LANÇAMENTOs Novos álbuns de artistas de diferentes cantos do
Brasil. Experiências variadas, possibilidades múltiplas. Ouça, divulgue, compre
os discos...
Por Fabricio Vieira
Poética #1
Wagner Ramos
Brava
O baterista
Wagner Ramos, uma das mentes criativas do Radio
Diaspora, nos traz este primeiro capítulo de seu projeto
Poética (ao menos
imagino que o #1 do título indique o início de uma série mais ampla). Para a
empreitada, convidou o guitarrista
Luiz Galvão (Otis Trio, Giallos). As cinco
faixas que formam o álbum foram captadas em três sessões de improvisação que
aconteceram em julho de 2023 no Estúdio Ori (novo espaço de Ramos). Às peças
improvisadas pela dupla foram depois adicionadas as vozes de Ines Terra, Paola Ribeiro
e Lucimara Nunes, que declamam passagens poéticas de Hilda Hilst, Cecília Meireles,
Alejandra Pizarnik e Sonia Sanchez. A adição das vozes cria interessantes novas
camadas que amplificam as linhas sonoras, por vezes de intensidade cortante, de
guitarra e bateria. Fica a expectativa pelos próximos capítulos (que espero que
venham).
Jogo Duro
Jogo Duro
Nublu Records
Este é um bem temperado sexteto que une os músicos brasileiros
Guizado (trompete), Zé Nigro (baixo), Chicão (teclados), Samuel Fraga e Tony
Gordin (baterias) ao saxofonista sueco de origem turca radicado nos EUA Ilhan
Ersahin – criador do Nublu, selo, clube e festival. De suas vindas anuais a São
Paulo, onde aconteceu por muitos anos uma versão do Nublu Jazz Festival, Ersahin
fez amizades e tocou com muitos artistas locais. Desses encontros, veio a
vontade e a ideia de levar este grupo a um estúdio para deixar registrado o som
que vinham fazendo informalmente. O resultado são as seis potentes peças que
formam
Jogo Duro, registradas em três sessões no Rootsans Studios (SP). Destaque
para “Compro Ouro”, com sax e trompete em sintonia finíssima (que atinge o
máximo no cortante final), e a irresistivelmente grooveada “Quebra Queixo”, que
traz os melhores momentos do sax.
Without the Beatles
Henrique Iwao/ Mário Del Nunzio
Seminal Records
Without the Beatles é um antigo projeto que passou longos anos hibernando até ser retomado e finalizado neste álbum que chegou há pouco. Explica Henrique Iwao: “
Em 2007, eu, Mário Del Nunzio, Rafael Montorfano e Lucas Araújo nos reunimos, com a intenção de gravar um álbum de peças para piano, supostamente baseadas em músicas dos Beatles. Dezesseis anos depois, eu e Del Nunzio resgatamos o projeto, concentrando-nos no que nós dois havíamos produzido. Apenas metade do material estava pronto e tivemos de mergulhar em nosso passado a fim de compor e mixar o que faltava”. Mais do que revisitar o cancioneiro dos Beatles em chave radical, o álbum se revela uma criação de personalidade muito própria. As canções de inspiração (indicadas nos títulos em português das faixas, como “Adeus Olá/ Hello, Goodbye”, “Ajudai/ Help” ou “Amarelo Submarino”), reimaginadas e improvisadas, extrapolam as linhas mais marcantes dos originais, criando um objeto sonoro novo; para quem não é fanático ou grande conhecedor de Beatles – meu caso –, seria até possível apreciar este disco sem fazer ligações com o quarteto britânico. Vale dizer ainda que o disco é todo para piano (com eventual uso de piano preparado e processamento digital), instrumento menos associado ao trabalho desses artistas, o que amplia a curiosidade de ouvir o registro.
Lúcido
Diego Estevam
Atlântico Sul Music/ Ybmusic
O guitarrista
Diego Estevam faz sua estreia com este
Lúcido.
