Um Retrato do Jazz no Século XXI


LIVROs O crítico musical Phil Freeman lança um novo livro, no qual retrata um pouco do que tem sido feito no universo jazzístico no século XXI...

 



Por Fabricio Vieira

 

Jaimie Branch
Gênero musical centenário, o jazz já vivenciou tempos de protagonismo e ostracismo, sendo ora um produto cultural de consumo massivo, ora uma música somente de aficionados. Entre idas e vindas, o gênero se reinventou, se fragmentou e multiplicou suas vias expressivas, morrendo e renascendo várias vezes. No século XXI, o que este gênero surgido mais de 100 anos atrás ainda tem a dizer? O crítico musical norte-americano Phil Freeman tenta dar algumas respostas à questão em seu novo livro, Ugly Beauty: Jazz in the 21st Century. Quem conhece o trabalho de Freeman talvez tivesse uma perspectiva diferente do que ele traz em seu livro. Acompanhando seu site musical, Burning Ambulance, ou mesmo os lançamentos de seu novo selo, cria-se a imagem de que seu núcleo de interesse é o free jazz e a improvisação livre e que esta nova obra seguiria a linha temática de seu livro anterior, “New York Is Now!: The New Wave of Free Jazz” (The Telegraph Company, 2001). Mas Freeman abriu seu leque aqui, olhando para diferentes linhagens do jazz contemporâneo. Todavia, apesar da abertura sonora que Ugly Beauty: Jazz in the 21st Century propõe, seu enfoque espacial é relativamente restrito. O autor destaca artistas de apenas quatro cenas: Nova York, Chicago, Los Angeles e Londres. Este é um recorte como qualquer outro, mas chama atenção o fato de um livro que trata do jazz no século XXI deixar de lado cenas tão poderosas quanto a escandinava e a portuguesa, apenas para citar duas das mais destacadas em nossos tempos. Talvez o fato de Freeman querer ter contato pessoal com cada artista e cena destacados o tenha levado a se focar no que ele conhece mais de perto...

Tyshawn Sorey
A estrutura de Ugly Beauty segue roteiro parecido com o do anterior New York Is Now!: o autor monta os capítulos enfocando músicos específicos, a maioria sendo entrevistados, encontrados cara a cara, na mesa de um restaurante, em um estúdio de gravação, após um concerto, com cada diferente clima se refletindo no texto. “I will explore the landscape of twenty-first century jazz – the music and the people who make it, as well as the issues that surround it”, diz na introdução. A proposta de Freeman não é fazer um registro histórico, o jazz contemporâneo como produto cultural refletindo seu tempo, tampouco uma discussão teórica ou estética; o que ele busca é apresentar, de uma forma mais íntima, quase cronística, tanto por meio de encontros quanto de suas impressões de shows ou de discos, músicos que fazem sons bastante variados e que, de uma maneira ou de outra, formam o que poderíamos chamar de jazz do século XXI, do pós-bop e do modern creative ao free jazz e à improvisação livre. Provavelmente os nomes mais destacados de cada um desses campos, considerando o recorte territorial que ele fez, aparecem aqui – mas ao menos uma ausência merece ser destacada, a do trompetista Peter Evans. O livro é dividido em cinco capítulos, sendo que cada um deles enfoca uma seleção diferente de músicos, que de alguma forma tenham uma associação estética. Vale destacar que os artistas selecionados surgiram e/ou sedimentaram suas carreiras a partir dos anos 2000. Dentre os artistas presentes no livro, estão saxofonistas (Matana Roberts, JD Allen, Kamasi Washington, Darius Jones, Nubya Garcia, James Brandon Lewis), trompetistas (Ambrose Akinmusire, Taylor Ho Bynum, Jaimie Branch, Jeremy Pelt, Christian Scott), pianistas (Vijay Iyer, Jason Moran, Ethan Iverson), além de Mary Halvorson, Tomeka Reid, Linda May Han Oh, Tyshawn Sorey, Moor Mother, Luke Stewart e alguns mais. No painel sonoro que apresenta – que é apenas um recorte do que acontece no mundo hoje –, Freeman mostra que a música atual é amplamente rica estética e discursivamente, nos lembrando a cada capítulo que não há motivos para ficar ouvindo apenas a música dos mestres do passado. A mensagem central: o jazz do século XXI está vivo, é amplamente variado, com uma criatividade infinita. A única regra é manter os ouvidos abertos, sempre.

 



Ugly Beauty: Jazz in the 21st Century

Phil Freeman

Zero Books, 272 pgs. (em inglês)

 








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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)