PLAY IT AGAIN... (Made in Canadá)



LANÇAMENTOs  Novos álbuns de músicos vindos do Canadá. Experiências variadas, possibilidades múltiplas. Ouça, divulgue, compre os discos...


 

Por Fabricio Vieira


Moves

Eucalyptus

Telephone Explosion Records

Comemorando uma década de atividade, o octeto Eucalyptus, de Toronto, chega a seu sexto título. Sob o comando do saxofonista Brodie West, o grupo apresenta sete novas peças. A complexidade polirritmica é uma das marcas do octeto, que conta com duas baterias (Nick Fraser e Evan Cartwright) mais percussão (Blake Howard). Completam a formação Nicole Rampersaud (trompete), Kurt Newman (guitarra), Ryan Driver (clavinete) e Michael Smith (baixo). Os temas refletem influências variadas, das quebradiças linhas percussivas de “Infinity Bananas”, com sua guitarra de corte mais rock, ao clima bossa-novístico de “It’s In a Love”. Muitas dessas ideias, contam, surgiram nas temporadas que costumam fazer no Hirut Cafe, um restaurante de comida etíope com música ao vivo de Toronto.

 

Meadow Of Dreams

Brodie West Quintet

Ansible Editions/ Astral Spirits

Meadow Of Dreams apresenta um outro projeto comandado pelo saxofonista alto Brodie West. Neste seu quinteto, os elementos free jazzísticos são mais explícitos, contando para isso com uma sólida formação: Tania Gill no piano, Josh Cole no baixo e, mais uma vez, Nick Fraser e Evan Cartwright nas baterias. West é um experiente músico, que já teve fortes ligações com a cena holandesa, tocando no lendário grupo de avant-punk The Ex e gravando com Han Bennink. O álbum oscila tensões, exibindo a versatilidade de West, indo da densidade marcante de “Inhabit I” às intrincadas linhas de “Haunt” (engenhosamente armada, de forma a escutarmos com precisão o que diz cada instrumento), passando pelo lirismo da faixa-título. Meadow Of Dreams foi registrado no estúdio Canterbury Music Company, em duas sessões em fevereiro e março de 2020. Sai em digital e edição limitada em vinil.

 


Future Moons

Adams/ Dunn/ Haas

Ansible Editions

Este novo trio formado por Kieran Adams (sampler, bateria eletrônica e bateria), Matthew “Doc” Dunn (teclados e eletrônicos) e Andy Haas (sopros e eletrônicos) apresenta um future spiritual jazz que soa bastante climático e atmosférico. Mas há também momentos de intensidade mais palpável, especialmente quando Haas sola ao sax soprano, como na faixa “Soft Nebula”. Haas, que tem em seu currículo colaborações com figuras da downtown scene, como Ikue Mori e Marc Ribot, é quem traz o tempero free jazzístico ao grupo – sem ele, a música provavelmente sofresse uma sensível esvaziada. Os integrantes do trio também fazem parte do conhecido grupo de spiritual jazz de Toronto "The Cosmic Range", mas trazem aqui novas perspectivas para sua música.

 

727 / 16

High Alphine Hut Network

Ansible Editions

Mais um lançamento vindo da fértil cena de Toronto, o High Alphine Hut Network é um novo octeto comandado por Christopher Shannon (baixo, piano elétrico e sintetizador) e Benjamin Pullia (sintetizador e percussão). Com uma vibe free fusion setentista, o grupo apresenta duas faixas neste álbum de estreia. “727” tem relevante papel do piano elétrico (Robin Hatch) e da guitarra (Tobin Hopwood), em meio às grooveadas linhas conduzidas pelo baixo, com algo dub ecoando no ar. O saxofonista Joseph Shabason adiciona sua voz sem ser invasivo, deixando sintetizadores e percussão – dobrados – manterem espaço de relevo no desenvolvimento da música. O EP é o primeiro título de um novo selo, “Ansible Editions”, criado em Toronto para ajudar a difundir a viva cena local.  

 

 

Disappearing Curiosities

Tania Gill Quartet

Independente

A pianista Tania Gill é uma das mais sólidas vozes da cena jazzística canadense. Professora do Humber College e da Universidade de Toronto, a pianista tem neste quarteto seu principal projeto, que fez sua estreia em 2010, com “Bolger Station”. O grupo, que traz nova cozinha com Rob Clutton (baixo) e Nico Dann (bateria), mantém (para satisfação dos ouvintes) a inventiva trompetista Lina Allemano e oferece este muito bem-realizado álbum. Com nove peças, Disappearing Curiosities traz novas composições de Gill, que mostram toda sua versatilidade. “Marsh Music” inicia o disco em tom solene, com o piano em minimalistas linhas, que vão aos poucos sendo entrecortadas pelo trompete, preparando o ouvinte para “To Montreal”, marcada por um piano agilmente criativo e solos justos de Allemano. “Jaunty”, com Gill utilizando um sintetizador moog, traz certa estranheza à coesão do trabalho, reequilibrada com a tocante “Tangled Branches” (que traz o melhor solo de Gill). O álbum fecha (“Knocked Over”) de maneira bastante acertada, com alguns dos momentos mais saborosos oferecidos pelo diálogo entre piano e trompete.

 

Glow

François Carrier/ Michel Lambert/ Schvarzman/ Caicedo

FMR Records

O saxofonista François Carrier e o baterista Michel Lambert têm mantido uma parceria que já ultrapassa as duas décadas. O saxofonista de Montreal, que tem boa parte de sua discografia captada em incursões mundo afora, ao lado de artistas estrangeiros, se une aqui ao espanhol Diego Caicedo e ao argentino Pablo Schvarzman, ambos guitarristas. O encontro aconteceu em Barcelona, no Soda Acustic, antes do lockdown pandêmico, em junho de 2019, e esperou mais de dois anos para chegar no mercado. A inusitada formação é muito bem explorada pelo quarteto em cinco peças de improvisação livre, que oscilam entre 4 e 12 minutos. Carrier está aqui em sua via mais arisca, como mostra no poderoso solo que corta o meio da faixa-título em alta voltagem. As guitarras trabalham texturas e camadas de formas independentes mas complementares, servindo de contraponto preciso para os voos do sax alto.  

 

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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)