LANÇAMENTOs O
trompetista Amilcar Rodrigues e o baterista Guilherme Marques se unem em um novo
projeto em duo, que faz sua estreia nesta semana...
Por Fabricio
Vieira
Nada mais
empolgante do que se deparar com um novo impressionante projeto que não era
esperado. Na semana passada, apareceu a informação de que o duo formado pelo
trompetista
Amilcar Rodrigues e o baterista
Guilherme Marques estava editando
seu álbum de estreia,
(i)miscível. E qual não foi a surpresa ao escutar o que o
duo trazia. Rodrigues (trompete, flugelhorn, euphonium) e Marques (bateria, percussão) estão na estrada há um bom tempo, tendo trabalhado juntos em
diferentes projetos, com vários artistas, nos últimos cerca de quinze anos. E agora
mostram que alcançaram sua plenitude artística, encontrando neste duo um
momento de inspiração maior. “
A ideia do duo surgiu em 2019. Eu e o Guilherme
nos conhecemos há bastante tempo e já tocamos em inúmeras formações diferentes,
desde banda de baile até ensemble de sopros e cozinha. O duo surgiu pra
aprimorarmos a linguagem de impro livre, sem fios condutores ou materiais pré-combinados,
o lance era a exploração mesmo”, diz Rodrigues. Os duos de trompete e bateria
são menos explorados e lembrados na free music que os de sax e percussão. Mas não
faltam marcantes álbuns e projetos com tal formação, como os que uniram Don
Cherry e Ed Blackwell ou Magnus Broo e Paal Nilssen-Love. Quem cultiva muito o
formato é Wadada Leo Smith, que gravou duos com diversos bateristas, como Louis
Moholo, Günter Sommer, Milford Graves, Jack DeJohnette, Sabu Toyozumi... E se
no país já contávamos com o incrível duo de trompete e bateria Radio Diaspora, agora temos o privilégio de ver surgir esta nova parceria.
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(Foto: Victor Caldas) |
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No fundo, a
ideia de gravar um disco está presente desde o início e resolvemos chamar o
Cuca Ferreira pra fazer uma produção artística deste disco; foi por intermédio
dele, com a Baticum e com o Ro Fonseca, que captou e fez a pós-produção do
áudio com os efeitos, mixagem e masterização, que possibilitou o projeto. O
Cuca também teve a ideia de gravarmos no Galpão Cru, o que fez toda a diferença
na concepção do som, ainda mais depois que tivemos a possibilidade de fazer sessões
semanais por alguns meses antes da gravação em si”, conta Rodrigues. O
resultado desses encontros, que aconteceram em meados de 2021, agora é
apresentado em um álbum em dois volumes, com cinco peças cada um. O sopro ao
mesmo tempo profundo e econômico de Rodrigues remete a uma linhagem de mestres
como Wadada Leo Smith, lidando com rascunhos melódicos que se revelam altamente
imagéticos, sinestésicos quase, com cores pulsando por entre as notas que se
diluem no espaço, em um esquema expressivo no qual o silêncio também tem sensível relevância. Um pouco do melhor desse processo está em “experimento_#4_15.07”, marcada pela repetição de uma linha que gira em torno de um núcleo, que ora se
expande ora regressa a seu traço mínimo, com a percussão fragmentada de Marques
como que tentando atravessar as notas que vão sendo lançadas pelo trompete, por
vezes as engolfando, por vezes as deixando escapar espaço afora. Genial diálogo.
Metade das dez faixas do álbum recebe a participação especial da cantora Juçara
Marçal. Sua voz, trabalhada em vocalizações únicas, com enfoques que variam de
um tema a outro, traz possibilidades novas e muito particulares às peças,
elevando e expandindo a potência expressiva do trabalho, do encantatório resultado
de “experimento_#12_16.30” ao impactante canto sem palavras de “experimento_#11_16.23”,
que traz Amilcar no euphonium, em passagens de densidade quase dramática. Os dez temas
funcionam de forma integrada, como uma grande obra feita para ser apreciada em
sua completude, com seus desdobramentos e rumos inesperados inebriando os
sentidos.
(i)miscível, já um dos destaques discográficos do ano, será
apresentado ao vivo nesta semana no Sesc 24 de Maio (centro de São Paulo), em
paralelo a seu lançamento, pelo selo
Baticum Music, nas plataformas digitais. Imperdível.
*Marques & Rodrigues
Duo*
Quando: 14/4 (qui),
às 20h
Onde: Sesc 24
de maio (SP)
Quanto: R$ 20 a
R$ 40
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*quem assina:
Fabricio
Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária.
Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda
correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como
Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e
literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns
“Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”,
de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e
Matthew Shipp (SMP Records)