mais de 120 páginas do livro (sim, fica a sensação de que poderia ser bem mais extenso) são lidas num fôlego só, trazendo e reorganizando informações de interesse mesmo para quem é fã da banda de muito tempo e muito já ouviu e leu sobre.


A data oficial do nascimento do Einstürzende Neubauten é 1 de abril de 1980, quando o grupo faz seu primeiro show, na Moon Diskothek, em Berlim. Ao lado de Blixa Bargeld e N.U. Unruh estavam Beate Bartel e Gudrun Gut (que partiriam para outros projetos na sequência). O concerto, precariamente gravado, seria lançado em cassete, limitado a 20 cópias, com o título “Live in Kunstkopfstereo”. “No começo, nós apenas improvisávamos no palco, já que não tínhamos nenhum outro material”, diz Bargeld. Mesmo no futuro, quando passaram a criar peças mais organizadas e imaginadas, a improvisação no palco seguiria como um elemento que faz parte da banda – até hoje. Bargeld e Unruh seguiriam tocando o projeto e fazendo quando possível novos registros, alguns deles imortalizados em cassetes vendidos nos shows, que se tornariam um marco dos tempos iniciais e material de colecionador no futuro. Em setembro de 1980, eles conhecem o terceiro futuro membro do Neubauten, o guitarrista e baixista Alexander Hacke, então com apenas 14 anos. Apesar de jovem, Hacke já vinha trabalhando em projetos experimentais de música (ele entraria oficialmente para o Neubauten apenas em 1983). No fim daquele primeiro ano de atividades, seria a hora de conhecerem o percussionista F.M. Einheit, que seria uma voz vital para o som da banda em sua era clássica. O último dos 5 Neubauten, Marc Chung, também se aproximaria da banda nesses tempos iniciais; ele, inclusive, adiciona efeitos de baixo em algumas passagens de Kollaps. O segundo disco da banda, Zeichnungen Des Patienten O.T. (1983), já traria o quinteto genial que estaria junto por cerca de uma década, até um pouco depois do lançamento de Tabula Rasa (1992).

A gravação de Kollaps aconteceu no Hafenklang Studios, em Hamburgo, em sessões entre junho e agosto de 1981, sendo obra do trio formado por Bargeld, Unruh e Einheit. É curioso que uma banda tão profundamente ligada a Berlim, como os autores do livro fazem questão de destacar, tenha gravado seu álbum de estreia em Hamburgo. O Neubauten já tinha fama no underground, após pouco mais de um ano de atividade. Em torno da banda, iriam se sedimentando histórias que sempre os acompanhariam, sobre shows demolidores e perigosos para o público, nos quais pedaços de ferro e sucata ou fagulhas de fogueira (acender/queimar coisas no palco passaria a fazer parte da mise-en-scène) podiam atingir as pessoas (há até uma história de que a banda chegou a jogar coquetel molotov no público em um show em Oslo). Produtores também ficariam de orelha em pé com os relatos de eles literalmente destruírem o palco e as paredes dos lugares em que tocavam com britadeiras, furadeiras e marretadas. Kollaps seria lançado sem demora, já em outubro de 1981, pelo selo independente Zickzack. O LP trazia 13 faixas (reedições em CD no futuro apresentariam extras) e já mostrava uma música de ideias sólidas, um caos com certo controle, com as marcas que fariam a fama sonora da banda bem presentes; a destacar: “Steh auf Berlim”, com a furadeira rompendo os tímpanos nos primeiros 30 segundos da peça; a crueza punk industrial de “Tanz Debil”, com sua cortante guitarra e pulsante baixo; a desolação apocalíptica de “U-Haft-Muzak”; ou até a ironia ácida da revisitação a “Jet’m” – marca que, aliás, estaria no próprio nome artístico Blixa Bargeld, sendo Blixa o nome de uma popular caneta hidrográfica (Blixa Color 70) e Bargeld uma homenagem ao pintor e poeta dadaísta alemão Johannes Theodor Baargeld (e lembrando que Bargeld em alemão significa dinheiro, algo que a banda nunca veria muito).

Além da música em si, Kollaps traz um outro ponto seminal na história da banda. Sua capa é ilustrada com a figura humanoide que se tornaria a imagem, o símbolo do Einstürzende Neubauten, que tantos fãs inclusive tatuariam em suas peles nas décadas seguintes. Segundo Blixa, ele se deparou com o desenho em um livro de arte rupestre mexicana, sendo o humanoide encontrado em um petróglifo tolteca, vindo do período 900-1521 d.C.. Seu significado nunca foi uno nem para os membros da banda. O livro diz que Alex Hacke vê a figura humanoide como representando diferentes níveis do mundo: “As pernas representam a terra, a cabeça, o céu, e o ponto no centro representaria o sol”. F.M. Einheit fala em “um signo mitológico, um feiticeiro ou algo assim”. Já os autores dizem: “O logotipo do Einstürzende Neubauten representa um corpo energético, capaz de alimentar a vida e destruí-la por meio da radiação, como a estrela que alimenta nosso sistema solar. É uma força comparável à destruição afetiva das apresentações ao vivo do Neubauten”. 

