PLAY IT AGAIN...



LANÇAMENTOs Novidades de músicos de diferentes países. Experiências variadas, possibilidades múltiplas. Ouça, divulgue, compre os discos...

 



Por Fabricio Vieira

 


Problem of Absolute Generality  ****

Colin Webster/ Stian Larsen/ Andrew Lisle

Va Fongool

Os britânicos Colin Webster (sax) e Andrew Lisle (bateria) têm trabalhado na última década em inúmeros contextos, podendo ser ouvidos em duo ou com outros instrumentistas em um punhado de discos. Um dos projetos que têm conduzido é este trio, ao qual se junta o guitarrista norueguês Stian Larsen. Gravado em fevereiro de 2019, no Soup Studios (Londres), Problem of Absolute Generality vem da mesma safra do registro de estreia do grupo, "Zeal and Perseverance", editado dois anos atrás. Funcionando como uma continuidade, um lado B do disco anterior, este novo álbum é composto por cinco temas, improvisação livre coletiva, sem protagonismos. As três vozes se unem para explorar possibilidades expressivas variadas, indo de um tema mais abstrato como "Tachyonic Antitelephone" a peças com um free mais enérgico e direto, a destacar a faixa inicial de sugestivo nome ("Boltzmann Brain") e "Upstream Contamination", marcada pela poderosa abertura conduzida por Lisle e as intervenções mais robustas do sax. Editado em digital e LP.

 


Rat Licker  ****

Dead Neanderthals

Independent 

O duo holandês Dead Neanderthals surgiu uma década atrás destilando um furioso jazzcore/heavy jazz, levando a música instrumental radical a patamares pouco antes executados. A herança grindcore era latente em especial em seus primeiros trabalhos, com a música aceleradíssima durando muitas vezes menos de um minuto cada peça, com a energia bastante concentrada. Com os anos, Otto Kokke (saxes) e René Aquarius (bateria) foram ampliando as explorações do duo, com temas mais longos, algum convidado, mas sempre mantendo os extremos sonoros como foco do projeto. Agora nós vemos o Dead Neanderthals voltando à sua estética inicial, apesar de a música de hoje carregar elementos absorvidos nessa última década. Rat Licker é um explosivo (em todos sentidos) EP, com 12 temas e um total de cerca de apenas 9 minutos de música. As faixas, curtas, incisivas e diretas, passam como um relâmpago por nossos ouvidos, sendo um grito fulminante de um fôlego só (como "Hate Trip", em seus 11 segundos) ou um desenvolver um pouco mais amplo de ideias, como a pesadíssima "Scalp Wounds", que chega a "longos" 2 minutos. O disco saiu em LP, edição limitada de 300 cópias, por meio de um pool de selos independentes: Utech, God Unknown, Sentencia, Burning World, EveryDayHate, Moving Furniture, Consouling Sounds, Saw-Whet Distro e o próprio Dead Neanderthals.

 


Jesup Wagon  *****

James Brandon Lewis

Tao Forms

O saxofonista James Brandon Lewis aparece aqui comandando o Red Lily Quintet em sessão registrada no fim de 2020 no Park West Studios, no Brooklyn nova-iorquino. Acompanhado de um time bastante potente, com William Parker (baixo e gimbri), Kirk Knuffke (corneta), Chad Taylor (bateria) e Chris Hoffman (violoncelo), Lewis traz sete composições que bem representam o intenso momento que sua música atravessa. Trabalhando ao lado de antigos conhecidos, especialmente Parker e Taylor, o saxofonista fica bem solto para mostrar um pouco do melhor do que tem feito. Os diálogos e duelos com Knuffke, com quem ainda não tinha gravado, se revelam um dos pontos de relevo no desenvolvimento da obra. Em meio a isso, as faixas oscilam por entre sabores variados; Parker, por exemplo, toca gimbri, um instrumento de cordas africano, em duas faixas; e Taylor adiciona particular colorido com o mbira em "Seer"; já "Arachis" e "Experiment Station" representam os picos de energia do disco, trazendo os mais poderosos solos de Lewis, com impactante acompanhamento da bateria. A abertura e o encerramento do álbum são particularmente interessantes. A faixa-título abre o disco com uma introdução conduzida apenas pelo sax tenor, como que um cântico de chamamento aos ouvintes que vão se aventurar pelo álbum; na outra ponta, "Chemurgy", que encerra o trabalho, traz em seu minuto final apenas a voz de Lewis, em declamação que funciona como um fechamento à estimulante escuta que nos proporcionou.

 


Somit  ****(*)

Punkt.Vrt.Plastik

Intakt Records

Três anos após sua impactante estreia, o trio Punkt.Vrt.Plastik lança seu segundo álbum. Mantendo a inventividade em nível elevadíssimo, a pianista eslovena Kaja Draksler, o baixista suíço Peter Eldh e o baterista alemão Christian Lillinger mostram que esta clássica (e tão explorada) formação do mundo jazzístico ainda pode gerar trabalhos com muitas surpresas, mantendo abertos novos rumos. Somit foi registrado em meio à pandemia, em setembro de 2020 no Bewake Studios, em Berlim. São 13 novas peças, nas quais tanto vemos a combinação perfeita das três vozes como momentos de maior destaque de um deles  como o saboroso solo de piano de "Fraustadt". Lillinger  tem criado uma potente marca com sua forma de tocar que funciona com perfeição nesse contexto, com suas batidas fraturadas que fragmentam a narratividade do trio e funcionam como potentes propulsores para o piano, por vezes encantatoriamente minimalista (como na faixa-título). Dentro de sua coesão, o trio traz uma estimulante variedade sonora (que se explica em parte por algumas variantes, como o fato de Draksler tocar dois diferentes upright pianos, e a esmerada pós-produção do disco, com certas  manipulações sonoras tão caras a Lillinger em outros projetos seus). Somit sedimenta a impressão que havia ficado em sua estreia, de que este trio é uma das vozes mais instigantes  da cena contemporânea.

