Dia de celebrar Charles Tyler


Grande saxofonista que atuou principalmente entre as décadas de 60 e 80, Charles Tyler nasceu em um 20 de julho... 

 



Por Fabricio Vieira

Muitos músicos do free jazz são deixados nas sombras mesmo por ouvintes algo assíduos no gênero. Nomes que tiveram importante atuação na cena em diferentes períodos, mas que acabam ficando para trás, com seus discos perdidos nas prateleiras de alguns entusiastas. O saxofonista Charles Tyler é um desses grandes que não tem a atenção devida. Sua obra não é tão extensa, mas capítulos fundamentais dela não contam com edições disponíveis, tampouco circulam pelas plataformas de streaming. Charles Tyler nasceu em um dia como hoje, em 20 de julho de 1941, no Kentucky. Ele morreria aos 50 anos de idade, em 27 de junho de 1992, na França. A mudança para Cleveland seria um ponto nevrálgico na sua história musical. É lá que, no começo da década de 1960, conhece Albert Ayler, de quem se torna amigo próximo e com quem começa a tocar. Seguindo as trilhas de Ayler, em meados dos anos 60 estará em Nova York, onde as oportunidades começam a aparecer. Tyler tocava sax alto e barítono.  E é como segundo saxofonista que o vemos participando do grupo de Ayler, período documentado nos álbuns “Spirits Rejoice” e “Bells”. Não tardaria a Bernard Stollman dar a ele a chance de gravar seu álbum de estreia. Chamado apenas de Charles Tyler Ensemble, o disco sairia pelo ESP-Disk em 1966. No ano seguinte, uma nova gravação pelo selo, Eastern Man Alone. Mas, a partir daí, as coisas ficam mais difíceis. Nessa época, ele se muda para a West Coast, período em que passa a dar aulas e do qual não há registros seus. Por lá, trava amizade com o também saxofonista Arthur Blythe. E ambos estarão em meados da década de 1970 de volta a NY, atraídos pela então nascente cena loft. Somente aí Tyler tem a oportunidade de voltar a gravar.

Era julho de 1974 quando Charles Tyler reuniu seu grupo no Studio We, um loft na 193 Eldridge Street (NYC), criado por Juma Sultan e James DuBois. No seu quarteto estavam outros músicos fundamentais do período também menos documentados e celebrados do que deveriam: o trompetista Earl Cross (1933-1987), o baixista Ronnie Boykins (1935-1980) e o baterista Steve Reid (1944-2010). A eles se uniria em duas peças Arthur Blythe. O resultado daquele dia seria editado no ano seguinte, de forma independente e limitada pelo selo AK-BA Records. O disco, Voyage From Jericho, é uma pequena obra-prima do free jazz e marca o início de uma nova etapa na trajetória de Tyler. Com cinco peças autorais e duração de pouco mais de 40 minutos, Voyage From Jericho mostra temas de grande inventividade melódica e pulso envolvente (Boykins é uma força vital para a grandeza do álbum; em “Just For Two”, o seu melhor), com solos, diálogos e embates entre os sopros memoráveis – o solo de Tyler ao sax barítono “Children’s Music March” é um dos mais saborosos já registrados no instrumento. Não se trata aqui da energy music dos anos 60, mesmo com Tyler vindo de lá. Suas peças, se têm sim picos enérgicos, não deixam de manter bem vivos elementos jazzísticos para, com essa visada, gestar música de grande frescor de ideias e com irresistível apelo. Infelizmente o disco se tornou uma raridade. Houve apenas uma reedição, em CD, em 1993 por um selo francês, e nunca chegou às plataformas digitais. Para quem não tem a sorte de encontrar uma cópia original “pagável” – tem gente vendendo uma cópia no Discogs por US$ 900! –, resta ou procurar as faixas subidas no Youtube por algum fã ou descobrir algum link para baixar (recomendo visitar o Inconstant Sol). Hoje, quando Charles Tyler estaria completando 82 anos de idade, nada melhor que celebrar sua música ouvindo as belezas que nos deixou, como este genial Voyage From Jericho...


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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)