SAXES em ação: novos trabalhos de saxofonistas veteranos



LANÇAMENTOs  Novos álbuns de veteranos mestres do sax. Experiências variadas, possibilidades múltiplas. Ouça, divulgue, compre os discos...

 

 

Por Fabricio Vieira

 


The Cleansing

John Zorn/ Laswell

Tzadik

John Zorn procurou um antigo parceiro de mais de quatro décadas para marcar seu retorno aos estúdios após um longo hiato causado pela pandemia. Em abril de 2021, Zorn e Bill Laswell se reuniram no estúdio do baixista e de lá saíram com as faixas que formam The Cleansing. São seis peças, em um total de cerca de 46 minutos de “real time improvisations”, nos quais a intimidade dos dois instrumentistas faz com que a música flua com facilidade e precisão. Zorn não tocava seu sax alto havia uns quinze meses. Mas isso não atrapalha em nada o bom desenvolvimento de suas ideias nem do diálogo improvisacional com o climático baixo de efeitos de Laswell. Se não chega a ser imperdível, funciona bem e vale a escuta. Editado em CD.     

 


Seriana Promethea

David Murray/ Jones/ Drake

Intakt Records

David Murray é uma das vozes mais sólidas de sua geração, mantendo uma carreira ininterrupta, com incontáveis projetos, desde meados da década de 1970. Seguindo sempre em busca de novas ideias, aparece agora com este registro feito com o Brave New World Trio, grupo que mantém com o baixista Brad Jones e o não menos notável percussionista Hamid Drake. Trazendo oito composições de Murray, o álbum apresenta um conjunto de peças que bem marcam o idioma do saxofonista, com elementos free jazzísticos, blues, gospel, swing, tudo entrelaçado por seu sopro que vai do melódico ao enérgico com a mesma fluidez. Drake na bateria é par ideal para as ideias, exploradas no sax tenor e no clarinete-baixo por Murray. Gravado em 27 de novembro de 2021 no Hardstudios Winterthur, na Suíça. Editado em CD e digital. 

 


Notice The There

George Cartwright/ Fowler/ Hurt/ Hirsh/Parker

Mahakala Music

Este disco é uma grande surpresa. Reunindo nomes menos conhecidos, encontrou um resultado bastante ajustado para uma música que soa com grande frescor. O quinteto se reuniu pela primeira vez durante a pandemia e daí nasceu este álbum. Com o saxofonista George Cartwright – do lendário grupo da downtown scene Curlew –, de 71 anos, como destaque, o quinteto traz Steve Hirsh (bateria), Christopher Parker (piano), Kelley Hurt (voz) e Chad Fowler tocando stritch (raro sax mais lembrado por sua utilização por Roland Kirk e David S. Ware). As seis peças, com duas mais extensas, de 17 e 21 minutos, trazem competente improvisação coletiva marcada especialmente pela intensidade de sax/stritch e as líricas linhas criadas pelo piano. Cartwright também toca guitarra, a destacar seu trabalho aí no tema “Constituent Cell”.

 


Existencial Moments

Joe McPhee/ Edwards/ Kugel

Not Two Records

Este novo álbum do lendário Joe McPhee foi captado ao vivo durante o festival FreeJazzSaar, em abril de 2019 na Alemanha. Ao lado de McPhee, estão o fantástico baixista britânico John Edwards e o baterista alemão Klaus Kugel. O trio havia lançado em 2018 “Journey To Parazzar” e agora temos uma ampliação do bom resultado já registrado lá. Com improvisação coletiva de grande maturidade, o trio oferece uma grande peça, de 40 minutos, e mais dois temas menores, de 7 minutos, que funcionam mais como um tipo de bis ao prato principal. Iniciando com o trompete e depois passando ao sax tenor, McPhee segue, aos 82 anos, em forma invejável, com uma força criativa irretocável.

