LANÇAMENTOs Em destaque, novos álbuns de
artistas da free music vindos de diferentes partes do globo... Ouça,
divulgue, compre os discos...
Por Fabricio
Vieira
Live At SperDeluxe
Sakata/ Rasmussen/ O’Rourke/ Corsano
Trost Records
O que esperar quando se lê na capa de um disco os nomes:
Akira Sakata,
Mette Rasmussen,
Jim O’Rourke
e
Chris Corsano? Fire Music, certo?! Sim, é isso que este encontro que uniu
diferentes gerações oferece. Sabe-se lá por que levou tanto tempo para o material chegar aos ouvintes (a gravação vem de um encontro que aconteceu em maio de 2017 no
SuperDeluxe, um espaço em Tóquio). Mas que bom que chegou (e mais: haverá um
Vol. 2, a sair no ano que vem). Dois saxes, guitarra, bateria e muita energia.
São 40 minutos de música, divididos em duas partes (provavelmente para se
adequar ao formato vinil, com cerca de 20 minutos de cada lado), mas que
nasceram para serem ouvidas direto, sem interrupções. É improvisação livre
feita por artistas que dominam o idioma e fazem do ruído um elemento estético
que fundamenta a criação e não apenas barulho solto jogado no ar. Há alguns
vales menos incendiários (como a primeira metade da “Part 2”, onde temos
primeiro a guitarra sozinha, depois a entrada da voz de Sakata, antes de o
quarteto se unir para elevar a intensidade até o desfecho do registro), mas o
disco como um todo mantém a temperatura bem elevada. Editado em LP e digital.
No ToXic
Glod/ Ramond/ Kugel
Nemu Records
Este trio de veteranos instrumentistas europeus toca junto
há umas duas décadas. E isso fica explícito na forma como a música deles se
desenvolve, precisa e sem arestas. Unindo os alemães
Christian Ramond
(contrabaixo) e
Klaus Kugel (bateria) ao saxofonista de Luxemburgo
Roby Glod
(alto e soprano),
No ToXic apresenta uma gravação captada em junho de 2022 no
Kreuzung an Sankt Helena, em Bonn (Alemanha). São 14 peças não tão extensas (para
o padrão do free), que variam de 2m40 a 8 minutos. O que temos aqui é um free
que não dá as costas à herança jazzística, que pode até ser algo swingante se
assim a peça demandar. Os temas podem ainda carregar energia maior, com
intensidade duplicada, como a bateria e o baixo domado pelo arco mostram na
faixa-título. Um registro saboroso, que agrada os ouvidos sem esforço. Editado
em CD e digital.
NatJim
Natsuki Tamura/ Jim Black
Libra Records
O trompetista japonês
Natsuki Tamura e o baterista
norte-americano
Jim Black se conheceram há muito tempo. Em 1999, gravaram em
duo pela primeira vez, encontro que apareceu no disco “White & Blue”. Depois,
tocaram juntos no quarteto de Satoko Fujji, antes de passarem muitos anos sem
se reencontrar. E agora chegou a hora de voltaram a conduzir uma conversa
apenas entre os dois. A ideia de
NatJim surgiu após compartilharem um palco
novamente, em 2023, no Japão. O registro que agora ouvimos se concretizaria
logo depois, mas quando se reencontraram na Europa, no último mês de novembro, e
resolveram reservar um tempo para dividir uma sessão no estúdio. Tamura levou
um punhado de peças suas – dessas, seis foram gravadas, sendo as outras três
faixas do disco fruto da improvisação livre. “Noisy City” é uma das melhores,
com seu algo agressivo diálogo, marcado pelo pulso vigoroso da bateria e os
ataques cortantes do trompete. “Bright City” é outro dos mais potentes
momentos, trazendo ainda uma desconcertante cantoria de Tamura.
NatJim será lançado
em CD no dia 17 de maio.
