Um olhar sobre o Novo Jazz Argentino


JAZZ AL SUR Livro do jornalista Fernando Ríos aborda a nova cena jazzística da Argentina, destacando toda a multiplicidade sonora que tem marcado o país vizinho nas últimas duas décadas...

 



Por Fabricio Vieira

 

Quem se interessa pelo o que de mais criativo acontece na cena jazzística contemporânea com certeza acompanha o que se passa na Argentina (do contrário, tem uma importante lacuna nas suas buscas sonoras). O jazz há muitas décadas é uma força considerável na Argentina. E no século XXI, a cena do país parece até ter elevado sua ebulição criativa. Algumas das vozes mais inventivas da atualidade vem exatamente do país vizinho: Paula Shocron e o SLD Trío, Camila Nebbia, Juan Bayón, Marco Sanguinetti, Mariano Otero, Ada Rave, Rodrigo Domínguez, Adrián Iaies, Violeta García, Pablo Puntoriero, Ernesto Jodos, são muitos os nomes, nos mais variados instrumentos e estilos, que surgiram neste século no país cheios de ideias e propostas novas. E é olhando para esse caldeirão criativo que o jornalista Fernando Ríos concebeu Un Panorama Del Nuevo Jazz Argentino (2000-2020), livro que está sendo lançado pela editora Gourmet Musical.

O abrangente livro de Ríos se propõe a abarcar todas as ramificações do jazz argentino, do neo-bop ao free, sem preconceitos. Ríos acompanha como crítico musical esse universo de perto há muito tempo  ele dirige a revista on-line Argentjazz – e fez dezenas de entrevistas com quem viveu e faz a cena jazzística local. E o resultado a que chega é um painel bem equilibrado, destacando tanto artistas que têm tido já maior repercussão quanto aqueles ainda relativamente sombreados, que buscam seu espaço. Un Panorama Del Nuevo Jazz Argentino não se restringe a elencar artistas e discos. O autor olha também para o contexto socioeconômico que ronda e, sob diferentes aspectos, ajuda a explicar a cena musical em suas nuances, triunfos e contradições. Abordando diferentes aspectos, falando sobre os espaços para tocar, a cobertura da imprensa, festivais, gravadoras (e discos, claro), Ríos consegue dar ao leitor uma visão ampla e relativamente profunda da cena local. "Con enorme pericia, a manera de etnógrafo urbano, Ríos registra con precisión y boníssima data un acontecer, una marcha que no cesa ni cristaliza, salvo en esos discos que documentan los pequeños grandes pasos que dio el jazz en estos últimos años", diz no prólogo Sergio Pujol, autor do já clássico "Jazz Al Sur" (Emecé, 2004).

Dividido em 11 capítulos, o livro, apesar, de um modo geral, de seguir um percurso temporal, não tem sua estrutura engessada por uma visão diacrônica. A especificidade temática dos capítulos leva o leitor a ir e vir nessa história que abarca cerca de duas décadas, começando em 2000. Os assuntos variados dos capítulos, mesmo se completando, permitem que o leitor os leia não obrigatoriamente de forma sequencial. É possível ir direto, por exemplo, ao capítulo "Entre discos y nubes", que vai discutir o mercado fonográfico local. A Argentina viu no período abordado no livro surgirem diferentes selos locais focados em jazz que foram fundamentais para registrar essa história: BAU, BlueArt, S-Jazz/S-Music, PAI, Rivorecords, Acqua Records, Kuai Music, Nendo Dango, Club del Disco, dentre outros. Alguns desses selos já desapareceram, mas, em seu conjunto, representam um documento muito importante da vida jazzística local. Há capítulos que abordam subgêneros e estilos específicos, como "El free busca su propria liberdad" e "El rock a las puertas del jazz", assim como particularidades da música local, como "Jazz con alma de tango" ou mesmo "Las big bands suben a escena". No fim do livro, há um elogiável adendo com uma extensa discografia (723 títulos) do jazz argentino do século XXI (infelizmente o leitor que fique interessado em desbravar esse universo vai descobrir que boa parte desses álbuns estão fora de catálogo e apenas parte deles subiu para as plataformas de streaming). Un Panorama Del Nuevo Jazz Argentino é uma excelente obra que ajuda, especialmente a quem não vive lá ou não acompanha a cena do país, a entender um pouco a importância da música jazzística que está sendo feita hoje na Argentina.


  

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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros, Zumbido e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)