5x Mats GUSTAFSSON


LANÇAMENTOs
O saxofonista sueco Mats Gustafsson tem tido mais um ano de intensa produção, com novos discos de diferentes projetos aparecendo nesses tempos...

 




Por Fabricio Vieira

 

(photo: Matthias Heschl)
Uma das vozes mais representativas da free music contemporânea, o saxofonista sueco Mats Gustafsson, prestes a completar 58 anos, fez de sua música um amplo campo de pesquisa e investigação sonora. Do mais cru free jazz às mais abstratas explorações improvisacionais, Gustafsson tem criado uma discografia, que já ultrapassa os 200 títulos, de muita variada oferta, sempre pronto a descortinar novos caminhos. Talvez mais associado aos saxes barítono e tenor, ele explora também uma série de outros instrumentos desde o começo de sua carreira, em meados da década de 1980. Saxes soprano, alto, slide e contrabaixo, flautas, flutephone, eletrônicos, muitas são as vias visitadas por ele para desenvolver sua música. Gustafsson tocou no Brasil em três oportunidades: com o Fire! (maio de 2011), o The Thing (junho de 2013) e em duo com Christof Kurzmann (março de 2020), projetos bastante distintos que permitiram que víssemos facetas diversas de sua arte.  “Eu não gosto de rotular a música [que faço], pois isso impede o ouvinte de ter uma experiência aberta em relação a ela”, disse Gustafsson ao FreeForm, FreeJazz na última vez em que esteve em São Paulo. Então, ouçamos sem preconcepções esses novos álbuns que Gustafsson soltou nos últimos meses. Uma ampla amostra do quanto sua música é variada e inventiva. “A música está sempre mudando. Você apenas tem que estar aberto para que isso aconteça. Se manter curioso. Estar aberto a coisas novas. E disposto a cometer erros”, resume.

 

 

Prosperity

Mats Gustafsson/ Christof Kurzmann

Next Festival Records

Para os brasileiros, este lançamento deve acessar uma memória relativamente recente, especialmente se pensarmos no hiato provocado pela pandemia. Mats Gustafsson e Christof Kurzmann comandaram o último show de free music no Brasil, em março de 2020, antes de a pandemia travar as apresentações no país por um longo inverno. Prosperity traz o duo em show alguns meses depois, em 4 de dezembro de 2020, no Next Festival, em Bratislava. São três longos temas, dentro do mesmo esquema do que vimos naquela ocasião no país. A instrumentação é algo variada, mas isso é normal neste universo; a música, consequentemente, e até pela natureza improvisacional, também não se revela repetitiva, tendo suas surpresas próprias. Gustafsson toca flauta, saxes soprano, barítono e baixo, além de piano mate e live electronics. Kurzmann explora ppooll, rubberband e voz.

 

 

VAR

Ensemble VAR

Confront Recordings

Mats Gustafsson, que é um artista sempre envolvido em projetos internacionais, aqui organiza um encontro completamente local. Convidado para o festival sueco Svensk Musikvar, realizado em Estocolmo, ele decidiu reunir um quarteto apenas com conterrâneos. O projeto foi chamado de Ensemble VAR, formado por quatro músicos da Suécia ligados a experimentações de diferentes origens. A Gustafsson (sax e flauta) se uniram Mats Lindström (eletrônicos, sampler) e Joachim Nordwall (sintetizador analógico e tapes). A quarta voz é a violinista Anna Lindal, que por quase duas décadas fez parte da Royal Phillharmonic Orchestra de Estocolmo e trabalha com improvisação e música contemporânea, tendo como destaque em sua discografia o álbum “Violin Alone”, com peças de John Cage e Christian Wolff. O resultado é uma música improvisada que amalgama elementos acústicos e eletrônicos, bastante detalhista, sem arroubos, marcada por uma precisa interação sem protagonismos. O concerto aconteceu em 19 de março de 2021 e, provavelmente por restrições da pandemia, foi realizado ao vivo mas sem público, com transmissão pelo canal do festival.

