LANÇAMENTOs Em
destaque, álbuns de artistas da free music vindos de diferentes cantos da
América Latina... Ouça, divulgue, compre os discos...
Por Fabricio Vieira
Retrato Años Después
Santiago Bogacz/ Emiliano Aires
Relative Pitch
O Uruguai deve ter diferentes artistas envolvidos com o free
impro, mas que acabam isolados, restritos à cena local. Por isso é
especialmente interessante ver esse duo uruguaio romper fronteiras e conseguir
ter um disco editado por um selo internacional importante como o Relative
Pitch. Santiago Bogacz (guitarra) e Emiliano Aires (clarinete) são os
protagonistas desse marco. Gravado em setembro de 2021 no 4Tavella, em
Montevidéu, o álbum traz nove peças de improvisação livre. Algumas delas são
verdadeiros instantâneos, com menos de 1 minuto. Em outras, vemos o duo se
expressar de forma mais estendida, superando os 11 minutos no tema mais extenso
(“Sacamos La Misma Foto”). Um importante documento do que vem discretamente
acontecendo no Uruguai.
Hiking
Paula Shocron/ Pablo Ledesma
Sirulita Records
Uma das artistas mais inventivas da contemporaneidade, a
pianista argentina
Paula Shocron tem estado mais quieta nesses últimos tempos,
para ansiosidade de quem acompanha com interesse seu genial trabalho. Shocron
se encontra neste novo registro com o experimentado saxofonista argentino Pablo
Ledesma – em sua concepção,
Hiking me remeteu a outra gravação em duo da
pianista ao lado de um saxofonista (El Enigma, 2010) e, se são produtos de
etapas distintas de sua trajetória, é muito interessante ouvi-los em paralelo,
descobrindo suas intersecções e contradições.
Hiking foi registrado em novembro
de 2021 no Estudio Libres, Buenos Aires. A dupla tocou junta em outras
oportunidades, em duo e variantes formações. E a sintonia deles é bastante
ajustada, o que apenas eleva a qualidade da música que nos oferecem. O álbum
traz 10 temas, improvisação livre de refinado tato. Ledesma se alterna entre os
saxes alto e soprano, enquanto Shocron, além do piano, testa alguns
instrumentos de percussão. Infelizmente o disco não está, ao menos não por ora,
disponível nas principais plataformas de streaming, o que limitará sua
divulgação a um público que poderia apreciá-lo...
Don’t Just Call It Freedom
Diego Hedez & The Sounds of Freedom Project
Orbit 577
Músicos cubanos fazem parte, com destaque, da cena jazzística
há muitas décadas. Mas no free jazz é mais raro vermos eles circulando. Na
última década em especial, nomes de Cuba começaram a marcar maior presença na
cena free. Um dos mais novos desses artistas é o trompetista Diego Hedez.
Nascido em 2000 no município de Remedios, no centro de Cuba, Hedez estudou na
Escuela Nacional de Arte, se dedicando aos diálogos entre música cubana e jazz.
Em 2022, editou com seu quinteto o disco “Distante”, com peças suas circulando
pelas vias do latin jazz. Agora vemos uma distinta face sua. Neste novo
projeto, Hedez está navegando por outras trilhas. Em uma temporada pelo
exterior a partir de 2022, se encontrou com o baterista Francisco Mela e novas
portas sonoras se abriram.
Don’t Just Call It Freedom, que acaba de sair, marca
essa nova etapa. Com 11 peças, foi gravado em outubro de 2022 no Extrabeat
Studio, em Roma, e traz Hedez acompanhado dos seus conterrâneos Mela e Ledian
Mola (baixo). As formações mudam entre as faixas e em algumas delas vemos
Federico Ughi assumindo as baquetas (e Mela passando à flauta); a pianista
Hidemi Akaiwa e o saxofonista Jeff Pearring participam de alguns temas. Um
muito interessante trabalho que deixa nossos ouvidos atentos aos próximos
passos deste jovem trompetista.
Caribú
Kenneth Jimenez/ Michaël Attias/ Francisco Mela
577 Records
Foi dos encontros entre o contrabaixista costa-riquenho
Kenneth Jimenez e o baterista e percussionista cubano Francisco Mela no
apartamento do saxofonista Michaël Attias, em Manhatan, que surgiu este novo
trio. E das muitas gigs que fizeram, nasceu o projeto que resultou neste álbum.
Mela, aos 55 anos de idade, vive um dos momentos mais pulsantes de sua
carreira. Nascido na cidade cubana de Bayamo, comandou grupos de latin jazz em
seu país, antes de desembarcar em Boston (EUA), onde foi adentrando rapidamente
a cena jazzística. Em meados dos anos 2000, estava tocando com Joe Lovano; e
não tardaria para começar a gravar seus próprios trabalhos. Nos últimos anos,
vemos uma nova perspectiva se abrir em seu trabalho, com uma visada free
jazzística já bem presente. Parcerias com William Parker, Matthew Shipp e a
revelação Zoh Amba, por exemplo, estampam sua discografia de anos recentes. É
nesse contexto que ele se une a Jimenez e Attias. O trio se reuniu no estúdio
Douglas Recording, no Brooklyn, no verão de 2021. Mixado pelo guitarrista venezuelano
Juanma Trujillo,
Caribú traz seis peças, com temas autorais e uma releitura de
From Time to Time, de Paul Motian. A primeira peça divulgada, a faixa-título,
mostra a força percussiva de Mela, embalada pelos seus característicos cantos,
sobre os quais as inventivas linhas de baixo e sax criam algo de apelo irresistível.