Einstürzende Neubauten’s Kollaps é um livro que inevitavelmente vai levar o leitor a querer repercorrer toda a trajetória do lendário grupo alemão, revisitar sua discografia que, aliás, ganhou novo capítulo neste ano, com Rampen (apm: alien pop music) – um álbum muito bom, dentre o que de melhor produziram nas últimas duas décadas e que está sendo apresentado na turnê que acontece na Europa até o fim de outubro. Aproveito para deixar meu ranking dos 10 discos de estúdio que considero os imperdíveis, por ordem de preferência (ou, simplesmente, meus favoritos desde sempre). Para finalizar, fica uma Playlist com 2h30 dos momentos mais demolidores dessa cultuada banda.


A ideia de que o Neubauten começou como um coletivo barulhento, agressivo e às vezes violento, e que progressivamente se tornou mais dócil e seguro é uma falsidade. Desde seus primeiros lançamentos, a banda sempre equilibrou o barulho e o estrondo com humores e ambientes silenciosos. Na verdade, é pela tensão entre os dois estados que o Neubauten deveria ser mais conhecido” (Blixa Bargeld)



*EINSTÜRZENDE NEUBAUTEN: 10 (+1) IMPERDÍVEIS AUDIÇÕES*

 

10- RAMPEN (apm: alien pop music) (2024)


Talvez no futuro este álbum seja lembrado como o grande registro de maturidade da banda. As faixas, gravadas em estúdio, foram criadas a partir de improvisações que nasceram no palco (que eles chamam de Rampen) na turnê de 2022. O resultado é uma inspirada seleção de 15 frescas novas peças, em álbum duplo que se escuta sem pausas.

 


9- PERPETUUM MOBILE (2004)


O disco segue a linhagem de estruturas sonoras discretas que marcaram seu antecessor, Silence is Sexy, como bem revela de cara seu belo tema de abertura, Ich Gehe Jetzt. Mas há também momentos mais enérgicos, a destacar a incontornável faixa-título, com seus mais de 13 hipnóticos minutos.

 



8- SILENCE IS SEXY (2000)


Um disco que marcou uma nova etapa sonora para a banda. Deve estar entre o que mais gostaram de ter produzido, tanto que peças daqui costumam estar presentes em turnês recentes. Destaques para Redukt e Sonnenbarke (que têm aparecido na atual turnê), In Circles e a melancólica balada Sabrina.

 



7- FÜNF AUF DER NACH OBEN OFFENEN RICHTERSKALA (1987)


Este álbum traz uma das peças mais incríveis que o Neubauten criou: Ich Bin’s. É um disco menos cru e demolidor que seus antecessores, mas ainda com o material percussivo em primeiro plano – como ilustra perfeitamente a sombria Kein Bestandteil Sein e seu solo de percussão que ecoa o peito.

 


6- ENDE NEU (1996)


O disco que marcou o fim de uma era, sendo o último registro que teve a participação do lendário percussionista F.M. Einheit (e não em todas as peças). Destaque para as baladas matadoras The Garden e Bili Rubin, a porrada Was Ist Ist e a desconcertante Nnnaaammm.




5- TABULA RASA (1992)


Tabula Rasa teve o desafio de vir após o clássico Haus Der Lüge. E não se saiu mal. Trazendo uma proposta bem distinta, tem várias peças imperdíveis no repertório da banda, como a demolidora Headcleaner, a irresistível Die Interimsliebenden e a cortante Zebulon. Último álbum de estúdio com o quinteto clássico; Marc Chung partiria pouco depois.




4- KOLLAPS (1981)


O clássico álbum de estreia tem crueza e urgência únicas. É um disco de culto e o favorito de muita gente, apesar de não ser tão perfeitamente lapidado quanto os três que lideram nosso ranking. Gravado em trio, tem múltipla imaginação de ruidosidades e explorações genialmente únicas. Steh auf Berlin é uma síntese das ideias primeiras da banda.




3- ZEICHNUNGEN DES PATIENTEN O.T. (1983)


O segundo registro do Neubauten é incrível ao unir a rudeza dos tempos iniciais com uma imaginação criacional mais ajustada. Primeiro registro com o quinteto original, abre com a demolidora Abfackeln! (uma das mais pesadas que fizeram) e segue com a incrível Vanadium-I-ching, além de ter dado ao mundo a clássica Armenia.



2- HAUS DER LÜGE (1989)


O favorito de muitos fãs e possivelmente o disco mais conhecido do Neubauten. Haus Der Lüge abre de forma matadora com Prolog, marcada pelo recitativo de Blixa entrecortado por noise puro. A dançante Feurio! e a faixa-título fecham o tríptico que forma o coração do registro. Curiosidade: o álbum chegou a ser editado em vinil no Brasil à época.   



1- HALBER MENSCH (1985)


O terceiro álbum do grupo é sua obra-prima. Aqui reuniram todos os elementos, com peças de grande variedade criativa, a começar pelo coro sombrio de abertura, seguindo pelas dançantes Yü-Gung (Fütter Mein Ego) e Z.N.S., adentrando os portais do inferno com Der Tod Ist Ein Dandy e arrematando com Seele Brennt, marcada por pausas/explosões e o “diamond-cutting scream” único de Blixa.

 




[bônus] LIVE AT ROCKPALAST  (1990)

O ao vivo é um modo vital para o Einstürzende Neubauten, em sua história e para o desenvolvimento de sua música. Há alguns álbuns ao vivo na discografia oficial, DVDs e muitos bootlegs. Considero essa apresentação realizada em Düsseldorf, em 24 de novembro de 1990, um de seus melhores exemplares. Mais de uma hora de música intensa (só clássicos!), editado em CD e DVD.

 




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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)