 

 

Archival Series 001

Mats Gustafsson

Independent

Por mais que seja um formato bastante presente na free music há cerca de cinco décadas, o saxofone solo ainda gera momentos desafiantes para os ouvintes. Nem sempre se está com o foco necessário para apreender o que o saxofonista leva ao palco, especialmente quando a energy music não é o foco do artista. Estas apresentações, quando são mais detalhistas e exploram com maior foco técnicas estendidas, apenas elevam as dificuldades de conexão com o público – nesses casos, ver ao vivo é uma experiência mais recomendada do que escutar em casa. Mats Gustafsson é um dos que vêm explorando o formato desde o começo da carreira, tendo oferecido já diferentes possibilidades expressivas quando sobe ao palco apenas com um saxofone. Nesta apresentação realizada em 19 de abril de 2005, no Culturen, na Suécia, Gustafsson toca apenas o inusual slide sax, em nove temas. O álbum inaugura a Archival Series, projeto pelo qual Gustafsson vai trazer a público gravações antigas de concertos nunca editadas. Apenas em versão digital.

 


Contra Songs

Mats Gustafsson

Smalltown Supersound

Um outro capítulo de Mats Gustafsson em versão solista também acaba de chegar aos ouvintes. A proposta não poderia ser mais diferente: o músico maneja aqui um sax contrabaixo. Captada em outubro de 2003 na igreja de Gustavsberg, no pequeno município sueco de Värmdö, Contra Songs mostra mesmo Gustafsson sozinho: um amigo emprestou a chave da igreja para ele realizar a empreitada. “I have never ever before gotten myself into such an unusual setting for a recording project”, diz Gustafsson. “I went there at midnight. Set up my recording gear. Old school DAT machine, tube pre-amps and two AKG 414s in an extreme stereo set-up, close to the horn. The horn of choice. The contrabass sax. The monstrous sax-machine Tubax made by the German engineer Benedikt Eppelsheim at the turn of the century (...) More than 6 hours straight of low-end sax noise and many breaks later: the sun set. At around 7 am… I was done.” Ouça em um potente estéreo, na penumbra. Experiência incrível. Editado em LP e digital.

 


Hidros 8 – Heal

Mats Gustafsson & NU Ensemble

Trost Records

O NU Ensemble é um projeto que Mats Gustafsson começou a desenvolver em 1997. A ideia a cada capítulo é reunir uma nova agrupação, com novas peças e um foco de inspiração diferente. Cada capítulo que chega vem sob o título Hidros mais um número que indica onde estamos. Os resultados são amplamente variados; Hidros 6, por exemplo, era dedicado a Little Richard; Hidros 7 vinha sob as bençãos de Frank Zappa. Para este Heal, o capítulo 8 do NU Ensemble, Gustafsson montou um grupo europeu com artistas de Suécia, Noruega, Holanda, Áustria, Itália e Portugal. O tentet traz nomes bem-conhecidos da free music contemporânea, como Anna Högberg, Susana Santos Silva, Christof Kurzmann e Massimo Pupillo. E desta vez, a inspiração não é um artista, mas o estado atual do mundo. “Is an attempt to rise and find the questions about the state of things of the moment. There is an extreme unbalance on local and global levels at the moment — from ideological, economical, cultural and political perspectives –  and we need an equilibrium of some sorts very soon”, diz Gustafsson na apresentação da obra. “What can make it all HEAL?/ can it HEAL?/ and for how long can it HEAL?/ are there more questions to find?/ if we can find the questions – we might find the answers. or is it enough with the questions in order to HEAL?”, questiona. A obra, gravada originalmente em 23 de novembro de 2016 no DE Studio, na Antuérpia (e tocada em festivais a partir dali), é composta por duas extensas partes, totalizando 56 minutos de música. Trata-se de uma peça que lida com partes compostas e improvisação, alternando construções em grupo e sequências solistas, entre picos de tensão e relaxamento. A formação do grupo, com saxes, trompete, tuba, guitarra, baixo, eletrônicos, turntables (a cargo de Dieb 13) e duas baterias, oferece uma gama ampla de possibilidades e combinações sonoras que Gustafsson explora com maestria e sólido domínio criativo. Sai em CD e LP, com lançamento oficial marcado para o dia 18 de novembro.  

 

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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)