LIVROs Nova biografia faz profundo retrato de vida e obra do genial saxofonista Albert Ayler...
Por Fabricio Vieira
Albert Ayler (1936-1970) é uma das figuras emblemáticas do
free jazz, nome obrigatório de obra sempre celebrada. Mas é interessante o
quanto ele tem recebido nova e ampla atenção em anos recentes. Olhemos apenas para
2022. O ano abriu com a muito bem-vinda notícia de que o livro “Spirits
Rejoice! Albert Ayler and His Message”, pioneira biografia sobre o saxofonista,
editada originalmente em alemão em 1996, receberia sua primeira tradução para o
inglês. Depois os ouvintes se depararam com uma sequência de novidades em CD
pelo selo ezz-thetics, trazendo novamente à luz registros de Ayler esquecidos
ou esgotados, com “La Clave Live Cleveland 1966”, “At Slug’s Saloon 1966” e
“Lost Performances 1966”. Em paralelo, o selo Elemental Music soltou “Revelations
- The Complete ORTF 1970 Fondation Maeght Recordings”, uma luxuosa e estendida edição,
em LP e CD, da derradeira apresentação de Ayler na França. Mas o mais
importante acontecimento ficaria para o fim de 2022, quando foi editada uma
nova biografia do mítico saxofonista: Holy Ghost: The Life & Death of Free Jazz
Pioneer Albert Ayler.
Quando se pensa na discografia disponível de Ayler, parece
que ele foi um artista muito prolífico, mas talvez não seja bem assim. Na
verdade, sua discografia é marcada por uma infinidade de registros ao vivo, com
boa parte não tendo sido planejada para ser editada em disco e que ganhou
versões com títulos diferentes a cada vez que saíam por um novo selo. Koloda
ajuda o leitor a circular bem pelo mapa sonoro ayleriano, dando a oportunidade
para quem quer adentrar sua obra de fazer isso de forma informada e organizada.
A maioria dos capítulos é focada exatamente na obra na qual ele trabalhava
naquele momento da vida, com muitos de seus títulos espelhando os nomes dos
álbuns, como “Prophecy”, “Spirits Rejoice”, “Bells”, “Slugs” e por aí vai.
Albert Ayler viveu apenas 34 anos e teve uma carreira profissional que durou
somente uns 8 anos. Muito pouco, mas o suficiente para ter deixado obras-primas
do free jazz pelo caminho e ter uma vida musical composta por diferentes fases,
chegando até em seu flerte final com o R&B, o soul e mesmo o rock.
Um assunto que sempre teve várias versões é a morte de Albert Ayler. Como se sabe, seu corpo foi encontrado boiando no East River na manhã de 25 de novembro de 1970. Ele foi identificado pelo documento que estava em um de seus bolsos e levado para o necrotério do Kings County Hospital, onde seria reconhecido pelo irmão Donald, o pai Edward e por um de seus últimos importantes parceiros musicais, o pianista Call Cobbs.
Ayler desapareceu no dia 5 de novembro, quando deixou o lugar em que morava com Mary Maria Parks e não foi mais visto. Se não há como refazer esses seus dias finais, o que Holy Ghost nos mostra é que Ayler estava já vivendo uma complicada fase na sua vida há meses, sendo que seu último grande evento musical foi a turnê que fez na França em julho de 1970. A última vez que Ayler tinha entrado em um estúdio foi em agosto de 1969, para as sessões que resultaram no material dos álbuns “Music Is The Healing Force Of The Universe” e “The Last Album” (este, um raspa tacho da gravadora editado postumamente para tentar lucrar algo) e que representaram também o fim de seu contrato com a Impulse. Após a volta da turnê triunfal na França, o reencontro com o mundo de incertezas em Nova York logo o afundou em um período de esgotamento mental e físico. Muitas coisas rondavam sua mente: o irmão internado em um hospital psiquiátrico devido a um colapso nervoso após deixar de tocar com ele; o relacionamento com Mary Parks em crise; a carreira com rumo incerto naquele momento (de concreto à vista, apenas uma esperada primeira turnê no Japão, que deveria acontecer no começo de 1971). Quem o via na época falava de seu comportamento cada vez mais estranho, dele passar a andar com o rosto sempre coberto por uma camada de vaselina, usar luvas, chapéu e sobretudo em dia de forte calor... Em setembro de 1970, ele vai pela última vez a Cleveland visitar sua família, onde passa algumas semanas. “Ele exibia uma acentuada deterioração física e mental que causava preocupação em sua família.” No fim de outubro, de volta a Nova York, vai visitar Bernard Stollman, o dono da ESP-Disk’, figura fundamental para o início de sua carreira. Foi uma das últimas vezes que foi visto. Poucas semanas depois seria encontrado morto. De acordo com a autópsia do New York Medical Examiner, Albert morreu de “asfixia por submersão – circunstâncias indeterminadas”. Mas muitas versões logo circulariam sobre sua morte e seguiriam por aí por muito tempo. Alguns, como Beaver Harris, defenderiam a tese de acidente, de que ele caiu da ponte e, por não saber nadar, se afogou. Falou-se que seu corpo foi amarrado a uma jukebox e jogado no rio. Outras versões contavam que o corpo dele tinha marca de tiro. Que um traficante o havia matado. Outras ainda, que seu assassino era um gigolô, que atirou nele e o jogou nas águas. Os rumores foram crescendo e se espalhando; Gary Peacock, um dos primeiros parceiros musicais de Ayler, diria um tempo após a morte dele à revista Hot House: “Alguém atirou na nuca dele. Alguns dizem que foi culpa das drogas. Mas minha experiência diz que ele não era um drogado. Minha suspeita está mais relacionada a [problemas com] mulheres”. Para o autor, o que faz mais sentido é a conclusão de que tratou-se de suicídio. “As declarações de Mary Parks à polícia levaram à conclusão lógica de suicídio e, depois de tanto tempo na água antes de ser descoberto, o corpo de Albert não apresentou nenhuma outra evidência para refutar isso”, diz o livro. Albert Ayler foi enterrado em sua terra natal, no Highland Park Cemetery, em 4 de dezembro de 1970.“The father, son and holy ghost. What Coltrane was talking
about (...). He was the father, Pharaoh was the son, and I was the holy ghost.
And only he could tell me things like that” (ALBERT AYLER)
HOLY GHOST: The Life & Death of Free Jazz Pioneer Albert
Ayler
Autor: Richard Koloda
Jawbone Press (304 pgs., English)
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em
Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por
alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou
também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos
anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de
liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo
Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live
in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)