CRÍTICAs Lendária banda alemã Einstürzende Neubauten, que está em turnê pela Europa até o fim de outubro, mostra no palco que ainda tem muito o que dizer...
Por Fabricio Vieira
Um show de uma banda veterana
sempre atrairá antigos fãs que querem ouvir, passadas décadas, apenas as
músicas clássicas. Para parte dos grupos que permanecem ativos por praticamente
toda a vida dos artistas envolvidos isso faz sentido. Afinal, eles próprios
deixaram de criar música nova com a mesma força de seus maiores sucessos (mesmo
que estejamos falando de sucessos underground). Mas há aqueles grupos que
permanecem criando nova música com força e impacto tão sensivelmente relevantes
como no passado. Esse é o caso do Einstürzende
Neubauten. O grupo surgido em Berlim em 1980 se mantém ativo de forma
ininterrupta até hoje. E sempre lançando material novo e fazendo de seus shows
verdadeiros concertos e não apenas a rememoração de um passado saudoso. Nos
dias 21 e 22 de setembro, pude vê-los ao vivo nos concertos que aconteceram no
Konservatoriets Koncertsal, em Copenhague, na Dinamarca. E que noites!
(Fotos: Susanne Borg) |
Outro ponto incrível das apresentações é quando chega a vez de “Sonnenbarke”. Este tema, que também apareceu nos palcos no fim dos anos 90 e depois integrou o álbum Silence is Sexy, ao vivo se transforma. De apenas uma boa faixa do disco, se torna um dos momentos maiores de cada noite. O baixo de Hacke (que é um dos núcleos do grupo; ele é tipo o regente da banda, quem controla as demarcações, as entradas e saídas, o ritmo do concerto) e a guitarra cheia de texturas de Arbeit atingem sua plenitude aqui; na versão de palco, os efeitos sonoros instrumentais e a poesia cantada como que se multiplicam, amplificando o efeito em crescendo que marca a faixa, para terminar de forma apoteótica – se o show acabasse aqui, levaria alguns minutos para as pessoas se recomporem. E tem “Sabrina”, a balada mortal escolhida para o momento mais lírico de cada noite. Com o palco iluminado apenas por um estourado vermelho, essa é outra que ganha vibração nova ao vivo. Isso sem esquecer da abertura com “Pestalozzi”, que vem do álbum recém-lançado, sendo uma escolha justa e entorpecente, já levando os sentidos a adentrarem o universo pelo qual nos conduzirão dali para frente. E a comovente “Gesundbrunnen”, com Moser roçando nossos tímpanos com a furadeira enquanto Blixa vai sutilmente declamando “Zappenduster/ Glühendheiss/ Unten Zappenduster/ Oben Schlehendweiss”.
Blixa Bargeld, no auge de seus 65 anos, está com a voz incrivelmente ajustada. Ele entra no palco descalço, vestido de preto, sutilmente mancando de uma perna, provavelmente um rescaldo da fratura que teve no fêmur tempos atrás. Ele mantém o domínio de todo seu aparato vocal, em forma invejável, quer seja nos momentos de registro mais barítono, quer seja disparando o diamond-cutting scream, em que os agudos vão ao extremo. E Blixa é um performer habilidoso, que interage com o público na medida certa, pontualmente comentando, contando algo ou reagindo ao que vem da plateia. Em alguns momentos, por exemplo, ouviram-se vozes vindas do público gritando “Haus der Lüge”, “Armenia” ou outro hit de outrora, ao que Blixa riu e respondeu: “Amanhã tocaremos Yü-Gung e mais algumas antigas”. Para, após alguns segundos de burburinho, emendar: “Não, não tocaremos não”. E isso na verdade não importa. Mesmo para quem não se familiarizou com os dois últimos álbuns do Neubauten, o show flui de uma forma espantosamente ajustada e hipnótica, fazendo com que o público atravesse as quase duas horas de apresentação sem perder o foco ou o interesse por um momento sequer. O que falta para o Einstürzende Neubauten retornar ao Brasil passados 25 anos de sua única visita? Não sei se é por eles ou desinteresse dos promotores. Mas é muito fácil afirmar que o público está sendo privado de um dos maiores momentos musicais a acontecer nos palcos nesses tempos.
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*quem assina:
Fabricio
Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária.
Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda
correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como
Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e
literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns
“Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”,
de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e
Matthew Shipp (SMP Records)