Reed Rapture In Brooklyn: o filme


CRÍTICAs O projeto de Ivo Perelman Reed Rapture In Brooklyn, que rendeu uma série de 12 discos, agora ressurge com sua versão documentário... 

 



Por Fabricio Vieira

(photo: Peter Gannushkin)
Entre julho e dezembro de 2021, quando a pandemia ainda rondava nossas vidas, mas as coisas tentavam começar a voltar a funcionar com alguma normalidade, o saxofonista Ivo Perelman deu forma a um projeto que o vinha cutucando há algum tempo: fazer uma série de duetos de saxofone com artistas de diferentes gerações e perspectivas estéticas. A seleção de parceiros ilustra bem o alcance do projeto, tendo sido convocados lendas, veteranos e nomes mais jovens para dialogar, em uma seleção que contou com: Roscoe Mitchell, Joe McPhee, David Murray, Vinny Golia, David Liebman, Ken Vandermark, Lotte Anker, Tim Berne, Joe Lovano, James Carter, Colin Stetson e Jon Irabagon. De acordo com que foi se encaminhando, a ambição do projeto se alargou também. E surgiu a ideia de documentar as sessões. Assim, nascia este documentário que começa a ser projetado nas telas de festivais mundo afora (quem sabe em uma próxima edição do In-Edit Brasil?). Para conduzir o filme, que traz o mesmo nome do álbum, Reed Rapture In Brooklyn, foi convidado o experimentado diretor de documentários musicais Don McGlynn, o que se mostrou perfeito para a empreitada – McGlynn tem na bagagem uma extensa lista de docs sobre música, a destacar filmes sobre Charles Mingus, Dexter Gordon, Art Pepper e Howlin’ Wolf.

Reed Rapture In Brooklyn, o filme, tem pouco mais de 2 horas de duração e vemos passar pela tela todos os músicos que participaram do projeto. A eles se juntam Chad Fowler, o dono do Mahakala Music, que co-produziu o filme, e o veterano crítico Gary Giddins, que cumpre o papel de trazer certo panorama histórico, falando também sobre personagens do jazz que não estão ali nas sessões retratadas, como que contextualizando a música que vemos ser criada (quem viu o documentário Fire Music lembrará que Giddins, curiosamente, desempenhou o mesmo papel lá). O principal cenário é o Park West Studios, no Brooklyn nova-iorquino, onipresente na história de Perelman – praticamente sua segunda casa, onde tem gravado praticamente tudo que editou na última década e meia. Foi lá que 11 das 12 sessões de duetos foram realizadas; apenas o encontro com Roscoe Mitchell teve outro endereço, tendo Perelman se deslocado até o lendário músico em Madison, Wisconsin. O esquema do filme é simples e direto, mas muito bem-conduzido, com uma dinâmica que evita se tornar repetitivo. Sequencialmente, vão surgindo na tela um músico de cada vez, dando seus depoimentos e depois em cenas durante a gravação do disco. Eles não falam necessariamente sobre a sessão de gravação em si que estão fazendo, explanam também sobre a sua música, memórias, momentos, o que ajuda a arejar o documentário, abrindo um pouco seu foco e evitando que se torne apenas um registro visual da gravação de um disco-projeto. E por mais que tenhamos visto em diferentes contextos declarações de Mitchell, McPhee, Murray, Vandermark, Berne e outros dos presentes que têm sido pilares do free jazz nas últimas décadas, vê-los falando sobre essa música que nos move é sempre algo estimulante. Para arrematar, é fundamental ver Perelman falando dos seus parceiros, dando uma ideia mais clara dos motivos que o levaram a escolher cada um dos 12 saxofonistas que dividiram o projeto com ele.

A chegada deste filme deve realimentar o interesse pelo álbum que retrata (e, quem sabe, finalmente a Mahakala não se convence a soltar os CDs? Lembrando que Reed Rapture In Brooklyn foi editado em outubro de 2022 apenas em formato digital. Um projeto como esse necessita ter uma versão física para estar de fato completo, um box com livreto bem escrito caberia bem na estante de muito entusiasta do free...). Sem dúvida o projeto ganha agora um novo apelo, já que temos a sensação de maior intimidade com Reed Rapture In Brooklyn, movidos pelas imagens das sessões que agora temos disponíveis. Uma questão é que documentários musicais muito dificilmente entram no circuito de cinemas, ficando mais restritos a exibições pontuais em festivais, o que limita muito o alcance de sua distribuição. Lançar um DVD parece algo meio fora de discussão, sendo hoje de comercialização ainda mais limitada que os CDs. Então, quem sabe, uma parceria futura com uma plataforma de filmes – como o Fire Music fez com o Criterion – seja o melhor caminho a se almejar hoje em dia. Em última instância, o que se espera é que Reed Rapture In Brooklyn, o filme, consiga circular; ficar restrito a sessões em festivais aqui e ali é muito pouco e limitado para um projeto de amplo interesse como este.

 

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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)