CRÍTICAs O pianista Matthew Shipp acaba de editar um novo imperdível registro de seu fantástico trio, acompanhado mais uma vez por Michael Bisio e Newman Taylor Baker...
Por Fabricio Vieira
Em setembro do ano passado, o selo ESP-Disk trouxe de volta
ao mercado um fundamental registro da discografia do pianista Matthew Shipp: Circular
Temple. Este álbum, gravado em outubro de 1990, estava fora de catálogo há
muito e é um marco, sendo o primeiro disco em trio – ao lado de William Parker
(baixo) e Whit Dickey (bateria) – gravado por Shipp. O formato de trio de
piano-baixo-bateria, um dos mais clássicos do jazz, se tornaria uma das peças
fundamentais da música de Shipp, especialmente pelos muitos trabalhos assim que
tem realizado na última década e meia. Sua discografia conta com cerca de uma
dúzia de títulos em trio. Agora chega aos ouvintes um novo capítulo nessa
história, com a edição, também pela ESP-Disk, de New Concepts in Piano Trio
Jazz.
New Concepts in Piano Trio Jazz sabe ser diverso em sua
justíssima coesão. É como se o trio nos mostrasse que a música que cada um
deles produz há tanto tempo é ampla, sem limites e sempre tateando rumos novos
– e a junção das três vozes faz alguns milagres surgirem à nossa escuta. Lírico
e meditativo são palavras que vêm sem força à mente quando a faixa de abertura,
“Primal Poem”, vai se desenvolvendo, com sua profundamente tocante melodia
circular ao piano, que rapidamente nos engolfa. “The Function” nos joga para
outros lados, abrindo com um walking bass irresistível, sendo a de ares mais
jazzísticos que ouviremos. “Non Circle” é uma das mais intensas do conjunto,
com o solo de piano no meio da peça, por sobre e entre a penetrante bateria,
fazendo os ouvidos rodopiarem. Já “Tone IQ” vai por rumos sombrios, sendo penetrante,
contemplativa, em meio a seus silêncios e toques esparsos. “Brain System” mostra
o contrabaixo em seus momentos de maior protagonismo, com Bisio tirando do arco
linhas penetrantes que duelam com o piano pelo espaço. “Brain Work”, a mais
breve com seus 3 minutos, é uma espécie de intermezzo para piano solo, uma
preparação para o encerramento apoteótico. E “Coherent System”, a mais longa,
com seus quase 12 minutos, fecha a seleção com Shipp em sua voltagem mais
acelerada, onde mostra a agilidade de dedos que estão sobre as teclas há tantas décadas, que sabem onde, quando e como ir, que já esquadrinharam cada milímetro do
teclado, chegando ao êxtase lá pelo meio da faixa.
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)