PLAY IT AGAIN... (Ásia)


LANÇAMENTOs
Muitos artistas vindos de diferentes cantos da Ásia têm explorado as vias da free music. Em destaque, algumas novidades de nomes asiáticos que merecem ser conhecidos. Ouça, divulgue, compre os discos... 

 


Por Fabricio Vieira   

 

Black Stream: Autumn

Hsinwei Chiang

Formosa Collective Records

A violinista Hsinwei Chiang é uma artista vinda de Taiwan. Ela estudou música clássica desde a infância, tocou em orquestras sinfônicas e depois foi se aventurar pelo mundo da free music. Black Stream é seu debute. Projeto que começou a ser editado em meados de 2023 e que, na verdade, é dividido em quatro partes/discos, cada uma delas nomeada com uma estação do ano (a sequência de lançamentos é: summer-winter-spring-autumn), sendo este Autumn o título que fecha a série, que representa “memórias de diferentes etapas de sua trajetória musical”. Todo o material de Black Stream foi registrado no Sound and Sound Studios, em New Jersey, em 2022. Em quarteto, Hsinwei Chiang está acompanhada de uma seleção de instrumentistas referenciais da free music: Patricia Brennan (vibrafone), Hilliard Greene (contrabaixo) e Nasheet Waits (bateria). Black Stream, com seu conjunto de quatro álbuns, apresenta um instigante momento do free impro camerístico contemporâneo.

 


Aftertaste

Debby Wang

Independente

Debby Wang é outra artista representante de Taiwan. Depois de estudar música clássica em seu país, a vibrafonista e compositora foi para a Áustria, onde se aprofundou no mundo do jazz. Em 2018, sua próxima parada foi os EUA, onde passou pelo Berklee College of Music, se especializando em vibrafone jazzístico e composição, tendo tido aulas com artistas como Kris Davis, Terri Lyne Carrington e Linda May Han Oh. De volta a Taiwan, foi trabalhar nas peças que comporiam seu álbum de estreia. O resultado, vemos agora. Aftertaste é um bem elaborado trabalho, com arranjos variados. São nove faixas, que vão de marimba solo a big band jazzística. “Cuisine” é um desses extremos, marcada pelas sutilezas do vibrafone. Na outra ponta, destaca-se “8 Drunken Gods”, com sopros, cordas, piano e percussão, além de voz (curiosa, a nossos ouvidos, participação do Pan Yu Puppet Theater). Um agradável estranhamento ecoa aqui e ali, nos lembrando que a artista buscou, como diz no release, trazer para o trabalho também “sons de Taiwan, permitindo que o público fora de Taiwan compreenda melhor a sua cultura”.

 


Why Be Free

Lao Dan/ Li Daiguo

Old Heaven Books

Lao Dan é o nome vindo da China que mais tem chamado a atenção no universo da free music atual. Tendo sua origem na cidade de Dandong, que faz fronteira com a Coreia do Norte, Lao Dan começou a descobrir o sax ainda na infância, mas se especializou, no Conservatório Musical de Shenyang, na flauta de bambu. Lá para 2018, começou a circular por EUA e Europa – sempre voltando a seu país –, fazendo conexões (gravou com Paul Flaherty, Luther Gray, Jooklo Duo...) e apresentando sua música muito particular ao mundo. Se ele atravessa o free impro mais enérgico, também busca na música popular chinesa elementos de inspiração. Neste aspecto, o encontro com o multi-instrumentista Li Daiguo foi fundamental. Daiguo nasceu em Oklahoma, em família de imigrantes chineses, e emigrou para o país de seus ancestrais em 2004. Ele toca tanto instrumentos ocidentais quanto orientais, passando por piano, violino, percussão, pipa, shakuhachi e por aí vai. Lao Dan e Li Daiguo passaram a trabalhar mais conjuntamente a partir de 2021. E diferentes testemunhos desta parceira formam este Why Be Free. Em sete faixas, o duo improvisa investigando várias vias, utilizando instrumentação ocidental e oriental, indo de um free impro mais detectável a peças com marcado sabor popular – como diz o release, oscilando entre a música étnica e a experimental.

 


Guardians

Annie Chen

JZ Music

Annie Chen é uma vocalista e compositora nascida na capital da China. Filha de um tradutor, cresceu entre discos de jazz e apresentações da Ópera de Pequim. Ela se mudou para os Estados Unidos pouco mais de uma década atrás para estudar, tendo tirado um Master of Music pelo Queens College. Baseada na cena jazzística de Nova York, passou a desenvolver seus projetos, culminando no septeto Guardians, com o qual tem trabalhado desde 2022, chegando agora a este seu novo disco. Ao lado da artista chinesa estão aqui músicos de diferentes países: o guitarrista suíço Marius Duboule, o brasileiro Vitor Gonçalves (acordeon, piano), o baterista japonês Satoshi Takeshi, o violinista malaio Fung Chern Hwei e os norte-americanos Alex LoRe (sax, flauta) e Mathew Muntz (baixo). Apoiada por este time internacional, Cheng apresenta cinco composições, que culminam com “Guardians Suite”, em quatro partes que fecham o disco – a inspiração para a suíte veio de uma visita de Chen ao Acadia National Park, no Maine, em um dia de inverno em que a fauna e a flora ainda marcavam a paisagem, conta ela. Para as outras peças, que formam a primeira metade do álbum, há variadas inspirações no ar: o ouvinte vai se deparar, por exemplo, com uma particular versão de “Rosemary’s Lullaby”, tema do pianista polonês Krzysztof Komeda para o clássico filme de Roman Polanski. Um interessante álbum, equilibrado e bem arranjado em suas múltiplas referências.

