LANÇAMENTOs
Novos álbuns de artistas de diferentes partes da América Latina. Experiências
variadas, possibilidades múltiplas. Ouça, divulgue, compre os discos...
Por Fabricio
Vieira
Llore Fuegos,
Soñe Rios
Ingrid Feniger
ears & eyes
Records
A saxofonista
Ingrid Feniger tem estado envolvida com muitos diferentes interessantes
projetos na cena jazzística argentina dos anos 2010. Para quem acompanha seu
trabalho, que teve uma sólida estreia com Maleza (2014), ficava a expectativa
por um novo disco seu como líder. E após muita espera, chega
Llore Fuegos, Soñe
Rios. Feniger, que toca sax alto e clarinete baixo, está aqui acompanhada de
Noel Morroni (piano), Leonel Cejas (contrabaixo) e do experiente baterista Andres
Elstein. “
El disco Llore Fuegos, Soñe Rios suena a todos los Universos que
conviven en mí. De repente, es un disco de improvisación con cierto carácter
expresionista subido a las ideas rítmicas que siempre me acompañan, y luego
esto se ve interrumpido por melodías líricas y oníricas. De alguna manera puedo
entender este disco como dualidad. Dualidad poética, dualidad expresiva”, diz.
O álbum traz seis composições, gravadas no Estudio Dr. F, em Buenos Aires.
Noctámbulos
Orquesta
Inorgánica
Neue Numeral
As orquestras
têm um papel de grande destaque na cena jazzística contemporânea da Argentina.
Segundo o crítico e pesquisador Fernando Ríos, na segunda década dos anos 2000,
apenas em Buenos Aires, cerca de 30 orquestras jazzísticas estavam em
atividade. É neste contexto que surge este novo projeto. A Orquesta Inorgánica
(OI) nasceu em 2018, sob o comando do saxofonista Jorge Torrecillas. “
La idea
de formar este grupo con músicos con antecedentes en distintos estilos es un
punto de partida para crear una música no alineada a ninguna corriente siendo
la improvisación libre el motor en todas las interpretaciones”, explica a
apresentação do projeto. São 11 instrumentistas (sopros, guitarra, baixo e
bateria) e duas vozes (canto e recitação) que criam um potente disco de estreia
com oito peças de variadas ideias e soluções.
Jump
Julieta Eugenio
Greenleaf Music
Julieta Eugenio
trocou a Argentina por Nova York há quase uma década para seguir seus estudos
em música. Após concluir um Jazz Master no Queens College, em 2016, o foco total passou a seu trabalho como saxofonista. Enquanto a pandemia atrasava os planos, ela
gravou em 2020 um EP solista, “Unaccompanied Saxophone Vol. 1”, que serviu como
aperitivo a seu aguardado álbum de estreia.
Jump chegou apenas neste ano. E tem
sido bem-recebido. A decisão de Julieta Eugenio de ir sem pressa rumo à sua
estreia se mostra bastante acertada. O que vemos no disco é uma artista com uma
voz própria e segura, comandando seu trio – com Matt Dwonszyk, baixo, e Jonathan
Barber, bateria – com precisão pelas vias de um pós-bop sem arroubos. São dez
peças, a maioria composições suas, gravadas em março de 2021 no Big Orange Sheep
Recording Studios (NYC). Com produção executiva de Dave Douglas, Jump deve
abrir muitas portas para esta nova sax tenorista.
Ori
Radio Diaspora
Brava
No centro do
que mais instigante tem sido feito na free music brasileira, o duo
Radio
Diaspora edita seu novo álbum. Sempre aguardado com interesse renovado, cada
trabalho que surge do duo formado por Romulo Alexis (trompete, flautas,
percussão, voz, eletrônicos) e Wagner Ramos (bateria, eletrônicos, samples) nos
traz algo mais daquilo a que já nos acostumaram: exploração sonora de acurada
sensibilidade e desconcertante criatividade sem amarras. Nessa jornada iniciada
em 2016, e que já rendeu mais de dez trabalhos, o Radio Diaspora segue por trilhas
frescas que mantêm seu vigor expressivo em uma renovação constante de ideias
movidas por um discurso sonoro coeso e certeiro. Focado aqui no duo
propriamente (eles se unem a convidados em boa parte dos álbuns que já
editaram), mostram que a parceria tem muitos rumos a nos levar ainda. Da
altamente imagética faixa de abertura (“Aruanda”), passando pela expressão mais
direta de trompete e percussão (“Vissungo”) ou a energia cortante de “Encruza”,
Ori exibe as faces múltiplas que marcam a arte do duo. São dez peças, em mais de
uma hora de música, gravadas por Pedro Azevedo na Audio Rebel (RJ), na
primavera de 2021. A bela capa é de autoria de Priscila Tâmara e Rodrigo
Sommer.
Grammelot
Neris
Rodrigues/ Leonardo Pellegrim/ Hugo Medeiros
Boa Vista Jazz
Records
Este novo trio
vindo de Pernambuco traz uma muito inventiva exploração instrumental com uma
formação bastante interessante: trombone (a cargo de Neris Rodrigues), sax (Leonardo
Pellegrim) e bateria (Hugo Medeiros, que faz parte do trio de Amaro Freitas).
Com nomes de formações e trajetórias distintas, o trio apresenta uma música
harmonicamente arrojada, que circula por vias marcadas pelo instrumental
brasileiro sem esconder referências do avant-garde jazz, que podem tanto marcar
pontualmente solos (como o potente sax em “Outra Coisa”) como estruturar peças (veja
as breves e certeiras “Boderline” e “Fim do Dia”). Gravado no Mofo Estúdio
Mofo, em Recife, em novembro de 2021,
Grammelot traz dez faixas que apresentam
um trio com uma música instigante que aguça para ser apreciada ao vivo.
