WADADA LEO SMITH, 80 (+ álbuns novos...)


CRÍTICAs O genial trompetista Wadada Leo Smith tem mais uma série de novos discos sendo lançados em breve... 

 



Por Fabricio Vieira

 

No próximo mês, mais precisamente em 18 de dezembro, o trompetista e compositor Wadada Leo Smith completa 80 anos de idade. Como parte da celebração desse momento, diferentes  novos álbuns do artista têm sido editados neste ano. E uma nova leva chega nas próximas semanas...

 


Pacifica Koral Reef  ****

Wadada Leo Smith/ Henry Kaiser/ Alex Varty

577 Records

Wadada Leo Smith e o guitarrista Henry Kaiser têm trabalhado juntos há algumas décadas, parceria que rendeu projetos empolgantes como, a partir dos anos 90, o Yo Miles!, que explorava com muita inventividade o universo da fase elétrica de Miles Davis. Esta nova reunião deles não poderia ser mais diferente. Smith e Kaiser se juntaram para esta sessão em janeiro de 2018, na Califórnia. E chamaram um outro guitarrista, Alex Varty, para se unir a eles. Varty é um nome mais ligado ao universo do rock alternativo. Mas o que o trio apresenta aqui não vai também por essas vias. Pacifica Koral Reef é centrado em uma longa peça de 55 minutos (que, ao que parece, na verdade foi editada a partir de diferentes sessões) e tem como base o sistema de criação que Smith chama de Ankhrasmation, que combina estimulação visual, notação musical e "filosofia social, estimulando a intuição, imaginação e cooperação". "The multidimensional experience that is Pacifica Koral Reef began life in trumpet player and composer Smith’s prodigious imagination, and then found a home on a single sheet of paper, inscribed with sinuous lines, bright blocks of spring green and earthy ochre, radiant pools of blue, circuit-board computations, and ancient glyphs", explica Varty. O resultado dessa exploração é uma música bastante climática, encantatória até, algo psicodélica em alguns pontos, que se desenvolve com vagar e muito coesa em meio às transformações que traz. Sem dúvida, algo diferente mesmo para quem acompanha as mutantes e amplas explorações de Smith. O álbum vai ser editado em CD, edição limitada de 500 cópias, em 15 de dezembro.     

 


A Love Sonnet for Billie Holiday  ****(*)

Wadada Leo Smith/ Vijay Iyer/ Jack DeJohnette

TUM Records

Este encontro inédito reúne pela primeira vez em trio Wadada Leo Smith, o percussionista Jack DeJohnette e o pianista Vijay Iyer. O trompetista já gravou com eles em outros contextos, porém, nunca ao mesmo tempo (curiosamente, pianista e baterista já tocaram no Golden Quartet de Smith, mas quando um estava, o outro não). E o resultado do encontro dessas três vozes é realmente brilhante. O álbum foi captado há alguns anos, em novembro de 2016, no Avatar Studios (NYC)  quem sabia da gravação, teve que controlar a ansiedade para apenas agora ter em mãos esse belo material. São cinco temas, em quase uma hora de música. "A Love Sonnet For Billie Holiday was a dream project to work on with Jack and Vijay where the idea of composition and instrumentation would play a vital part in how the music sounded", diz Smith no release. "The keyboards, drum-set/percussion and trumpet would create their own sonic ranges, and with no bass at the bottom of the music, instruments could realize wider horizontal sonic fields and emotional ranges. Therefore, the performers could reveal a complete and complex melodic and harmonic spectrum in a clear musical exposition." A falta de um baixista não é algo pontual, definindo em muito os caminhos explorados pelo trio. Em uma conexão com seus primeiros tempos, com o trio que unia Smith a Anthony Braxton e Leroy Jenkins no fim dos anos 60, este novo álbum lida com o silêncio e o espaço de forma muito elaborada. Sem negar picos maiores de energia aqui e ali, a música vai se revelando em camadas que, por vezes, demoram para se arquitetar, com rastros melódicos saindo do trompete e se diluindo no ar antes que novas notas alcancem nossos ouvidos, esquema bem ilustrado pela faixa-título. E mesmo em "Deep Time No.1", que traz sampler do discurso "By Any Means Necessary", de Malcom X, tudo acontece de forma equilibrada, nunca invasiva. O justo equilíbrio do álbum não vira uma camisa de força, com "Rocket" encerrando o trabalho com uma voltagem bastante distinta, com Iyer explorando um órgão Hammond B-3 (ele também toca Fender Rhodes). Fica a expectativa de podermos apreciar um novo encontro entre esses três artistas gigantes. O CD será lançado em 19 de novembro.

 


The Chicago Symphonies  *****

Wadada Leo Smith´s Great Lakes Quartet

TUM Records

Wadada Leo Smith reuniu aqui mais uma vez o potente Great Lakes Quartet, com o qual gravou o elogiado álbum "The Great Lake Suites" (2014). Ao lado de Smith estão os veteranos Henry Threadgill (sax alto, flauta), John Lindberg (contrabaixo) e, mais uma vez, Jack DeJohnette nas baquetas. The Chicago Symphonies é um álbum quádruplo, com quatro extensas composições, uma em cada CD. "The idea of a symphony composed for a sextet was first presented by composer/performer Don Cherry in his classic recording Symphony For Improvisers in 1966. I have broadened this idea to include the social, political and psychological dynamic into the creative space. My Chicago Symphonies are intended to illustrate and preserve the powerfully unique cultural contribution that the Midwesterners made in helping to shape the American society", diz Simth na apresentação do projeto. Os três primeiros álbuns, com as peças "Gold Symphony", "Diamond Symphony" e "Pearl Symphony" foram registrados em março de 2015, no Avatar Studios (NYC). Já o quarto disco, "Sapphire Symphony", foi captado em junho de 2018  e traz uma alteração: o saxofonista Jonathon Haffner (alto e soprano) substitui Threadgill. Dessa forma, The Chicago Symphonies pode ser ouvido como se tivesse, na verdade, duas subdivisões: a primeira, com os três discos captados com Threadgill, que funcionam como uma continuidade do álbum de 2014; e a segunda, com Haffner, que pode ser vista como um desdobramento do projeto (uma nova fase?). Cada disco/sinfonia tem cerca de 40 minutos (uns mais, outros menos, variando de 36 min a 49 min), sendo o material todo dividido em 19 faixas/movimentos. Como em sinfonias clássicas, fica pressuposto que a proposta é ouvir cada disco de forma ininterrupta, sendo cada um deles composto por uma peça una, dividida em 4/5 partes (cada movimento tem um subtítulo que deve ser conhecido pelo ouvinte, dando indicações de para onde Smith estava olhando quando o compôs). The Chicago Symphonies faz parte das mais ambiciosas criações de Smith, podendo ser colocada ao lado de obras como "Ten Freedom Summers" e "America's National Parks". Extrapolando a "simples" edificação sonora, em um avançar dialógico com importantes momentos da história e da cultura, Smith tem criado uma obra que se revela um documento de nosso tempo e de seu pensamento. São álbuns que não brilham apenas por sua grandeza sonora, mas também como objetos culturais de importância vital para nos ajudar a atravessar esses tempos sombrios. The Chicago Symphonies será editado em box com 4 CDs no dia 19 de novembro.

 


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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros, Zumbido e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)