3+3
Tomeka Reid Quartet
Cuneiform Records
Tomeka Reid, além de ser um nome central do violoncelo na
free music contemporânea, tem sedimentado sua carreira também como compositora
e comandando grupos. Este quarteto, que estreou em 2019 com o muito elogiado
“Old New”, é provavelmente a mais relevante de suas vozes. Ao lado de três
figuras destacadas de sua geração –
Mary Halvorson (guitarra), J
ason Roebke
(baixo) e
Tomas Fujiwara (bateria) –, tem criado com este quarteto uma música
camerística de inventividade certeira. “
I see the whole album as a suíte. Previously
I’d written shorter pieces and felt like I had to write jazz pieces, and for
this album I wanted to write longer forms. I do a lot of free improvisation and
wanted to reflect that more on my records. There are tunes on this too, but
it’s more open”, afirma Reid na apresentação do trabalho. O álbum foi gravado
no Firehouse 12, New Haven, em duas sessões realizadas em agosto de 2023. Lá
foram captadas as três peças (ou partes, já que, como ela explica, trata-se de
uma suíte) de
3+3, escritas anteriormente, quando ela foi artista residente no
Moers Jazz Fest de 2022 (o apoio da Chamber Music America New Jazz Work
Commision permitiu a conclusão do trabalho). Mais um belíssimo registro do Tomeka Reid Quartet, editado em CD, LP e digital.
Duologues 1: Turning Point
Ivo Perelman/ Tom Rainey
Ibeji Music
Os duos de sax tenor e bateria têm diferentes capítulos na trajetória
de
Ivo Perelman, formando já uma seção própria em sua discografia. Esse formato
o tem acompanhado em todo seu percurso, tendo sido explorado pela primeira vez
em “Soccer Land” (1994), ao lado de Zé Eduardo Nazário. Depois vieram “The Hammer”,
com Jay Rosen (seu melhor exemplar no formato), “The Stream of Life”, com Brian
Wilson, “The Apple in the Dark”, ao lado de Gerry Hemingway, e “Tenorhood”, parceria
com Whit Dickey. O saxofonista volta a esse tipo de duo agora acompanhado do
baterista
Tom Rainey, com quem tem trabalhado mais recentemente.
Turning Point inicia uma nova série de duos, a
Duologues, dentro da discografia de Perelman (daí o
1 do subtítulo); as próximas parcerias da série serão com outros instrumentistas. Aqui
vemos o sax tenorista dividindo ideias com Rainey em sete peças, improvisação
livre gravada em uma sessão, como costuma ser nos registros de Perelman. Entre
tempos mais relaxados, como a faixa “3”, e passagens com sopros mais incandescentes,
bem ilustrados na faixa “2” (a mais excitante do conjunto), Perelman alcança
com Rainey empolgantes momentos. O álbum será editado daqui a alguns dias, apenas em formato digital.
Embracing the Unknown
Perelman/ Fowler/ Workman/ Cyrille
Mahakala Music
Em mais uma sessão na sua segunda casa – o Park West
Studios, no Brooklyn (NYC) onde vive –, Ivo Perelman reuniu um grupo muito
especial. Para formar o quarteto que ouvimos neste seu outro novo álbum, Perelman
se uniu ao também saxofonista Chad Fowler (aqui tocando stritch e saxello, dois
instrumentos pouco usuais, que remetem ao lendário David S. Ware) e a duas
verdadeiras lendas vivas do jazz mais criativo: o contrabaixista Reggie Workman,
que está com 86 anos, e o baterista Andrew Cyrille, com seus 84 anos. O encontro resultou em mais de uma hora de
música, repartida em sete temas. A faixa-título, que inicia o álbum, é a mais
extensa (21 minutos) e mostra toda a gama expressiva oferecida pelo quarteto,
da abertura divagante às passagens mais enérgicas, em uma síntese do que o
ouvinte encontrará no registro. “
This is vibration music and if you open up and
let it in, it can raise your spirits”, diz Matthew Shipp nas liner notes. Editado em CD e digital.
Teiku
Teiku
577 Records
Este novo quinteto norte-americano, liderado pelo pianista
Josh Harlow e pelo percussionista
Jonathan Barahal Taylor, traz uma fresca
música que une free jazz e elementos da cultura popular judaica. Se isso não
chega a ser uma novidade em si (impossível não lembrar imediatamente de Zorn e
sua
radical Jewish culture), o resultado é bastante surpreendente. O projeto
Teiku – um acrônimo talmúdico que significa algo como “pergunta sem resposta” –
tem em sua origem as memórias afetivas de Harlow e Taylor, ambos de famílias
judaicas de ascendência ucraniana, em especial as canções de Páscoa que ouviam
a cada ano em suas casas durante esta festa. Nascido na cena de Detroit, o
grupo ganhou a adição de um veterano local, o contrabaixista Jaribu Shahid (que
tocou com Griot Galaxy, Sun Ra Arkestra, Roscoe Mitchell), e de dois
saxofonistas, Peter Formanek e Rafael Leafar. O álbum captado em maio de 2022,
no estúdio Big Sky Recording (Michigan), apresenta nove peças. Esse encontro
entre melodias ancestrais e música criativa gestou um registro de profunda
espiritualidade e lirismo por vezes tocante. Há também momentos de maior
intensidade, a destacar a faixa “Adir Hu”, com o melhor solo de piano do disco
e o desfecho demolidor marcado pelo cortante diálogo de clarinete e sax.