Integrante do Conde Favela Sexteto, Estevam reuniu um inspirado time para o
álbum, trazendo para seu lado Atila Silva (trompete e flugelhorn), Obi Orin (contrabaixo),
Wendell Lima (piano rhodes) e Wopper Black (bateria) – há ainda a participação
especial do trombonista Allan Abbadia. São seis faixas autorais, marcadas por
suas vivências no Jardim Zaira, em Mauá (SP). No release é citado o lendário
guitarrista Grant Green (1935-1979) como influência direta de Estevam, e
realmente algo do ar jazz Blue Note, casa de Green por tanto tempo, marca a
atmosfera do disco, entremeando sua linguagem contemporânea. Estevam bem exibe
sua esmerada técnica nos primeiros minutos de “Da Palmares ao Zaira”, focados
em seu instrumento. Já “Dia de Jogo no Olinda” tem uma abertura de exploração mais
livre e algo abstrata – um caminho que seria bem interessante ver o grupo
explorar de forma mais ampla –, fazendo do solo de trompete seu destaque.
Y’Y
Amaro Freitas
Psychic Hotline
Aos 32 anos, o pianista de Recife
Amaro Freitas já se
firmou como um nome de força da atual música instrumental feita no Brasil.
Freitas, que estreou com o promissor “Sangue Negro” em 2016, já está
conquistando seu espaço também no exterior, tendo se apresentado lá fora em diferentes
oportunidades, sempre com cobertura elogiosa da imprensa de cada local. Com
este
Y’Y, o pianista e compositor deu um passo além. Seria cômodo para ele seguir
o rumo que deu certo desde que surgiu, mas, mostrando uma verve criativa ainda
em ebulição, foi arriscar-se por outros caminhos. Há um olhar mais aberto aqui ao
avant-garde, uma ampliação de fronteiras que se reflete também nos certeiros convidados:
o percussionista
Hamid Drake, o guitarrista
Jeff Parker e o saxofonista (aqui tocando
só flauta)
Shabaka Hutchings.
Y’Y é um disco algo conceitual, que nasceu após
uma viagem do músico pelo Amazonas em 2020. O álbum é uma “
homenagem à
floresta, especialmente à Floresta Amazônica, e aos rios do Norte do Brasil: um
chamado para viver, sentir, respeitar e cuidar da natureza, reconhecendo-a como
nossa ancestral”. O resultado é uma música de amplo espectro expressivo, tendo
entre seus destaques a encantatória “Dança dos Martelos”, com sua rondante
percussão a apoiar um piano do qual se extrai uma crescente frágil e quebradiça
melodia, culminando em ataques lá pela metade da faixa, que ecoam no peito, antes de
adentrar um solo impactante. “Gloriosa”, que conta com a participação da
harpista Brandee Younger, é deleite puro. Há a homenagem ao também pernambucano
Naná Vasconcelos, com “Viva Naná”, que remete ao universo do lendário
percussionista. “Encantados”, que fecha o registro, tem a força jazzística mais
marcada, até por sua formação, com piano, Drake na bateria, Hutchings na flauta
e Aniel Someillan no baixo. Um dos discos imperdíveis do ano. Editado em CD, LP
e digital.
Conic Tube
Yedo Gibson
Relative Pitch Records
O saxofonista paulistano
Yedo Gibson se radicou na Europa há
quase duas décadas. Antes disso, participou de momentos fundamentais para o desenvolvimento
da improvisação livre no Brasil no início dos anos 2000 – época em criou o seminal
Abaetetuba, ao lado do percussionista Panda Gianfratti. Primeiro em Amsterdã,
depois em Portugal (onde vive), Gibson demarcou seu espaço na cena, tocando e
gravando com muita gente vital do meio. Nesta altura de sua trajetória, chegou
o momento que praticamente todo saxofonista do free impro enfrenta: gravar um
álbum solista. Este registro, realizado em uma sessão no dia 15 de fevereiro de
2023, no Namouche Studios, em Lisboa, atesta bem a maturidade expressiva
alcançada pelo músico. São oito peças, nas quais Gibson se alterna entre os
saxes tenor, alto e soprano. “
Conic Tube comes from the idea that the saxophone
is nothing but a metal conical tube that amplifies, modifies and pushes the air
through the room, if the instrument is just an object and sound is just air and
air is inside-out of us, pushing this air becomes the tool to structure our
space and surroundings making possible changes on our environment and energies.
With this in mind and spirit this record was produced with the intent to
fulfill and open new possibilities for the minds and spirits of the listener”,
explica o artista no release. Lidando com técnicas estendidas ou solando
limpamente, Gibson apresenta uma ampla variedade de possibilidades expressivas,
mostrando que é uma das vozes mais sólidas de sua geração.
Conic Tube está
sendo lançado pelo selo Relative Pitch em CD e digital.
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em
Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por
alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou
também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos
anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de
liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo
Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live
in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)