Encerramos o ano com nosso Top 10, listando álbuns imperdíveis lançados em algum momento de 2022, trabalhos que deveriam ser obrigatoriamente degustados pelos apreciadores da música livre e criativa...
Por Fabricio
Vieira
Chegamos ao fim
de 2022 com o nosso Top 10. A ideia que motiva fazer anualmente uma
seleção dessa é destacar álbuns que não deveriam deixar de ser ouvidos por quem
se interessa por free music, discos incríveis que não podem passar em
branco em suas audições. O universo free jazz/free impro continua nos
trazendo grandes trabalhos ano após ano, com a música criativa, alternativa,
independente mantendo seu vigor sempre renovado: difícil é escolher 10 discos;
não faltaram outros empolgantes álbuns editados nos últimos 12 meses que
poderiam ter entrado aqui... Mas a proposta é fazer uma lista de 10 discos (+ 2
extras, em "Gravação Histórica/Reedição" e "Disco Nacional do
Ano"). Boas audições... Free The Jazz!!!
TOP 10 – 2022
10- CERTAIN
REVERIES
Ben LaMar Gay
International
Anthem
Ben LaMar Gay é um dos que têm mantido a cena de Chicago em constante vibração criativa. Munido de corneta e sintetizador, se uniu em duo ao baterista Tommaso Moretti para este seu mais recente trabalho. O resultado é incrível. Apresentado como uma long-form composition, em 11 partes, Certain Reveries traz momentos de grande frescor sonoro, sedimentando LaMar Gay como um dos mais interessantes nomes de sua geração.
9- REFRACTION SOLO
Rodrigo Amado
Trost Records
O saxofonista português Rodrigo Amado, com mais de três décadas de carreira, chegou apenas agora a seu primeiro álbum solista. E fez isso em grande estilo. No retorno aos palcos após a reclusão pandêmica, se apresentou sozinho na Igreja do Espírito Santo, em Caldas da Rainha, resultando neste tocante registro. Amado é um improvisador de infinita inventividade, sempre nos ofertando música com ares de novidade.
8- REED RAPTURE
IN BROOKLYN
Ivo Perelman
Mahakala
Music
Ivo Perelman resolveu fazer uma série de duos com outros saxofonistas. Para isso, convidou nada menos que 12 instrumentistas para dividir o projeto com ele. Dentre esses, alguns dos maiores do sax, como Roscoe Mitchell, Joe McPhee, David Murray, Ken Vandermark, Lotte Anker e Tim Berne. São doze discos, sempre com um instrumento diferente acompanhando o sax tenor de Perelman, em diálogos de múltiplas voltagens.
7- SWEET TOOTH
Mali Obomsawin
Out of Your
Heads Records
A baixista, compositora e vocalista Mali Obomsawin trouxe para a free music suas heranças culturais indígenas. Vinda do povo Abenaki, da região do Maine, Obomsawin apresenta neste seu álbum de estreia uma suíte em seis partes. Para o projeto, montou um sexteto, que conta com a presença do experimentado trompetista Taylor Ho Bynum. O resultado é uma muito particular e envolvente obra na qual histórias e canções de seu povo se unem ao jazz livre.
6- GROW
Kaja Draksler/
Susana Santos Silva
Intakt Records
A pianista eslovena Kaja Draksler e a trompetista portuguesa Susana Santos Silva têm trabalhado juntas há alguns anos e chegaram aqui a seu momento mais inventivamente ousado. Onde havia lirismo no álbum anterior da dupla, aqui encontramos explorações sonoras a terrenos nunca antes navegados. Com técnicas estendidas e acessórios diversos, Draksler e Santos Silva mostram o quanto a criatividade delas não tem limites.
5- BEYOND
Isaiah Collier/
Michael Shekwoaga Ode
Division 81
Records
O saxofonista Isaiah Collier, de Chicago, ainda não teve a repercussão que merece. Aos 24 anos, Collier fez uma explosiva estreia no ano passado, com Cosmic Transitions, e mostra neste novo álbum que não teve apenas uma lufada de inspiração. Aqui em duo com o baterista Michael Shekwoaga Ode, em um projeto chamado I AM, vemos novamente a força de sua música, herdeira direta do spiritual free jazz dos anos 60 e 70.
4- HYAKU: ONE
HUNDRED DREAMS
Satoko Fujii
Libra Records
Satoko Fujii é um dos nomes obrigatórios da free music contemporânea. A pianista japonesa chegou a seu 100º álbum e convocou um octeto estelar para acompanhá-la neste disco-celebração, contando, dentre outros, com Ingrid Laubrock, Wadada Leo Smith, Ikue Mori e Chris Corsano. Hyaku: One Hundred Dreams é uma suíte em cinco partes que bem exibe a amplitude e a genialidade das ideias de Satoko Fujii.
3- PAIRS OF
THREE
Paal
Nilssen-Love – Circus
PNL
O baterista norueguês Paal Nilssen-Love soltou há poucas semanas esta que é a estreia de seu novo projeto, o Circus. Um septeto, que conta com sopros, cordas e acordeon, tem entre seus destaques a vocalista sul-africana Juliana Venter. No Circus, Nilssen-Love mostra que também é compositor inspirado e, em meio às trilhas abertas pelo free impro, adiciona elementos de uma antiga paixão sua, a música brasileira, em um resultado poderoso.
2- BHAKTI
Zoh Amba
Mahakala
Music
Zoh Amba é uma jovem saxofonista de 22 anos que chegou no ano passado a Nova York, vinda do Tennessee. Não tardou para chamar a atenção na cena e acabou aparecendo em meia dúzia de discos desde então. Em Bhakti, temos ela em seu melhor. Comandando um quarteto, que conta com Tyshawn Sorey na bateria, Amba apresenta três cortantes peças, onde seu enérgico sopro nos remete aos tempos mais ariscos do free jazz.
1- AMARYLLIS
& BELLADONNA
Mary Halvorson
Nonesuch
*Gravação
Histórica/Reedição
RESPIRATION
Cecil Taylor
Fundacja
Sluchaj
*Disco Nacional
do Ano
Amilcar
Rodrigues/ Guilherme Marques
Baticum Music
A estreia deste duo formado pelo trompetista Amilcar Rodrigues e o baterista Guilherme Marques foi uma grande surpresa. Músicos experimentados, Rodrigues e Marques uniram forças neste projeto no qual alcançam sua plenitude artística. Metade das faixas recebe a participação especial da cantora Juçara Marçal, trazendo possibilidades novas e muito particulares às peças.
*Livro do Ano
GATO BARBIERI:
Un sonido para el tercer mundo
Sergio Pujol
Planeta
Mais conhecido e celebrado saxofonista da América Latina, o argentino Leandro Gato Barbieri (1932-2016) ainda não tinha tido sua trajetória investigada amplamente e com rigor de pesquisa. Então, ver sair uma densa e muito bem escrita biografia como esta é motivo para ser comemorado. Escrita pelo historiador argentino Sergio Pujol (autor de uma importante história do jazz em seu país, “Jazz Al Sur”), esta biografia mostra Barbieri em todas as suas genialidades e contradições, do free jazz ao mainstream, dos dias de estrela ao quase esquecimento.
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez
mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de
S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires.
Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos
últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É
autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo
Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live
in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)