CRÍTICAs Pioneiro
álbum para violoncelo solo, editado em 1977 pelo músico de Cleveland Abdul
Wadud, finalmente ganha uma nova versão...
“I approached the cello not in the lyrical sense that it was
known for. I had a percussive approach at times, chordal approach, as well as
linear approach and tried to incorporate all of that depending on the situation
and the demands of the music at that time”, disse Wadud em rara entrevista em 2014.
Era 1977 quando o violoncelista, chegando aos 30 anos de idade, decidiu levar
adiante um projeto que tinha em mente há algum tempo: gravar um disco para
violoncelo solista. Em uma época em que editar um álbum era algo muito mais
complicado que o cenário que temos hoje, Wadud concluiu que teria que fazer
tudo por si mesmo. Reservou um estúdio, fez a gravação e juntou dinheiro para
fazer uma edição independente pelo selo que criou para isso, o Bisharra
Records. Tão pessoal era o projeto que Wadud inclusive assinou as liner notes. Editado
como By Myself, o título não poderia ser mais preciso. O álbum trazia seis
peças, todas de autoria de Wadud, três de cada lado do vinil, com durações relativamente
próximas, indo de 5 a 7 minutos cada. Se a música de By Myself muito deve à improvisação
e à espontaneidade expressiva, não se trata propriamente de um disco de free
improvisation, há um trabalho composicional também presente e palpável. Há
temas como Kaleidoscope e Expansions, onde a liberdade improvisativa é mais
marcante, e há também peças caracterizadas mais por seu lirismo e linhas
melódicas encantatórias e bem armadas, como Oasis ou a sedutoramente melancólica
Camille. A violoncelista Tomeka Reid, convidada pelo The New York Times em 2020,
junto a outros violoncelistas, para destacar uma peça fundamental criada para seu
instrumento elegeu exatamente Camille. Após pontuar a importância para ela de
Wadud e de By Myself, disse: “I love the freedom and creativity in his playing.
He uses the whole range of the cello and moves between lyrical, free playing
and groove with ease, something I strive to do in my own work. He’s definitely
a cellist I wish not only more cellists knew about, but also more people in
general”. Difícil saber o impacto e a repercussão que o álbum teve quando saiu,
mas By Myself acabou por se tornar uma relíquia e peça de colecionador com o
passar do tempo; nos últimos anos, por uma cópia do LP chegava a ser pedido US$
1.000. A reedição da Gotta Groove Records (responsável também pelo resgate do
álbum do Black Unit Trio alguns anos atrás) ajudará a levar essa irretocável
música a mais gente. By Myself sai em LP (150 gramas, a US$ 35, já em pre-order)
e digital, com o material tendo sido remasterizado pelo engenheiro de som Paul
Blakemore a partir da única cópia master existente. Sem dúvida, a reedição do
ano.
Por Fabricio Vieira
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*quem assina:
Fabricio
Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária.
Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda
correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como
Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e
literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns
“Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”,
de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e
Matthew Shipp (SMP Records)