PLAY IT AGAIN...


LANÇAMENTOs Novidades de artistas de diferentes cantos do mundo. Experiências variadas, possibilidades múltiplas. Ouça, divulgue, compre os discos... 


 


Por Fabricio Vieira

 

Pipe Dream

Lina Allemano Four

Lumo Records

A trompetista canadense apresenta o novo registro de seu projeto Lina Allemano Four. Estruturado em uma formação igual à do clássico quarteto de Ornette Coleman, com trompete (Allemano), sax alto (Brodie West), contrabaixo (Andrew Dowming) e bateria (Nick Fraser), o grupo tem atuado junto há mais de 15 anos, o que se traduz em uma música muito inventivamente equilibrada. Gravado em fevereiro de 2021 no Union Sound Company, em Toronto, o disco tem dez faixas que podem ser separadas em dois blocos. Os três primeiros temas do disco – “Banana Canon”, “Pipe Dream (on Prokofiev Theme)” e “Dragon Suite” – são, digamos, independentes. Depois vem a suíte “Plague Diaries”. Dividida em diferentes partes, a suíte foi composta no auge da pandemia, forçosamente refletindo o clima de incerteza e medo que rondava aqueles tempos. “This 4-part suite was written in Toronto in the first months of the pandemic, reflecting Allemano’s personal experience in the form of a musical diary. Subject material includes various stages of personal emotional struggle as well as bearing witness to poverty and starkly brutal events of the time. Each movement is introduced by an introspective solo from each of the ensemble members, mirroring the acute isolation in which the compositions were written”, diz o material de apresentação do disco. Sendo, então, o núcleo do trabalho, vale a pena focar a escuta na suíte, antes de dispersar a atenção pelas outras peças. Um álbum de grande maturidade criativa.

 


Sowieso

Colin Webster/ Sofia Salvo/ Roder/ Holub

Raw Tonk Records 

Sowieso apresenta um novo fulminante quarteto internacional de free jazz. O álbum registra o primeiro encontro de quatro vozes que têm ajudado a esquentar a cena contemporânea europeia. Nos dois saxes estão o britânico Colin Webster (alto) e a revelação argentina Sofia Salvo (barítono); no contrabaixo, o experiente músico alemão Jan Roder; e na bateria, o norte-americano Mark Holub. Webster e Holub têm tocado em duo há muitos anos e foi neste contexto que estavam, um ano atrás, em Berlim, quando se juntaram a Salvo (que mora na cidade) e Roder. Gravado em 21 de maio de 2022 no Sowieso, um espaço cultural na capital alemã gerido por artistas dedicado à música experimental, o álbum tem cerca de 50 minutos divididos em dois grandes sets. Os embates e diálogos dos dois saxes, com suas contrastantes e complementares sonoridades, elevam em muito a energia natural da cozinha do quarteto, fazendo deste um registro de realmente elevada temperatura. O quarteto tem se apresentado por esses dias pela Europa e vê-los ao vivo deve ser uma experiência de indiscutível intensidade. Sowieso está sendo lançado em digital e em versão K7, em edição limitada de 100 cópias.   

 

 

Crustal Movement

Kaze & Ikue Mori

Circum/Libra

Surgido em 2010, o Kaze é um quarteto franco-japonês formado por Satoko Fujii (piano), Natsuki Tamura (trompete), Christian Pruvost (trompete) e Peter Orins (bateria). Para este novo álbum, receberam como convidada Ikue Mori, a lendária mestra dos eletrônicos. Com essa inusitada formação – piano, 2 trompetes, eletrônicos e bateria –, oferecem uma obra de grande estímulo sensorial. São seis peças, entre 5 e 12 minutos, que tiveram peculiaridades até na forma como foram criadas. Ainda como resquício da pandemia, além de os artistas envolvidos viverem em continentes distintos (Japão-França-EUA), as peças foram desenvolvidas de forma fragmentária. Entre outubro de 2021 e maio de 2022, os cinco artistas trabalharam, nos locais onde vivem, em suas ideias, que depois eram pré-gravadas e enviadas a seus parceiros do outro lado do mundo, que dialogavam/improvisavam em cima do material. “We all composed a structure and made a blueprint”, explica Fujii. “In most cases we made a chart on paper, not on music paper. The blueprints have time durations and instrumentation and some instructions like play fast or play quietly.” No final, o material, do qual foram gestadas as seis peças, foi mixado e editado por Peter Orins e finalizado/preparado para o CD por Mike Marciano, no estúdio System Two (NYC), em um muito estimulante resultado.