O álbum será editado em CD no mês de setembro.
Peach and Tomato
Leonor Falcón & Sana Nagano
577 Records
Este é um incrível encontro em que se celebra a
universalidade da free music. Aqui unem forças duas violinistas: a venezuelana
Leonor Falcón e a japonesa Sana Nagano. Ambas deixaram seus países rumo a Nova
York anos atrás. Em 2015, elas se encontraram no Queens College, onde
estudavam. Agora temos a oportunidade de ouvi-las tocando juntas em um
desafiador duo. Falcón e Nagano têm comandado interessantes projetos ligados ao
jazz mais livre e agora oferecem um exemplar bastante particular. Neste encontro/diálogo, elas apresentam oito peças, que foram captadas à época da
pandemia, mais precisamente em 17 de outubro de 2020, no estúdio Big Orange
Sheep, no Brooklyn nova-iorquino. Há composições de Falcón, de Nagano e
conjuntas, além de uma muito particular releitura da Sonata Para Dois Violinos,
do compositor russo Serguei Prokofiev – vale notar que Falcón optou por tocar
viola no álbum. Há momentos mais experimentais (“Expanding Universe”), outros
de soturno lirismo (“Lost in the Tin Labryrinth”) e ainda sinalizações mais diretas
ao erudito (como “Etude 1/2”, escritas por Falcón, que já fez parte da Orquestra
Sinfónica de Venezuela, em homenagem a Béla Bartók), em um coeso caldeirão de
múltiplas influências. Sai em CD e digital.
Homenaje a Peter Brötzmann
Edén Carrasco/ Christian Hirth
Independente
Os ecos da arte do mestre Peter Brötzmann, morto no último
dia 22 de junho, podem ser ouvidos no mundo todo – e assim deve ser por tempos e
tempos... No Chile, dois artistas da free music resolveram já homenagear em um
concerto que deram há algumas semanas o lendário saxofonista alemão. O
conhecido saxofonista chileno Edén Carrasco, uma das vozes mais interessantes de seu
país, se uniu ao baterista Christian Hirth para esse show, que aconteceu no
dia 9 de julho. Em quase uma hora de música improvisada, seis inspiradas peças.
“
We made a record in memory of one of the most inspiring musicians we
have ever had”, diz a apresentação do disco, editado em formato digital.
Asimetrías
Benjamín Vergara/ Matías Riquelme
Tayül
O trompetista chileno Benjamín Vergara, baseado na
cidade de Valdivia, tem sido uma das vozes da América Latina a romper fronteiras,
fazendo parcerias com importantes nomes da cena internacional (Fred Frith, Fred
Longberg-Holm) e começando a editar discos lá fora (seu mais recente título
solista,
The Impossibility of a Single Sound, está saindo pelo selo Relative
Pitch). Aqui o vemos em duo com seu conterrâneo, o violoncelista Matías Riquelme,
radicado na Espanha. Com um oceano os separando, resolveram gravar a distância
esse muito instigante diálogo. “
Tocamos a distancia: él en Valdivia y yo en
Bilbao. Benjamín me enviaba un solo de trompeta y yo completaba la música
improvisando. Luego lo hacíamos al revés, pero nunca apareció el rol del
solista: esto fue un diálogo sin ninguna barrera estética”, disse o
violoncelista em entrevista a um periódico chileno. O resultado são sete peças,
gravadas entre julho de 2021 e março de 2022, que trazem uma música de grande potencialidade
e maturidade expressiva que, esperamos, seja ouvida por muita gente.
Prophecy
Ivo Perelman/ Aruan Ortiz/ Lester St. Louis
Mahakala Music
O saxofonista Ivo Perelman tocou mais com artistas locais em
seus primeiros álbuns, quando buscava uma síntese entre brasilidades e o free
jazz. Com o tempo, radicado em Nova York, adentrou uma música mais universal,
um free impro já distante de suas origens. Por isso é sempre interessante o ver em encontros
com artistas latino-americanos. É o caso deste
Prophecy, onde o saxofonista
nascido em São Paulo une forças ao pianista cubano Aruan Ortiz – fecha o trio o
violoncelista nova-iorquino Lester St. Louis. A música é free impro em sua
essência, não estamos em uma seara marcada por elementos sonoros de Brasil ou
Cuba. Mas, enfim, são artistas latino-americanos que em algum momento de suas
carreiras deixaram mais latentes as sonoridades de seus países, sotaques que
hoje talvez estejam lá no fundo, sob camadas sonoras que foram se aglutinando
em suas vozes.
Prophecy vem de uma sessão realizada no Park West Studios, no
Brooklyn (NYC), e apresenta duas longas peças de improvisação livre, em um
total de quase 55 minutos de música de latente beleza, com rastros melódicos
que surgem aqui e ali quebrando a aridez por vezes tão marcante no universo do
free impro. Sai apenas em versão digital.
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em
Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por
alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou
também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos
anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de
liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo
Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live
in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)