Teiku está sendo publicado em digital e CD, edição limitada de 200 cópias.
Jonesville
Acceleration Due to Gravity
Hot Cup Records
O baixista e compositor
Moppa Elliot, que sempre será
lembrado pela banda Mostly Other People Do the Killing (MOPDtK), apresenta um
trabalho de um outro muito forte projeto seu, o noneto
Acceleration Due to
Gravity.
Jonesville é o segundo título desta potente banda, formada por Ava
Mendoza (guitarra), Bobby Spellman (trompete), Dave Taylor (trombone), Matt
Nelson (sax alto), Stacy Dillard (tenor), Kyle Saulnier (barítono), George
Burton (piano) e Mike Pride (bateria). São sete peças, relativamente breves, sendo
três releituras de temas do contrabaixista Sam Jones (1924-1981), cujo
centenário será celebrado em novembro. As faixas compostas por Elliot são
inspiradas pela música de Jones, o que faz com que o material forme um todo
bastante equilibrado. Com sólidas linhas jazzísticas, Elliot apresenta, por
meio de uma linguagem contemporânea, peças envolventes, swingantes e cortadas
por solos matadores. Publicado em LP 45 rpm.
10 Comp (Lorraine) 2022
Anthony Braxton
New Braxton House
O mestre
Anthony Braxton segue tocando, criando, produzindo
música ainda a despertar interesse incontornável. Aos 78 anos de idade, o
saxofonista de Chicago é uma das lendas vivas mais ativas. Este novo álbum
mostra que sua ousadia e ambição seguem intactas.
10 Comp (Lorraine), um box com 10 discos, é dividido
em dois blocos. O primeiro, formado pelos CDs de 1 a 6, traz material captado
em seis concertos realizados entre outubro e novembro de 2021 em diferentes
países (República Tcheca, Portugal, Alemanha, Espanha e Luxemburgo) com seu Lorraine
Trio, formado ao lado de
Adam Matlock (acordeão e voz) e da trompetista
portuguesa
Susana Santos Silva. Já os discos de 7 a 10 trazem um quarteto, no
qual Braxton se uniu ao saxofonista James Fei e aos baixistas Zach Rowden e
Carls Testa, em um estúdio em New Haven (EUA) em maio de 2022. Apesar das
diferentes formações, a música se desvela com coesão, dando sentido à decisão
de formar com todo o material um único box. Cada disco apresenta apenas uma
composição (peças que estão entre os números 423 a 435 do opus de Braxton). Sai
em edição limitada de 300 cópias.
Live Album
Nout
Trost Records
Vem da França este novo muito empolgante trio. Formado por
Delphine
Joussein (flauta),
Rafaelle Rinaudo (harpa elétrica) e
Blanche Lafuente
(bateria), o
Nout apresenta uma música de energia muito elevada. As três
artistas têm chamado a atenção na Europa nos últimos tempos, tendo tocado em
festivais e clubes em diferentes países do velho continente. Agora, com esta
estreia por um selo de ampla repercussão como o Trost Records, devem conquistar
ouvintes em outros cantos. A música do
Nout apresenta variados elementos
sonoros trabalhando juntos, com rock e noise sendo as pinçadas mais marcadas no
free jazz aberto que oferecem. Não se iludam quando verem flauta e harpa nos
instrumentos-base: eles são explorados de forma não ortodoxa. A adição da voz
aqui e ali, em meio a intervenções eletrônicas, potencializam as ideias
cortantes do trio. As 12 peças, gravadas ao vivo, vêm de apresentações em
Dinamarca, Itália, França, Áustria, Portugal e Romênia, realizadas no segundo
semestre de 2023. Mats Gustafsson aparece com o sax barítono em três das
faixas, dando sua bênção a este novo trio que promete repercussão crescente.
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*quem assina:
Fabricio
Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária.
Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente
do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e
Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura
para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and
Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo
Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp
(SMP Records)