LANÇAMENTOs A pianista japonesa
Satoko Fujii segue com uma
série de imperdíveis lançamentos, mostrando a versatilidade de sua música por
diferentes projetos...
Por Fabricio Vieira
Hakuro
Satoko Fujii/ Ryoko Ono
Independente
Dando uma olhada rápida na discografia (que já supera os 100
títulos) de
Satoko Fujii, este é um formato que faltava ser registrado por ela:
o duo de piano e saxofone. Assim, cresce o interesse pelo o que ouvimos neste
Hakuro, no qual a pianista se uniu à saxofonista japonesa
Ryoko Ono. Apesar de
já ter também uma ampla discografia, que cresceu especialmente na última década
e meia, Ono é uma artista mais ligada à cena local japonesa, sendo um nome
relativamente pouco conhecido no exterior. Ela, também flautista, tem
desenvolvido projetos variados, a destacar seus trabalhos solistas, a parceria
com o baterista Yoshida Tatsuya (“Sax Ruins”) e a série New Duo, pela qual fez
mais de 30 registros de duetos com artistas japoneses e estrangeiros. O
encontro entre Ono e Fujii se deu em setembro de 2023, no clube Always, em
Kobe. Foi a primeira vez que tocaram juntas em duo, em uma apresentação que
resultou em cerca de uma hora de impro livre. São seis peças, nas quais vemos uma
música que se desenvolve por diferentes camadas, com variadas tensões, indo do
contemplativo ao soturno, com passagens de energia mais latente. Um disco de
inegável força. Editado apenas em formato digital.
Hibiki
Trio San
Jazzdor Series
Este trio feminino de artistas japonesas é um novo grupo que
se reuniu para um festival na Alemanha. O
Trio San coloca o piano de
Satoko
Fujii ao lado de sua parceira de outras datas, a vibrafonista
Taiko Saito (com
quem mantém o genial duo Futari), e da baterista
Yuko Oshima. O fato de cada
uma delas viver em um país – Fujii, no Japão; Saito, na Alemanha; e Oshima, na
França – deve dificultar novos encontros desses, então é bom que tenha ficado
este registro da instigante parceria.
Hibiki é fruto de um concerto realizado em 8 de
junho de 2022 durante o Festival Jazzdor. São pouco mais de 50 minutos de uma
música que começa minimalista, com a faixa-título (tema de Oshima)
desenvolvendo seus quase 13 minutos por meio de sons de delicada fatura, com o
volume ganhando corpo apenas em seu desfecho. Esse clima norteará de certa
forma o álbum, mas encontramos no caminho também peças de maior vigor, como as
empolgantes “Soba” (tema de Fujii) e “Ichigo” (de Saito). Editado em CD e
digital.
Jet Black
Satoko Fujii Tokyo Trio
Libra Records
Satoko Fujii está ligada a uma série de projetos, trabalhando
com todos os formatos, de solista a orquestras. Assim, não podia faltar em seu
cardápio um dos formatos jazzísticos por excelência: o trio de piano,
contrabaixo e bateria. Na verdade, um de seus primeiros grupos, arquitetado
ainda na década de 90, era um trio ao lado do baixista Mark Dresser e do
baterista Jim Black. Mais recentemente, ela voltou a testar esse tipo de grupo.
Em 2019, ela resolveu montar uma nova banda, conhecida por
Tokyo Trio, ao lado
de seus conterrâneos
Takashi Sugawa (baixo) e
Ittetsu Takemura (bateria). Eles
fizeram sua estreia em 2021, com o bem recebido “Moon on the Lake”. Agora chegam
a um novo trabalho,
Jet Black. Gravado em 21 de março de 2023, no Koendori
Classics, em Shibuya (Tóquio),
Jet Black apresenta seis peças, que variam de 5
a 12 minutos. “Along the Way”, na qual vemos a Fujii melodista em seu
melhor, é marcada por uma abertura de ataques e pausas, criando um interessante
dinamismo, algo swingante, que desemboca num pulsante solo de piano. “Sky
Refletion” é outro universo, soturnamente de nuances mais experimentais, algo
que se aprofunda ainda mais em “From Sometime” e marca também a faixa-título. Um
trio vigoroso e abertamente inventivo.
Unwritten
Kaze
Circum/ Libra Records
Quarteto franco-japonês formado
por
Satoko Fujii (piano),
Natsuki Tamura (trompete, voz),
Christian Pruvost
(trompete, flugelhorn) e
Peter Orins (bateria), o
Kaze apareceu em 2010 e tem
inspirados discos editados desde então. Este novo registro tem uma marca
própria: pela primeira vez, o quarteto se foca na improvisação livre (daí o
nome do disco,
Unwritten).
Se o free impro é, na verdade, uma das bases dos integrantes do grupo, nos outros
trabalhos do Kaze sempre havia material composto dando os alicerces por onde
livremente circulavam. Desta vez, tudo foi criado ali na hora mesmo. “
Na
verdade, nossas composições para o Kaze sempre foram pretextos para a
improvisação”, pondera Orins. “
Nós apenas tocamos, sem discutir nada”, completa
Fujii. Gravado em maio de 2023 durante uma turnê europeia, no concerto
realizado em Lille (França),
Unwritten
tem apenas três peças. O disco abre com a bem extensa “Thirteen Years” (alusão
ao tempo que estavam juntos então), com seus mais de 36 minutos de duração. A
abertura climática, com sutis toques no piano, percussão quase inaudível e
entradas lentas e pontuais dos trompetes, que se arrasta pelos cinco minutos
iniciais, é perfeita, levando os ouvintes a irem imergindo gradativamente na
música, de uma forma que não há mais como sair. “We Waited”, na sequência, traz
vocalizações de triste fatura de Tamura, que criam inevitável estranhamento. E
“Envolving”, a mais breve, encerra o disco com uma intensidade mais concentrada,
com a percussão em destaque em sua primeira metade. Lançamento previsto para o
dia 9 de fevereiro, em CD e digital.
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica
Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi
ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com
publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem
escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner
notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo
Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live
in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)