 


Korean Fantasy

Kim Dae Hwan/ Choi Sun Bae

NoBusiness Records

Este álbum reúne dois dos pioneiros da free improvisation na Coreia do Sul: o trompetista Choi Sun Bae e o percussionista Kim Dae Hwan (1933-2003). Eles começaram a adentrar essa seara musical ainda na década de 1970, quando montaram um grupo com o saxofonista Kang Tae Hwan, o Seoul Free Music Trio, por meio do qual seriam descobertos fora de seu país. Os músicos da Coreia nunca conseguiram no Ocidente a repercussão de seus pares do Japão –basta pensar que esses dois artistas estão no núcleo da free music coreana e são relativamente pouco lembrados fora de lá. A gravação que o selo lituano NoBusiness agora nos oferece foi captada em novembro de 1999, no Aspirante, Hofu City (Japão), e faz parte da Chap Chap Series, pela qual tem resgatado importantes gravações esquecidas de/com artistas asiáticos. Korean Fantasy traz apenas três faixas, “FM-1/2/3”. O tema de abertura, com seus 33 minutos, sintetiza o trabalho da dupla, uma música marcada pelo profundo e tocante trompete de Sun Bae e a percussão robusta de Dae Hwan (que soa de forma muito particular, carregando a herança percussiva de seu país). Um belíssimo testemunho da free music coreana.

 


Kairos

Izumi Kimura/ Hemingway

FSR

O Japão deu ao mundo muitos pianistas sensacionais dedicados à música criativa: Yosuke Yamashita, Satoko Fujii, Aki Takase, Masahiko Satoh, todos nomes obrigatórios do gênero. Outros pianistas deram continuidade a esta rica herança; e uma delas é Izumi Kimura. Nascida em Yokohama, Kimura se formou na Toho Gakuen School of Music, em Tóquio, e decidiu que deveria seguir no exterior sua busca artística. Assim, desembarcou na Irlanda antes de a década de 1990 acabar. E foi por lá, onde se radicou, que se tornou com o tempo uma musicista profissional, circulando pelo campo erudito e pelo free impro. A estreia dela, solista, em disco mostra bem a síntese de sua arte, como ilustra seu título: “Asymmetry: Piano music from Japan and Irland” (2010). No campo do free impro, desenvolveu projetos com artistas norte-americanos e europeus, a destacar o trio com o percussionista Gerry Hemingway e o baixista Barry Guy, com quem começou a tocar em 2016. Desta conexão nasceria um duo com Hemingway (que também mora na Irlanda). De duas sessões distintas ocorridas em 2022, na Suíça e em Dublin, vêm as faixas que compõe este Kairos. A música é variada, indo de duelos potentes de piano e bateria (“Chronostrata”), momentos de lirismo mais sensível (“Cloud Echoes”) a buscas por trilhas outras (caso de “Over The Tide”, releitura de uma canção tradicional à qual Hemingway traz sua voz e gaita).

 


Roboquarians - Vol. 1

Ayumi Ishito

577 Records

A cena japonesa é uma das mais inventivas e interessantes da free music global, oferecendo ao mundo artistas e projetos únicos desde o fim da década de 1960. E sempre nos deparamos, até hoje, com boas novidades vindas de lá. A saxofonista Ayumi Ishito é uma das vozes contemporâneas mais interessantes do Japão. Ela começou a tocar saxofone aos 19 anos, em uma big band quando estudava na Ritsumeikan University, em Kyoto. Em 2007, ela teve a oportunidade de ir para os Estados Unidos, com uma bolsa no Berklee College of Music. Passados três anos, desembarcou em Nova York, onde se radicou. Circulando pela intensa cena do Brooklyn, se associou a nomes locais e vem desenvolvendo projetos variados, sendo o mais recente este trio. Roboquarians apresenta Ishito ao lado do guitarrista George Draguns e do baterista Kevin Shea. Com clara herança rock, o trio mostra uma free music cortante, com Ishito adicionando (muitos) efeitos a seu sax. São seis faixas, captadas em setembro de 2022 no Metropolitan Sound Brooklyn (NYC). O lançamento de Roboquarians, Vol. 1 está previsto para o dia 29 de março.

 


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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)