LANÇAMENTOs O saxofonista Ivo Perelman abre seus lançamentos de 2024 resgatando um intenso registro inédito feito anos atrás ao lado de Barry Guy e Ramon Lopez...
Por Fabricio Vieira
Certa vez, em uma conversa com Ivo Perelman, ele disse
que preferia lançar seus discos pouco tempo depois de gravá-los para aproveitar
o frescor expressivo, que registros que ficavam arquivados por anos acabavam
não representando mais o artista que era então. O seu mais recente álbum,
Interaction, é um desses casos. Gravado em Paris em 2017, o disco, que está
sendo editado somente agora, traz um encontro do saxofonista com o
percussionista espanhol Ramon Lopez e o lendário contrabaixista britânico Barry
Guy. E que bom que a, digamos, certa relutância de Perelman com registros
antigos não tenha inviabilizado este lançamento, já que estamos diante de um de
seus discos mais vivamente intensos dos últimos anos.
Uma coisa interessante ao ouvir esta gravação é que, se ela não representa o sax de Perelman hoje, como ele pondera, também não ecoa as gravações feitas em 2017. Soa mais aparentada a certa fúria que marcava seus registros no começo dos anos 2000, exatamente a época em que gravou pela primeira vez com Ramon Lopez (“The Ventriloquist”). São cerca de duas horas de música, espalhadas por 20 faixas sem títulos. “Track 4” é um dos grandes momentos do álbum. Sua dolorida melodia, que traz tons que pincelam certas brasilidades que ele explorava três décadas atrás, vai se repetindo em processo desconstrutivo, em tensão crescente, que explode em rasgante passagem solística lá pelos seis minutos, antes de a tensão baixar e nos conduzir a seu sussurrado desfecho.
---------
*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)