O ‘electroacoustic improv’ de Tremble Trove


LANÇAMENTOs
Novo trio vindo da Califórnia apresenta seu instigante trabalho de estreia... 

 



Por Fabricio Vieira

 

A primeira palavra que vem à mente (ou aos ouvidos?) ao colocar este disco para tocar é maturidade. Se os quatro artistas que estão em Tremble Trove não soam tão familiares aos que não conhecem a free music um pouco além das camadas mais à superfície do gênero, fato é que eles estão nessa estrada há muito tempo, ao menos desde os anos 90. E todos eles, envolvidos em variados projetos, aparecem em muitos discos nesse percurso de algumas décadas. O grupo formado em Oakland, Califórnia, no início de 2022 traz o pianista Chris Brown; o violoncelista britânico Ben Davis; e o baterista Marshall Trammell. Como convidado, aparece ainda o clarinetista Matt Ingalls. Tremble Trove é um CD duplo, gravado em junho de 2022 no 25th St. Recording, Oakland. Focado na free improvisation, o disco nem por isso deixa de ser um trabalho que exala certa preparação prévia, um planejamento de rumo – nada aqui é gratuito. O primeiro disco é focado no trio com Brown (que também explora eletrônicos), Davis e Trammell; no segundo CD, o trio recebe a adição de Ingalls.

Os dois CDs foram concebidos e gravados juntos, sendo duas partes de um todo maior. E funcionam bem nessa perspectiva, sendo feitos para serem escutados sequencialmente. Texturas e climas ondulantes marcam o disco 1, que traz 8 faixas. Brown nos oferece sonoridades bastante abertas, entre teclas e cordas do piano e intervenções eletrônicas. Davis não deixa por menos, fazendo de seu violoncelo, ora ao arco, ora em pizzicato, um instrumento de ampla perspectiva, cortante, melódica ou mesmo percussivamente. Da abertura (“The Theme”) à conclusão (“Suite”, que funciona quase que como uma peça independente, com seus longos 26 minutos), provamos uma muito interessante música que eles apresentam como contemporary electroacoustic improv. Já o segundo CD tem uma proposta distinta, e não apenas pela entrada de clarinete e clarone em cena. "This disc is 45 minutes of continuous free improvisation generated within a structure called Symbiotic Quartet in which every possible combination of the four players occur”, é explicado na apresentação do trabalho. Nesse “lado B”, são exploradas quatro outras peças. Essas faixas têm cada uma um nome indicativo: Solos, Duos, Trios e Quartet. E como sinalizam os títulos, as peças se desenvolvem nesse esquema: no primeiro tema, os músicos se apresentam um a um; no segundo, em diálogos, em pares alternados de duas vozes; e assim até os quatro estarem em ação juntos na peça que fecha o álbum. Nesse esquema, cada uma das quatro peças tem minutagem decrescente: vamos dos 14m50 de “Solos” aos 7m55 de “Quartet”, em uma interessante proposta interacional e discursiva.  

 


Tremble Trove

Chris Brown/ Ben Davis/ Marshall Trammell/ Matt Ingalls

Artifact Recordings

 





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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)