LANÇAMENTOs O
selo independente
Pyroclastic Records, criado pela pianista Kris Davis, tem
montado um muito estimulante catálogo. Apresentamos três dos últimos
imperdíveis lançamentos da gravadora...
Por Fabricio Vieira
Bird’s Eye
David Leon
O jovem
saxofonista de Miami
David Leon reuniu um grupo muito singular para este seu
novo registro. De ascendência cubana, Leon tem ganhado espaço na cena
nova-iorquina nos últimos cinco anos, tocando com nomes como Tomas Fujiwara,
Ingrid Laubrok e Cory Smythe. Para esta sua estreia pelo Pyroclastic Records
montou um trio com outros jovens artistas, a baterista
Lesley Mok e a coreana
DoYeon Kim (que, tocando o instrumento tradicional de cordas de seu país, o
gayagum, tem chamado a atenção na cena). O trio tocou junto pela primeira vez
no começo de 2020, mas a pandemia os afastou por um ano e pouco, quando se
reencontraram e passaram a desenvolver a música que resultaria neste álbum. A
princípio, Leon queria destacar a música cubana como um ponto de partida. Mas
logo percebeu que para fluir sem rodeios a música do trio teria que percorrer
outras trilhas. Elementos da música tradicional coreana foram ganhando espaço e
tudo foi mesclado pelas vias do avant-garde jazz. O resultado são 10 peças,
captadas no Oktaven Audio (NYC) em uma única sessão, em 15 de novembro de 2022.
A música do trio é aconchegantemente sedutora e envolvente, com muita liberdade
sonora, mas evitando picos de agressividade maior. Os temas exalam suas
múltiplas influências, podendo pender uma hora mais para um lado ou outro –
como em “A Night For Counting Stars”, em que o elemento coreano é dominante,
trazendo inclusive a declamação de um poema de Yun Dong-ju (1917-1945). Um prometedor
trio.
Nighttime Creatures
The Angelica
Sanchez Nonet
A pianista
Angelica Sanchez montou um muito sólido grupo para experimentar esse seu
conjunto de novas composições. O noneto traz a seu lado Ben Goldberg
(clarinetes), Michël Attias (sax alto), John Hébert (baixo), Thomas Heberer
(trompete), Chris Speed (sax tenor, clarinete), Kenny Warren (corneta), Omar
Tamez (guitarra) e Sam Ospovat (bateria). “
This recording is a culmination of
six years of writing, re-writing, rehearsals, concerts, van trips with the band”,
diz a compositora.
Nighttime Creatures traz nove peças de Sanchez mais
releituras de “Lady of the Lavender Mist” (Duke Ellington) e de “Tristeza”, do
compositor chileno Armando Carvajal. Gravado em agosto de 2021 no Oktaven
Audio, Mount Vernon (NY), o álbum apresenta toda a maturidade expressiva desta
experimentada pianista natural do Arizona, que chegou em Nova York ainda na
década de 1990 para tocar sua carreira. A inspiração
primeira do álbum nasceu de uma experiência pessoal de Sanchez. Como professora
no Bard College, passou um tempo morando em uma cabana na floresta. No trajeto
diário até lá, e nas longas noites, ouvia sons de diferentes animais,
conhecidos ou não, atravessando a escuridão da floresta. A faixa-título, que
abre o disco, absorve de forma muito criativa esse estranhamento sonoro, mas
resultando em uma refinada peça, que tem como destaque um envolvente solo de
clarinete baixo. “
The title Nighttime Creatures came out of my fascination of
the night in the deep woods, where light seems to get eaten, as if it were in
the center of a black hole. Hearing sounds of creatures I don't recognize makes
my imagination run wild”, conta Sanchez.
Laugh Ash
Ches Smith
Ches Smith não
só se sedimentou como um dos bateristas centrais da free music contemporânea como tem
desenvolvido um elogiado trabalho como líder/compositor, com destacados álbuns
e projetos em seu currículo. Para este seu mais recente disco, Smith convocou um
amplo time de experimentados artistas. A seu lado estão: Anna Webber (flauta), Oscar
Noriega (clarinete), James Brandon Lewis (sax tenor), Nate Wooley (trompete), Jennifer
Choi (violino), Kyle Armbrust (viola), Michael Nicolas (violoncelo), Shahzad
Ismaily (baixo) e Shara Lunon (voz). Há muito é redutor se referir a Ches Smith
apenas como baterista. Aliás, ele pouco toca bateria propriamente aqui. Em
Laugh Ash,
ele quer mesmo é experimentar múltiplas vias, ficando a seu cargo vibrafone, eletrônicos,
programação, tubular bells, glockenspiel, tímpano, tam tam, percussão de
metal... São nove peças de sabor bastante variado, gravadas em abril de 2023 no
The Bunker Studio, no Brooklyn (NY). “Remote Convivial” talvez seja a melhor,
com suas envolventes explorações de cordas e sopros (com certa herança minimalista
no ar) e um matador solo de Lewis. Da soturnamente climática “Winter Sprung”,
com sua penetrante voz sussurrada, às linhas eletrônicas fraturadas de “The
Most Fucked”,
Laugh Ash é um álbum que oferece um cardápio inventivamente variado.
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*quem assina:
Fabricio
Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária.
Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda
correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como
Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e
literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns
“Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”,
de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e
Matthew Shipp (SMP Records)