LANÇAMENTOs Novos álbuns de artistas de diferentes
partes da América Latina. Experiências variadas, possibilidades múltiplas.
Ouça, divulgue, compre os discos...
Por Fabricio Vieira
Un Cacho de Metal, Un Resto de Vaivén
Nichunimu
577 Records
A efervescente cena do Chile sempre traz novidades muito interessantes
que merecem uma pausa para escuta. O trio chileno
Nichunimu está em atividade desde
2014 e reúne Benjamin Vergara (trompete), Nicolás Carrasco (sintetizador) e
Matías Mardones (percussão). Vergara, músico radicado na cidade de Valdivia, é
o mais conhecido deles, tendo gravações com gente como o guitarrista Fred Frith
e o violoncelista Fred Longberg-Holm. Já com sonoridade bastante madura e
particular, o Nichunimu agora tem a chance de apresentar sua música a novos
ouvintes com esta oportunidade de gravar pelo 577 Records, selo independente de
Nova York que tem registrado algumas interessantes novidades da free music
feita por latino-americanos. A música climática do trio, marcada por
particulares texturas proporcionadas pela inusual instrumentação, é apresentada
aqui em sete faixas próprias com intrigantes resoluções expressivas. Editado em
digital, CD e vinil.
argon
Marina Cyrino
Seminal Records
A flautista brasileira Marina Cyrino tem desenvolvido um
trabalho que transita entre “
improvisação, composição, luteria experimental e
formatos instalativos audiovisuais”. Radicada em Berlim, Cyrino apresenta uma
nova obra que bem exemplifica a amplitude de sua abordagem artística. É um
registro solista, para piccolo e flauta baixo amplificadas. A música
apresentada já geraria interesse por si mesma. Mas trata-se, mais do que apenas
a inventividade sonora, de um vídeo-álbum, em seis partes. E ela pede para que a
experiência seja vivenciada de forma completa: através das faixas de vídeo, não
apenas das faixas de áudio. Para entendermos melhor a proposta, Cyrino conta a
gênese da obra: “
Um dia apareceu uma mosca no meio do vidro duplo da minha
janela. Não tenho ideia de como ela entrou. Ou quando/ se ela saiu. Incapaz de
soltar a mosca, durante dias eu segui sua vida. "Argon" é o resultado
deste estranho encontro. Estruturado em uma espécie de diário, o vídeo-álbum
combina as imagens que eu filmei com meu celular em Gotemburgo [21 de
fevereiro, 4,5 e 7 de março de 2017] com improvisos para piccolo e flauta baixo
amplificados que eu gravei enquanto assistia às imagens em Berlim [17 de setembro
de 2022]”. Os links para os vídeos estão juntos a cada faixa no Bandcamp.
La Emperatriz
Pia Hernandez
ears&eyes Records
A pianista Pia Hernandez, nascida em Ushuaia (Tierra del
Fuego) e radicada em Buenos Aires, vai se firmando como uma voz imperdível da
música criativa argentina contemporânea. A Argentina tem uma infinidade de
grandes pianistas explorando as vias mais ousadas do jazz. E Pia Hernandez ,
com este seu terceiro álbum como líder, vai demarcando seu espaço. Ela se
formou em Jazz no Conservatorio Superior Manuel de Falla em 2015 e desde então
tem tocado com muitos dos mais interessantes artistas da cena argentina. Aqui
ela traz de volta seu trio, com Nacho Szulga (contrabaixo) e Nicolás del Águila
(bateria), e conta em três temas com a participação do saxofonista Lucas
Goicoechea.
La Emperatriz foi gravado em janeiro deste ano no Estudio Doctor
F., em Buenos Aires, e mostra o frescor da música de Pia Hernandez em seu melhor.
4.9
Rocío Giménez López/ Formica/ Golombisky
ears&eyes Records
Este trio apresenta outra destacada pianista argentina da
nova geração, Rocío Giménez López, que vem de Rosario, terra da refinadíssima
Paula Shocron. O grupo é formado por Giménez Lopez, o saxofonista Matías
Formica e o baixista Matthew Golombisky. Este disco é derivado da gravação de
um recente álbum de Formica, “Hastio y Paranoia” (Neue Numeral, 2021), para o
qual o saxofonista reuniu diferentes grupos para gravar cada faixa. Um desses
era exatamente este trio. São 14 peças de improvisação livre, às quais os
músicos trazem outros elementos sonoros (Lopez toca também sintetizador e
Golombisky, além dos pedais em seu baixo elétrico, explora sinos, tigelas
tibetanas e cassetes), ampliando as texturas em meio às diferentes atmosferas
que permeiam cada peça.
