6x PERELMAN


LANÇAMENTOs
 O saxofonista Ivo Perelman tem tido mais um ano de intensa produção, com novos discos de diferentes projetos aparecendo nesses tempos. Destacamos 6 novos títulos do músico... 

 


Por Fabricio Vieira

 

Water Music

Ivo Perelman Quartet

RogueArt

Este é um quente quarteto para o qual Ivo Perelman chamou antigos e novos parceiros. Estão presentes o baixista Mark Helias, o baterista Tom Rainey e o sempre presente Matthew Shipp. O álbum abre sem enrolação, com a direta e certeira “Entrainment”, com um sax incansável e o piano de Shipp inspiradíssimo. A faixa-título é uma boa síntese do que esse grupo oferece. Com seus nove minutos, começa com uma pegada forte, se esprai em uma longa passagem mais divagante e ruma para um explosivo final. São oito peças, nas quais o som do quarteto, em sua primeira gravação juntos – em trio, sem Shipp, registraram também o recente “Truth Seeker” –, flui de forma bem alinhada e precisa. O formato quarteto não é o que Perelman mais gravou (ele tem preferência, conscientemente ou não, por duos e trios), então sempre há um frescor extra ouvi-lo nesse contexto, com uma roupagem que revela possibilidades interacionais mais amplas. Gravado em novembro de 2022 no Park West Studios, no Brooklyn (NY), sob os cuidados (mixagem e masterização) de Jim Clouse – aliás, todos os lançamentos apresentados aqui, salvo o indicado, têm essa mesma ficha técnica. Water Music sai em digital e CD.

 


Duologues 2: Joy

Ivo Perelman/ Gabby Fluke-Mogul

Ibeji Music

A nova série de duos criada por Ivo Perelman para explorar o que talvez seja o formato favorito dele, a Duologues, ganha um novo capítulo. Após a estreia da série ao lado do baterista Tom Rainey, sai agora Duologues 2: Joy, onde seu sax tenor compartilha ideias com a violinista Gabby Fluke-Mogul (o próximo capítulo da série, que sai em outubro, trará um duo com a fantástica saxofonista alemã Ingrid Laubrock). Este encontro traz um nível de abstracionismo sonoro mais latente, sem soar agressivo, na verdade se revelando devedor de uma linhagem mais camerística. E a gravação é fresquíssima, tendo sido feita apenas algumas semanas atrás, no mês de julho, sempre no Park West Studios. O disco, relativamente breve, com menos de 40 minutos e nove faixas, sai apenas em formato digital, já disponível no Spotify. Seria ótimo poder ver o duo apresentando essa música em uma sala de concerto (ou mesmo uma igreja), onde ela poderia exibir toda sua potencial beleza implícita.

 


Ephemeral Shapes

Perelman/ Aruán Ortiz/ Ramón López

FSR

Este é um encontro que marca a união de artistas vindos de Brasil, Cuba e Espanha. Todos os três acabaram deixando seus países em busca de cenas que pudessem dar oportunidades melhores para desenvolverem as músicas que imaginavam. E todos eles foram bem-sucedidos nessa caminhada. Talvez um crítico europeu ou estadunidense se esforce para encontrar elementos latinos por aqui, mas, se todos esses três músicos podem trazer (como fizeram em outras oportunidades) elementos sonoro-culturais de seus países para a mesa, Ephemeral Shapes é outro bicho, é trabalho que navega focado nas vias da free improvisation. Tanto o pianista cubano Aruán Ortiz quanto o baterista espanhol Ramón López já tocaram com Ivo Perelman antes. Mas foi a primeira vez que se encontraram assim, em trio em um estúdio. Isso aconteceu curiosamente em Barcelona (nenhum deles vive na cidade), no estúdio Rosazul, uns meses atrás, no dia 7 de maio. Depois o material foi enviado para Nova York, para a mesa de Jim Clouse, homem de confiança de Perelman. Temos neste álbum pouco mais de 45 minutos de música, espalhada por oito peças. Os temas são bem alinhados, vê-se que é fruto de uma mesma sessão, com suas ondulações de intensidade características, que variam de uma faixa a outra, indo de pontos de maior calmaria a picos de maior energia. Editado em CD e digital.   

