BY MYSELF: clássico de Abdul Wadud é reeditado



CRÍTICAs Pioneiro álbum para violoncelo solo, editado em 1977 pelo músico de Cleveland Abdul Wadud, finalmente ganha uma nova versão... 


 


Por Fabricio Vieira 

 

Uma das notícias mais aguardadas há anos, finalmente chegou a hora de um dos clássicos maiores do mundo do free jazz ser reeditado pela primeira vez. O lendário álbum para violoncelo solo By Myself, do genial Abdul Wadud (1947-2022), está no prelo há algum tempo e agora tem uma data para sair: 30 de abril de 2023. Infelizmente, Wadud morreu no ano passado e não vai poder presenciar esse momento histórico – mas vale destacar que ele não só autorizou como acompanhou esse projeto de reedição. Nascido em Cleveland, Ohio, no dia 30 de abril (daí a ideia de relançar o disco nesse dia) e batizado como Ronald DeVaughn, ele começou a ter aulas de violoncelo ainda na infância, nos anos 50, e seguiu seus estudos até se graduar no Oberlin Conservatory College, completando a trajetória acadêmica com um mestrado na State University of New York. Aos 20 anos de idade, ainda estudante, já circulava pela cena jazzística de Cleveland. Da época, quando se tornou muçulmano e foi rebatizado como Abdul Wadud, temos como testemunho sua primeira gravação, o álbum Al-Fatihah, com o lendário Black Unity Trio. Na década de 1970, o encontramos em Nova York, onde, ao mesmo tempo em que se tornaria um dos nomes de destaque da cena loft (tocando e gravando com Julius Hemphill, David Murray, Muhal Richard Abrams, Arthur Blythe, dentre outros), passa a fazer parte da New Jersey Symphony. Ele manteria por muitos anos essa dupla atuação, ativo tanto no mundo jazzístico quanto no erudito. Abdul Wadud se afastaria da música na década de 1990.

I approached the cello not in the lyrical sense that it was known for. I had a percussive approach at times, chordal approach, as well as linear approach and tried to incorporate all of that depending on the situation and the demands of the music at that time”, disse Wadud em rara entrevista em 2014. Era 1977 quando o violoncelista, chegando aos 30 anos de idade, decidiu levar adiante um projeto que tinha em mente há algum tempo: gravar um disco para violoncelo solista. Em uma época em que editar um álbum era algo muito mais complicado que o cenário que temos hoje, Wadud concluiu que teria que fazer tudo por si mesmo. Reservou um estúdio, fez a gravação e juntou dinheiro para fazer uma edição independente pelo selo que criou para isso, o Bisharra Records. Tão pessoal era o projeto que Wadud inclusive assinou as liner notes. Editado como By Myself, o título não poderia ser mais preciso. O álbum trazia seis peças, todas de autoria de Wadud, três de cada lado do vinil, com durações relativamente próximas, indo de 5 a 7 minutos cada. Se a música de By Myself muito deve à improvisação e à espontaneidade expressiva, não se trata propriamente de um disco de free improvisation, há um trabalho composicional também presente e palpável. Há temas como Kaleidoscope e Expansions, onde a liberdade improvisativa é mais marcante, e há também peças caracterizadas mais por seu lirismo e linhas melódicas encantatórias e bem armadas, como Oasis ou a sedutoramente melancólica Camille. A violoncelista Tomeka Reid, convidada pelo The New York Times em 2020, junto a outros violoncelistas, para destacar uma peça fundamental criada para seu instrumento elegeu exatamente Camille. Após pontuar a importância para ela de Wadud e de By Myself, disse: “I love the freedom and creativity in his playing. He uses the whole range of the cello and moves between lyrical, free playing and groove with ease, something I strive to do in my own work. He’s definitely a cellist I wish not only more cellists knew about, but also more people in general”. Difícil saber o impacto e a repercussão que o álbum teve quando saiu, mas By Myself acabou por se tornar uma relíquia e peça de colecionador com o passar do tempo; nos últimos anos, por uma cópia do LP chegava a ser pedido US$ 1.000. A reedição da Gotta Groove Records (responsável também pelo resgate do álbum do Black Unit Trio alguns anos atrás) ajudará a levar essa irretocável música a mais gente. By Myself sai em LP (150 gramas, a US$ 35, já em pre-order) e digital, com o material tendo sido remasterizado pelo engenheiro de som Paul Blakemore a partir da única cópia master existente. Sem dúvida, a reedição do ano. 


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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)