A Lenda da
pianista enterrada viva
Nelson Pinton/
Marco Scarassatti
Brava
Este registro
do duo formado por
Nelson Pinton e
Marco Scarassatti parece ter sido concebido
com vagar (foi gravado entre 2017 e 2019, não se sabe em quantos encontros) e
demanda que também seja ouvido sem pressa, com a atenção focada. Música de
sonoridades abertas, apontando para rumos improváveis e, por vezes, de difícil
identificação laboral, foi desenvolvida com uma instrumentação no mínimo
inusual: Pinton explora piano, piano preparado e eletrônicos; Scarassatti, piano,
tampo do piano, máquina de escrever, viola de cocho e trompa Kirk Roland
(instrumento de fabricação própria). Com este arsenal instrumental, a dupla
desenvolveu nove peças, entre dois e sete minutos, com resultados de grande
variação, onde a viola de cocho pode ser o elemento destacado (“Are you there?”)
ou o piano assumir o centro sonoro (“Pianos Pastores”, com seu sombrio lirismo),
mas sempre com um rumo inesperado ao iniciarmos a audição de cada faixa. O
álbum foi captado no Vitrola Digital Studio, em Campinas (SP), mesmo lugar onde
Pinton e Scarassatti registraram, em 2008, o marcante álbum do trio Sŏnax.
Fauces
Amanda
Irarrázabal/ Miriam Den Boer Salmón
577 Records
Este é um muito
inspirado encontro de cordas, um duo que reuniu a contrabaixista chilena
Amanda
Irarrázabal com
Miriam Den Boer Salmón, violinista de origem mexicana radicada na
Holanda. As duas instrumentistas se conheceram na Cidade do México e um pouco depois,
em maio de 2019, em Amsterdã, conseguiram concretizar os planos de tocarem
juntas, encontro que está sendo editado apenas agora. Irarrázabal é uma das
mais experimentes improvisadoras da América Latina e desenvolve ao lado de Salmón
uma música de ampla criatividade, utilizando técnicas estendidas e múltiplas
possibilidades sonoras, que resultaram nessas dez peças que formam o álbum.
Fauces será
editado no próximo dia 15 de julho em CD e digital.
Odas Mixtas
Para Criaturas Mínimas
Mirlitorrinco
Dur & Doux
Novo quarteto
colombiano, o
Mirlitorrinco reúne a saxofonista María Mange Valencia, Ricardo
Arias (flauta, soprano), Nicolás Eckardt (guitarra e banjo elétrico) e Mauricio
Ramírez (percussão). O grupo de Bogotá apresenta uma música em que une
elementos free jazzísticos, da música popular e algo do rock em uma combinação
bastante interessante. Em dezembro de 2020, o quarteto se isolou em uma casa para,
em dois dias, criar as peças que se tornariam este álbum de estreia. A pulsante
faixa de abertura, com Valencia tirando densas linhas do clarinete baixo, é uma
boa introdução ao que o trabalho do quarteto oferece.
Collage
Juanma Trujillo
ears & eyes
Records
O guitarrista
venezuelano
Juanma Trujillo se estabeleceu em Nova York em 2014. Nascido e criado em
Caracas, o músico concluiu que precisava buscar um lugar onde a cena permitisse
que desenvolvesse melhor suas ideias. E tem, desde então, ampliado suas
parcerias com inventivos nomes da cena jazzística e impro da cidade. Para este
novo trio, convocou o experiente baixista Sean Coly e o percussionista cubano
Francisco Mela. O ponto de partida inspiracional de Trujillo para
Collage foi sua paixão pelo
cinema clássico. “
I don’t know how that stuff translates into my music making, but
it makes me think about aesthetics and pacing, and it makes my life better”,
diz o músico. Isso não fez com que a música soasse necessariamente imagética,
tampouco descritiva, mas se revela um veículo justo para Trujillo apresentar
inventivas linhas, expressividade envolvente e solos precisos. O álbum, registrado
no Douglass Recording, no Brooklyn (NYC), traz seis peças e será oficialmente
editado, em CD e digital, no dia 15 de julho.
Masintin
Mario Salvador/
Marcos Morales/ Yasel Muñoz
Orbit 577
Este álbum é
uma estimulante surpresa vinda de Cuba. O trio formado por
Mario Salvador
(tres, um instrumento de cordas regional),
Yasel Muñoz (flautas) e
Marcos
Morales (bateria) mostra um pouco do que a música instrumental/improvisada
cubana contemporânea vem gestando. Registrado no Pablo Milanés Recording
Studio, em Havana,
Masintin apresenta apenas três extensas faixas (de 14 a 36 minutos)
nas quais elementos da música popular servem de entrada a peças nas quais a
improvisação livre assume papel destacado. Este é o álbum de estreia do trio,
que toca junto há algum tempo, em outros projetos, e revela jovens nomes com
muito o que dizer, da feitura composicional que dá o arcabouço das peças às
improvisações, com muita energia, a que se abrem. O uso de pedal e efeitos no
tres traz sonoridades realmente inebriantes e a ampla exploração dos sopros por
Muñoz cria momentos singulares. Infelizmente o álbum está sendo editado apenas
em formato digital (se o disco tiver a repercussão positiva que merece, quem
sabe a gravadora não se anime para fazer também uma versão física?). Este trio
é uma das boas novidades de 2022 e merece ser acompanhado com atenção.
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*quem assina:
Fabricio
Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária.
Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda
correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como
Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e
literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns
“Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”,
de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e
Matthew Shipp (SMP Records)