LANÇAMENTOs O jovem saxofonista de Chicago Isaiah Collier soltou um dos discos imperdíveis do ano com seu quarteto The Chosen Few...
Por Fabricio Vieira
Não é sempre que um jovem artista solta um disco tão impactante. Seu nome ainda é relativamente pouco conhecido, apesar de não estar estreando exatamente agora. Vindo de Chicago, o saxofonista Isaiah Collier tem 23 anos de idade. E em 2021 lançou o que é o terceiro registro com seu grupo, o The Chosen Few. O nome do poderoso álbum é Cosmic Transitions e dá a direção para suas vias principais: é inegável a herança spiritual free jazzística dos anos 60, 70, nessa encantatória produção. Talvez seja mais fácil alguém ter ouvido antes Collier em ação nesses anos recentes em suas participações em discos de Kahil El’Zabar e Ernest Dawkins. Mas é aqui que deu seu grande salto. Cosmic Transitions é um álbum bem-planejado, independentemente do quanto a liberdade improvisatória seja uma peça fundamental para o trabalho. Apesar do pouco tempo de existência do The Chosen Few, o grupo de Collier chegou renovado para este registro. Quarteto, traz a seu lado uma formação clássica de piano (Mike King), baixo (Jeremiah Hunt) e bateria (o sensacional e muscular Michael Shekwoaga Ode). Collier chegou munido de saxes tenor e soprano. São deles também as composições e arranjos de Cosmic Transitions, uma suíte em cinco partes. O registro foi realizado em 23 de setembro de 2020, no Van Gelder Studio. Sim, o dia de nascimento de Coltrane, em seu estúdio favorito. Nada disso é coincidência, claro. Mas Collier mostra que seu trabalho não é apenas mais uma obra celebratória, feita na esteira das heranças coltraneanas, mesmo que isso esteja inevitavelmente presente ou que a homenagem a Trane seja explícita. Sua música é profunda, intensa e tocante à sua própria maneira, jazz, blues, spiritual, free, grandes linhagens expressivas em dosagens variantes abrindo os caminhos para sua voz.
O álbum inicia com "Invocation", uma abertura que soa cerimonial, como que um chamamento aos espíritos dos grandes que tocaram ali naquele espaço nas décadas anteriores; delicados sons percussivos, bells, um recitativo que surge sem ser intromissivo, que nos levam a uma potente entrada da bateria, nos jogando em "Part I: Forgiveness", na qual Collier não tarda a elevar a temperatura com um soprano em ondulações desconcertantes que eclodem em um solo demolidor, sempre com a bateria forçando o sopro a ir mais e mais adiante. Com o passar das faixas, Collier vai se revelando um solista de elevadíssima voltagem - seus solos nos minutos iniciais e finais de “Mercury’s Retrograde”, a quinta parte da suíte, primeiro ao tenor, depois ao soprano (por vezes os dois ao mesmo tempo, ao que parece), são incendiários, com o explosivo Shekwoaga Ode o conduzindo aos picos mais extremos. Não faltam também momentos mais introspectivos, melódicos até, como em "Part IV: Truth and Guidance". É curioso que relativamente pouca gente tenha falado ou escrito sobre este disco, editado em vinil originalmente em maio de 2021 pelo selo independente de Chicago Division 81 Records (eu mesmo só fui descobri-lo há algumas semanas. E o ouvi repetidamente desde então). Mas o impacto que vai deixando pelo caminho é inegável. Dentre as poucas resenhas que apareceram, estão a de Nick Metzger, no Free Jazz Blog, onde levou 5 estrelas. No outro extremo, houve a de Joshua Myers, na Down Beat; outras 5 estrelas. Collier está apenas iniciando sua jornada, mas mostra com Cosmic Transitions que é um artista com muito a dizer, que merece ser acompanhado atentamente.
Cosmic Transitions *****
Isaiah Collier & The Chosen Few
Division 81 Records
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros, Zumbido e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)