 


Don’t Know

Claudio Scolari Project

Principal Records

O baterista, percussionista e compositor italiano Claudio Scolari é um artista de variadas ideias e influências. Professor de conservatório e com passagem por diferentes orquestras sinfônicas da Itália, tem desenvolvido um trabalho no qual adentra inovadoras possibilidades jazzísticas, tendo o principal do que tem feito saído sob a rubrica Claudio Scolari Project. A seu lado nessa empreitada, há mais de uma década, estão o pianista Daniele Cavalca e o trompetista Simone Scolari. Com o passar do tempo, Michele Cavalca (baixo elétrico) se uniu a eles, formando este atual quarteto. Don’t Know é o sexto título do projeto e é descrito em sua apresentação como “another journey into jazz experimentation inspired by images and emotions on which the artists create a completely improvised soundtrack”. Com 11 faixas, o disco ondula bastante de um tema a outro, do acústico ao eletrônico, ora soando mais com uma roupagem de jazz contemporâneo, ora com toques fusion setentista, quando adicionados sintetizadores e rhodes (tocados por Claudio e Daniele), com interessantes entregas sonoras.  

 

Elemental

Lantana

Cipsela Records

O sexteto Lantana foi uma das revelações surgidas em 2022. Banda feminina nascida em Portugal, reúne Maria do Mar (violino), Maria Radic (voz), Joana Guerra (violoncelo), Carla Santana (eletrônicos), Anna Posik (trompete) e Helena Espvall (violoncelo, eletrônicos). Elemental foi captado no fim de janeiro de 2020, no Namouche Sttudios (Lisboa), mas foi editado apenas em outubro passado. O álbum traz cinco faixas e foi publicado em CD pelo irretocável selo Cipsela Records, em edição limitada de 300 cópias. São cinco peças, que vão de 3 e 16 minutos. O projeto foi idealizado por Maria do Mar e Joana Guerra. “As escolhas de instrumentistas realizadas por mim e pela Joana Guerra não foi a tradicional. Foi emocional. Queríamos tocar com estas pessoas, por afinidade musical e por afinidade pessoal. Não pensámos em instrumentos rítmicos, harmónicos e melódicos, como no jazz, mas em personalidades, aquelas com que gostámos de tocar em outros contextos e situações”, explicou Maria do Mar em conversa com o site Rimas e Batidas. A particular instrumentação do sexteto, que conta inclusive com dois violoncelos, é fundamental para o resultado sonoro de climas muito particulares apresentado. “Here you find a beautiful meeting of deep listening and simple structures, melodic and fragile sometimes. It’s just wonderful, with deep soul coming from afar, from the earth...”, escreve a lendária Joëlle Léandre nas liner notes.

 

 

Tines of Change

Mark Dresser

Pyroclastic 

Mark Dresser é um dos mais experimentados artistas da free music. Nascido em Los Angeles em 1952, está na cena desde meados da década de 1970 e tocou com grande parte dos principais nomes do free jazz. Nessa longa trajetória, tem uma discografia que se estende por mais de 150 títulos, com muita coisa essencial, entre as quais podemos destacar os trabalhos com o Arcado Trio e a atuação no excepcional quarteto de Anthony Braxton dos anos 80/90. “I think of the bass as an orchestra. Its sonic properties offer colors that are beautiful, dimensional, and idiosyncratic. Instrumental augmentation, decades of musical research, and hyper-specific recording techniques offer new musical potentials”, explica Dresser no encarte. Ele destaca a importância de sua associação de mais de duas décadas com o luthier Kent McLagan, que tem feito ajustes e encontrado soluções sob medida no instrumento para Dresser desenvolver sua música da maneira que deseja. Para este novo álbum, ele utilizou dois contrabaixos McLagan personalizados, de 4 e de 5 cordas. O álbum foi captado em duas sessões distintas no UC San Diego, em julho de 2019 e novembro de 2022, e mostra a amplitude expressiva e as atuais ideias deste mestre do contrabaixo. “Prolotine”, que abre o registro, bem ilustra o alcance de suas investigações, oscilando do arco ao pizzicato, testando técnicas estendidas que mostram a riqueza e profundidade de suas ideias, com o instrumento por vezes soando como se mais de um se tratasse, espraiando uma colcha polifônica que toma todo o ambiente se o ouvinte estiver com um potente estéreo ligado. “I realized that the bass has so many different and distinct voices. I wanted to be able to access them and make them speak to one another. What I’m trying to do with all of these techniques is expand what I hear and feel. It's always about trying to find something that registers to me as musical and expressive and something that I want to listen to. I’m driven by the larger impulses of what is musical”, conclui Dresser. Sai em CD e digital.

 

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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)