 


La Pierre Tachée

John Butcher/ Sophie Agnel

Ni Vu Ni Connu

O britânico John Butcher iniciou sua carreira na década de 1980, já com uns 30 anos de idade. Certa demora em sua estreia veio por um particular motivo: antes de decidir virar músico profissional, Butcher se dedicou à vida acadêmica, tendo obtido seu PhD em Física no começo dos anos 80. Mas desde que adentrou a música fez desta sua vida. Aos 68 anos, Butcher tem em seu currículo parcerias com muitos dos mais importantes nomes da free music. Agora o vemos em um novo projeto, este duo com a pianista francesa Sophie Agnel. La Pierre Tachée é parte de uma série de encontros de Butcher com diferentes músicos que ocorreu no fim de 2019, pouco antes da eclosão da pandemia, no espaço Ausland, em Berlim (outros desses encontros também foram editados em disco). Esta gravação do duo foi captada em 29 de novembro. São quatro peças de improvisação livre, com Butcher se revezando entre os saxes tenor e soprano. Sai em edição limitada em vinil, 300 cópias.

  


Magic Dust

Ivo Perelman Quartet

Mahakala Music

Reunido com um novo quarteto em sua segunda casa, o Park West Studios, no Brooklyn nova-iorquino, sob os ouvidos sempre atentos do engenheiro de som Jim Clouse, Ivo Perelman deu asas, em 4 de agosto de 2021, à sessão que se tornaria este álbum. Ao lado de William Parker, com quem já muito trabalhou, e das novas vozes Christopher Parker (piano) e Chad Anderson (bateria), Perelman comandou os mais de 100 minutos de música, repartidos em quatro temas, que formam Magic Dust. Editado em CD duplo, cada disco traz uma peça menor e uma bastante extensa. No CD 1, “Impromptu” abre com uma pegada algo jazzística, como se fosse uma relaxada apresentação, não só do grupo, mas dos músicos entre eles. Na sequência, “The Way Of The Magician”, com seus 38 minutos, vem com tudo e realmente impressiona. Sem muita perda de tempo, Perelman adentra um solo de temperatura altíssima, tão elevada que remete a seus momentos mais explosivos, como os que eram mais comuns até o começo dos anos 2000; para quem ficou de ouvido eriçado, após um solo de uns dois minutos de piano, mais sax tenor em explosivas e enérgicas linhas, de cortar o espaço. E isso tudo antes de a peça chegar na metade. O CD2 inicia com Parker tocando a flauta japonesa shakuhachi, abrindo novas possibilidades de diálogo com o sax tenor. O disco encerra com a faixa-título, com 37 minutos, um fechamento ideal para a longa excitante jornada proposta pelo inspirado quarteto, com os solos de sax voltando a tocar picos enérgicos faiscantes.

 


(D)IVO

Ivo Perelman/ Malaby/ Berne/ Carter

Mahakala Music

Após a longa série de 12 duos com saxofonistas que organizou no ano passado (a ser editada em disco ainda neste ano), Ivo Perelman resolveu encarar algo inédito em sua trajetória: um quarteto de saxofones. Para a empreitada, convocou três parceiros tarimbados, Tim Berne, James Carter e Tony Malaby. Tendo no horizonte quartetos clássicos de saxofones do free jazz (WSQ, Rova...), decidiu-se que cada instrumentista tocaria um membro diferente da família dos saxofones, com a divisão ficando assim: Perelman com o tenor; Berne com o alto; Malaby ao soprano; e Carter no barítono. O quarteto entrou no Park West Studios em janeiro deste ano e saiu de lá com quase uma hora de música, dividida em sete partes. Sem nomes particulares (apenas “Part One”, “Part Two”...), as peças funcionam como um todo para ser ouvido sequencialmente. Focado na improvisação coletiva, o álbum traz os quatro saxofonistas em um diálogo com inevitáveis contrastes de personalidade, com cada um deles trazendo suas marcas estilísticas, ora confluindo ora se entrechocando. A música vai surgindo sem uma liderança clara, com a criação coletiva sendo realmente seu norte, resultando em temas que variam de 5 a 13 minutos. Das ruidosas ondulações de “Part Five”, que alcançam picos de densidade incríveis em seus últimos dois minutos (os mais desconcertantes do disco), à melancólica sombra melódica que se desenha em “Part Three”, o quarteto mostra a amplitude de ideias que o encontro proporcionou.        

 

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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)