 


Confluence  ****

Ernesto Jodos/ Mark Helias/ Barry Altschul

Ears & Eyes Records

Esse saboroso trio marca uma parceria de 15 anos entre o pianista argentino Ernesto Jodos e o veterano baterista norte-americano Barry Altschul. Pianista e baterista se conheceram em 2005 em Buenos Aires, durante uma turnê deste último, e desde então tocaram juntos em diferentes contextos. Em 2017, após uma série de concertos na Argentina, decidiram que seria interessante fazerem uma gravação em trio. Faltava um baixista. E a eles se juntaria no ano seguinte, em Nova York, Mark Helias. É daí que saiu este Confluence, editado somente agora. Jodos é um dos nomes mais sólidos da cena jazzística argentina. Em ação desde a década de 90, construiu uma potente discografia, com registros centrados em um ousado jazz contemporâneo, com algumas incursões mais avant, adentrando a improvisação livre. E é especialmente interessante vê-lo em ação ao lado de dois nomes com extensa bagagem no cenário free jazzístico. A música resultante desse encontro não nega a herança jazzística, sendo executada com profunda técnica e imaginação, rondando uma seara que poderíamos chamar de free bop. Os nove temas têm autorias divididas entre os três instrumentistas, havendo peças novas e outras resgatadas do repertório deles, como "Be Out S'Cool", de Altschul., que apareceu no álbum Brahma, de duas décadas atrás. "LL#2" e "24 Module" trazem alguns dos melhores momentos do álbum.

 


L'amour  ****(*)

Catherine Jauniaux/ Xavier Charles/ Mariage

Ayler Records

A vocalista belga Catherine Jauniaux teve a ideia original para este intrigante trabalho. O projeto consistia em partir do livro L'amour (1971), de Marguerite Duras, para criar peças/improvisos em diálogo com as palavras da escritora. Para a empreitada, que começou em 2015 durante uma turnê que passou por Moscou, São Petersburgo, Berlim e Paris, ela chamou Xavier Charles (clarinete) e Jean-Sébastien Mariage (guitarra elétrica). No La Muse en Circuit, centro cultural em Alfortville (França), desenvolveram no ano seguinte as 11 peças que resultaram neste álbum. Entre recitações do texto de Duras e improvisações vocálicas, Jauniaux interage, dialoga e duela com clarinete e guitarra, em um resultado inebriante. Da contemplativa e aclimatadora abertura com "Le Temps Lent", com seus sussurros e notas esparsas, à tocante declamação de "Elle Dort", com o clarinete indo e vindo, contrastando com a guitarra, o disco opera de forma bastante coesa, compondo uma peça única. A última faixa do álbum traz momentos arrepiantes, como quando a voz de Jauniaux repete "Ils surveillent la progression de l'aurore extérieure" enquanto o clarinete corta o espaço. Não sei se em um palco há/houve um trabalho também visual, que sem dúvida elevaria ao máximo a potência do texto imagético/cinemático de Duras. Encanto puro.

 


Snark Horse  *****

Kate Gentile/ Matt Mitchell

Pi Recordings

Esse é um dos mais excitantes trabalhos editados no ano até o momento. Kate Gentile (bateria, percussão) e Matt Mitchell (piano, sintetizador, eletrônicos) se uniram no projeto Snark Horse anos atrás. Um dos objetivos/desafios foi fazer um amplo caderno de composições que serviriam de base ao projeto. É claro que aqui estamos falando de particulares composições: a ideia era criar uma peça por dia, baseada em apenas um compasso, trazendo em sua gênese uma ampla abertura improvisativa. As peças, 70 no total, metade de autoria de cada um deles, são escritas para piano, mas de uma forma que podem ser executadas/improvisadas a partir de qualquer instrumento. "The one-bar compositions can be looped, connected, made into vamps, transposed, inverted, alternated, played together to create other-worldly counterpoint, basically in infinite permutations", explicam. Para explorar esse complexo conjunto, Gentile e Mitchell convocaram oito instrumentistas com os quais têm trabalhado nos últimos anos, quando foram levando, aos poucos, o projeto ao palco, formando o grupo que chamaram de Snark Horsekestra, que traz nomes como Jon Irabagon (saxes), Ava Mendoza (guitarra), Mat Maneri (viola) e Brandon Seabroock (banjo, guitarra). As formações variam de uma faixa a outra, indo de solos e duos a octeto e tenteto. O resultado dessa extensa e ampla exploração sonora sai em um box com nada menos que seis CDs, cerca de cinco horas de música. Imperdível.



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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros, Zumbido e Jazz.pt. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)