Byard Lancaster: 5 décadas depois


LANÇAMENTOs
 Quatro álbuns fundamentais do saxofonista da Filadélfia Byard Lancaster, gravados na década de 1970, estão sendo reeditados... 



Por Fabricio Vieira

O saxofonista Byard Lancaster (1942-2012) foi um dos músicos dos Estados Unidos que tiveram na Europa um capítulo fundamental em sua trajetória. Nascido na Filadélfia, ele frequentou no começo da década de 1960 os bancos do Berklee College of Music e por lá fez amizades com alguns nomes que seriam fundamentais para o estabelecimento do free jazz, como Sonny Sharrock, Dave Burrell e Ted Daniel. A próxima parada seria Nova York, onde o free jazz estava em ebulição; ele logo entra para o grupo do baterista Sunny Murray, com quem grava pela primeira vez. Seu álbum de estreia como líder surgiria em 1968, “It’s Not Up To Us”, onde o vemos tocando sax alto e flauta. Na década seguinte, encontraremos Lancaster muitas vezes na França, onde passa longas temporadas. E seria, de fato, por lá que teria oportunidade de gravar uma sequência de discos nos quais apresenta toda a amplitude de suas ideias. Desta fase fundamental em sua trajetória, está sendo resgatado um material muito precioso. Trata-se dos quatro álbuns que Lancaster registrou para o selo francês Palm, de Jef Gilson, nos anos 1970, discos que estavam fora de catálogo e que, em sua maioria, nunca tinham recebido nem uma reedição em CD.

O resgate desses álbuns está sendo feito pela gravadora francesa Souffle Continu Records, que tem reeditado muitas preciosidades do jazz na última década. De Byard Lancaster, está voltando a mercado: Us, Mother Africa, Exactement e Funny Funky Rib Crib. Reunidos em um box com 5 LPs (limitados a 700 cópias) e também reeditados em CDs individuais, esse material, gravado em um relativamente curto período entre o fim de 1973 e meados de 1974, apresenta Lancaster acompanhado de diferentes parceiros e exibindo propostas sonoras bastantes variadas.

O primeiro desses registros é Us. Gravado em 24 de novembro de 1973, traz Lancaster (sax alto e flauta) acompanhado de Steve McCall na bateria e Sylvin Marc no baixo elétrico. Trio de free jazz por vezes embebido por elementos funk (muito marcados na faixa-título e em “Just Test”), é um disco muito pulsante, trazendo cinco faixas. Em Mother Africa, registro feito em 8 de março de 1974, temos um potente álbum no qual Lancaster divide os créditos com o trompetista Clint Jackson III. Em quinteto, eles apresentam três longas peças (às duas faixas que apareceram no disco original, agora é adicionado o bônus “Love Always”) de um free jazz contagiante, em grandes picos de energia embalados pelo robusto baixo conduzido pelo francês Jean-François Catoire. Do mesmo mês vem a sessão de Exactement

Apesar de o saxofonista dividir os créditos com o percussionista Keno Speller, que também tocou em “Mother Africa”, Exactement é quase um longo registro solista. Álbum duplo com oito peças (Speller participa apenas de duas delas), mostra Lancaster tocando saxes alto e soprano, clarinete baixo, flauta e piano (o primeiro instrumento que estudou na vida). O último dos discos da Palm resgatados é o mais diferente deles e o que tem um alcance de público inevitavelmente maior (não à toa, era o único desses registros que recebeu algumas reedições desde quando saiu). Funny Funky Rib Crib é apresentado como uma “homenagem a James Brown e Sammy Davis” e traz uma música cheia de groove, com piano elétrico (François Tusques), guitarra (François Nyombo), trombone (Joseph Traindl) e trompete (Clint Jackson III). Por sua vez, Lancaster está no sax alto, flauta, piano e até voz em um tema. As seis peças foram gravadas em diferentes sessões em meados de 1974 e trazem formações e vibes variantes de um tema a outro. Funk, soul e blues dialogam com a base jazzística de Lancaster em um contagiante registro. Todo este importante material já está disponível on-line, via Bandcamp. Os discos físicos, CDs e LPs, estão programados para serem enviados a partir do começo de outubro.


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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)