O saxofonista
Ernst-Ludwig Petrowsky, pioneiro do free jazz
na Alemanha Oriental, nos deixou uma grande obra...
Por Fabricio Vieira
O mundo da free music perdeu nesta semana mais um nome de grande força, o
saxofonista alemão
Ernst-Ludwig Petrowsky. Infelizmente parece que sua partida está
sendo muito pouco repercutida, muito abaixo da importância que teve para o free
jazz. Tendo começado a tocar profissionalmente na década de 1950, este
saxofonista nascido em dezembro de 1933, na cidade de Güstrow, foi um dos
pioneiros do free jazz na Alemanha Oriental (ou República Democrática Alemã). Sim,
ele foi um dos primeiros artistas a tocar free jazz atrás da Cortina de Ferro
(imagine o que isso significou à época por lá). No começo dos anos 70, ao lado
de Conrad Bauer, Ulrich Gumpert e Gunter Sommer, formou o seminal quarteto
Synopsis
(depois chamado de Zentralquartett), grupo que editou seu primeiro álbum em
1974, pelo selo oficial do regime comunista, o Amiga. Um fato ajudaria a fomentar
e divulgar o trabalho de Petrowsky e seus parceiros. O produtor alemão Jost
Gebers, o cara por trás do mítico selo FMP, começou a fazer contatos do outro
lado do muro que resultariam em uma série de álbuns com artistas da Alemanha
Oriental. O primeiro desses discos seria “Just For Fun”, de 1973, que trazia
exatamente um grupo comandado por Petrowsky e levou ao ocidente uma pitada do
que vinha acontecendo nos isolados vizinhos. Petrowsky tinha como instrumento
principal o sax alto, mas também tocava soprano, tenor e barítono, além de
clarinete e flauta.
Just For Fun é um marco, basilar testemunho do mais avançado e enérgico
jazz feito na Alemanha Oriental naquele momento.
Com o tempo, Petrowsky passaria a tocar progressivamente no
exterior, podendo mostrar seu trabalho a um público mais amplo. Parcerias com
músicos da cena free jazz europeia também foram surgindo, tendo ele feito parte,
por exemplo, da icônica Globe Unity Orchestra, de Alexander von Schlippenbach.
Um de seus últimos destacados grupos foi The New Old Luten Project (
Luten era um antigo apelido dele), no qual uniu forças com nomes de gerações mais jovens, como o baterista Christian Lillinger,
o pianista Oliver Schwerdt e o baixista John Edwards. Também não podemos
esquecer do duo que manteve com sua esposa, a cantora Uschi Brüning. Sua
discografia, que apareceu em selos fundamentais como Intakt Records, MPS e Japo,
além do citado FMP, tem alguns trabalhos que estão dentre os mais interessados
do free jazz de sua geração. Além dos primeiros álbuns do
Synopsis/Zentralquartett,
podemos destacar os discos
Just For Fun,
SelbDritt e a coletânea que traz
apenas o seu nome, editada somente na Alemanha Oriental em 1978 (uma
preciosidade com trabalhos dele, captados entre 74 e 77, ao lado de diferentes
parceiros), como álbuns que deveriam fazer parte da estante de qualquer amante
do free jazz. Sua música, que podia ir da energy music a peças com inventivas
melodias, traçando diálogos com a música popular (o Synopsis não deixava de
fazer isso com pitadas de ironia ácida) ou lidando com a mais abstrata free
impro, não deixou de ter momentos maiores, em diferentes fases, que deveria e
poderia ter sido mais ouvida e festejada. Morto poucos meses antes de completar
90 anos de idade, Petrowsky tinha tido que diminuir o ritmo ao menos desde 2017
por problemas de saúde. Infelizmente não tivemos oportunidade de vê-lo tocando
por aqui (acho que nunca se apresentou na América Latina). Resta-nos agora
celebrar sua música.
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*quem assina:
Fabricio
Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária.
Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda
correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como
Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e
literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns
“Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”,
de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e
Matthew Shipp (SMP Records)