Fobia
Violeta Garcia
Relative Pitch Records
Violoncelista de Buenos Aires, Violeta Garcia tem começado a
ser descoberta no exterior. E agora consegue dar um grande passo, ao editar
este seu novo trabalho solista pelo conhecido selo de Nova York Relative Pitch
Records. Grande talento que circula por diversas searas musicais – free impro, jazz, rock, experimental –, Violeta mostra aqui a maturidade de sua linguagem, preparando seu
violoncelo e explorando diferentes técnicas estendidas.
Fobia é um álbum de
inspiração bastante pessoal, com a artista encarando suas fobias a cada faixa,
registrando-as nos títulos, como “El Paso Del Tiempo”, “Largas Esperas” e
“Decidir”. São 15 temas, relativamente breves, com energia e tensão
concentradas, que mostram o quanto a música de Violeta Garcia é inventivamente sólida e estimulante.
Cuadernos de viaje No.2
Tortuga Alada
Sonic Transmissions/ Dur Et Doux
O duo Tortuga Alada, que reúne a saxofonista e clarinetista
colombiana Maria “Mange” Valencia e a violoncelista argentina Violeta Garcia,
lança o segundo volume de seu
Cuadernos de Viaje. O Tortuga Alada foi formado
em 2017, editando sua estreia no ano seguinte. Para este novo título, foram
selecionadas oito peças, gravadas em diferentes contextos e lugares. Dois temas
trazem convidadas, ampliando a proposta original do duo. Em “Túnel del inicio”,
há a participação de Camila Nebia (sax tenor) e de Juliana Gaana (corne
inglês), resultando em uma algo sombria peça de câmara. Já em “Sinlefa hacia el
sur”, uma “improvisação telemática” que ainda reflete certas novas perspectivas
abertas pela pandemia, artistas latino-americanas em diferentes localidades se
uniram para sua realização no começo deste ano. A Valencia e Garcia se uniram
as colombianas Ana Ruiz (violino) e Juliana Gaona (oboé); a argentina Camila
Nebia; e a acordeonista brasileira Lívia Mattos. “Sinlefa hacia el sur” fecha o
álbum em grande estilo. Sai em CD e vinil.
Meristema
Wagner Ramos/ João Madeira
4DaRecord/Brava
O baterista brasileiro Wagner Ramos, do irretocável duo
Radio Diaspora, foi a Portugal meses atrás e por lá aproveitou para estreitar contatos nesta que é uma das cenas mais intensas da atualidade. O encontro
com o baixista lisboeta João Madeira culminou em uma sessão de estúdio, que se
tornou este álbum que acaba de sair, captado no Namouche Studios, em 17 de julho,
em Lisboa. “
Meristema é o tecido vegetal
responsável pelo crescimento da planta. É composto por células indiferenciadas
que passam por muitas divisões para em algum momento se encontrarem. O nome do
trabalho faz referência a esse encontro potente de Ramos e Madeira para a
criação de um trabalho único e de uma profundidade que vai além das próprias
raízes e referências de ambos”, é explicado no release. O resultado desse
encontro são três extensas peças, nas quais Ramos e Madeira exploram, por mais
de uma hora, diversos climas e possibilidades interativas, passando: pelos
momentos de pulso percussivo mais intenso que abrem “Raiz” (com sutis toques
eletrônicos aqui e ali trazidos por Wagner), embalados pelo arco gestando densas
camadas; as variações climáticas e rítmicas da faixa-título, com grande
exibição da palheta de ideias sem amarras da dupla, em uma longa travessia que
se estende por mais de 33 minutos; e chegando à mais relaxada “Suberosa”, tema mais
breve e direto que encerra a jornada como um eficiente encore que sintetiza e arremata o álbum.
Meristema sai
em CD pelo selo português 4DaRecord e em versão digital pela Brava.
More Touch
Patricia Brennan
Pyroclastic Records
A vibrafonista mexicana Patricia Brennan vai se firmando
como uma das vozes mais celebradas de seu instrumento na free music
contemporânea. Radicada no intenso Brooklyn nova-iorquino, Brennan edita seu
segundo disco como líder – se a trajetória da vibrafonista na free music tem ganhado
destaque ascendente em anos mais recentes, sua história com a música data de uma vida toda,
tendo inclusive estado associada à seara erudita por bastante tempo, fazendo
parte de orquestras sinfônicas quando ainda vivia no México. Para esta nova
empreitada, ela reuniu um muito interessante quarteto de percussão com corda
formado por Marcus Gilmore (bateria), Kim Cass (baixo) e o percussionista
cubano Mauricio Herrera, que resulta em uma sonoridade perfeita para as ideias
que traz aqui. Gravado em março de 2022 no Oktaven Audio (NY),
More Touch
apresenta 10 novas peças de Brennan, na qual mostra toda sua engenhosa inventividade,
da swingante “Unquiet Respect” à climática faixa-título, em um disco saboroso
com um colorido muito particular. Publicado em CD e digital.
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*quem assina:
Fabricio
Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária.
Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda
correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como
Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e
literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns
“Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”,
de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e
Matthew Shipp (SMP Records)