 

 

Vox Populi Vox Dei

Perelman/ Iva Bittová/ Michael Bisio

Mahakala Music

Impossível não ser transportado imediatamente para um tempo anterior da obra de Ivo Perelman ao se deparar com este Vox Populi Vox Dei. Trazendo seu sax tenor para dialogar com contrabaixo (o sempre inspirador Michael Bisio) e violino (a tcheca Iva Bittová) parece que estamos presenciando um lado B do trio que Perelman mantinha quase duas décadas atrás com Dominic Duval e Rosie Hertlein (que gravaram o excelente “Near To The Wild Heart”). Aqui o cenário é outro, os artistas têm vozes distintas, mas paralelos são palpáveis – curiosamente, Bittová também explora a voz, como Hertlein fazia. Perelman gosta muito da parceria com cordas, se mostrando bastante à vontade nessas formatações. O álbum traz apenas três longas peças, indo de 11 a 28 minutos. Este é mais um interessante material que podemos chamar de “arquivo”, considerando que o saxofonista gosta de editar suas gravações o mais rapidamente possível – Vox Populi Vox Dei foi registrado em setembro de 2017. Lançado apenas em formato digital.

 


Messa Di Voce

Perelman/ Fay Victor/ Morris/ López

Mahakala Music

Este outro lançamento da Mahakala Music é marcante na discografia de Ivo Perelman por trazê-lo ao lado de uma cantora, algo raro em sua trajetória. Curioso que Flora Purim tenha estado presente em seus primeiros discos, mas que depois as cantoras tenham desaparecido de seus trabalhos. E para esta retomada, ele convidou uma das grandes da música criativa, Fay Victor. O quarteto é completado com dois antigos conhecidos seus, Joe Morris (aqui no contrabaixo) e o baterista Ramón López. Messa Di Voce foi captado à época de Vox Populi Vox Dei, em janeiro de 2018 – teria sido muito interessante editar os dois discos juntos, um álbum duplo, cada um em um CD. Aqui temos nove faixas. Elas são divididas em dois blocos (como se tivesse sido pensado para as duas faces de um LP). As quatro primeiras peças recebem o nome I seguido de One, Two... As outras vêm com o nome II, seguidas novamente de One, Two... Um belo registro, de predominante lírica voltagem, que infelizmente está saindo somente em formato digital.

 


Magical Incantation

Ivo Perelman/ Matthew Shipp

Soul City Sounds

Em 2013, Ivo Perelman e Matthew Shipp lançaram o álbum em duo “The Art of the Duet: Vol. 1”, disco que marcava a retomada, após muitos anos, de um formato que teve seu primeiro capítulo com “Bendito of Santa Cruz”, em 1996. O “Vol. 2” de The Art of the Duet nunca veio. Mas a parceria entre saxofonista e pianista se tornou algo do qual os dois não conseguiram mais se distanciar: nesta década que passou, eles editaram discos em dueto praticamente todos os anos. Se estava faltando um título assim em 2024, aqui está ele. E Magical Incantation, o 16º título em duo deles, tem realmente uma personalidade própria, o que não é pouco, já que depois de tantos encontros no formato não seria surpresa acabarem percorrendo caminhos já trilhados. Perelman e Shipp destilam um outro mood aqui. É um disco sensivelmente atmosférico, melódico, melancólico até por vezes. Se foi planejado ou não, isso fez a grandiosidade do registro. A abertura com a sensível “Prayer” já mostra que eles estão a navegar por entre águas diferentes, nos levando involuntariamente a clichês que envolvem o imaginário associado ao jazz (mas não a eles), um bar esfumaçado, um copo de uísque, pessoas solitárias envolvidas pela música que oferecem. Esse clima se mantém na encantadora “Lustihood” e em “Sacred Values”. E mesmo “Enlightenment”, na qual o sax surge de forma mais intensa em sua primeira aparição, após introdução do piano, acaba dissolvendo sua voltagem antes da metade da peça (a mesma estrutura que se revela em “Vibrational Essence”). A faixa-título, que fecha o registro, possivelmente seja a mais melódica de todas as muitas dezenas de peças já criadas pelo duo. Se eles estivessem trabalhando no campo da canção, este seria o disco de baladas da dupla – tá aí um nome que teria sido perfeito para o disco: Ballads...

 


-------

*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)